A recente divergência no PDT caxiense exposta após tentativa de formação de uma chapa de consenso na eventual eleição do diretório foi um mero episódio de uma crise na relação dos filiados que o partido vivencia desde 2016. De lá para cá, diferentes situações simbolizaram o desencontro de ideias, desde discordâncias sobre nomeações em gabinetes de vereadores até escolha de candidatos para disputar eleições. No entanto, um dos mais perceptíveis divisores é a própria confusão ideológica de como o partido se apresenta no município.
Especialmente a partir de 2018, o PDT busca consolidar-se como um partido de centro-esquerda, fundamentada no apoio a Ciro Gomes _ candidato à presidência da República naquele ano e provável postulante para 2022. A orientação também é diretriz nos movimentos gaúchos do partido, que busca "aparar os extremos". Com isso, quer declarar sem espaço para lulistas ou bolsonaristas.
— Se alguém está na extrema-esquerda e não se sente confortável com a nossa posição de centro-esquerda, procure seu caminho à esquerda. Quem está muito à direita, ou que acha que tem de apoiar o (presidente Jair) Bolsonaro, que procure seu partido, não tem problema nenhum. O PDT não admite o apoio a Bolsonaro. Estão no lugar errado (quem apoia o Bolsonaro). Tem de tomar o caminho deles — afirma Ciro Simoni, presidente estadual da sigla.
Internamente, a orientação conflita com a filiação de Ricardo Daneluz, apoiador de ideias do presidente Bolsonaro e que, para parte dos filiados, o vereador "não tem posição trabalhista". As crises causadas por Daneluz em seu mandato anterior ainda não foram superadas por boa parte dos correligionários, especialmente a apresentação do projeto propondo o fim do passe livre, benefício instituído no governo justamente de Alceu Barbosa Velho.
Recentemente, entretanto, o presidente Maurício Flores disse que as questões com o vereador já foram superadas. Contudo, as lideranças locais enxergam as polêmicas com Daneluz resolvidas, mas admitem que o parlamentar tem "suas próprias ideias". Já o vereador também reconhece apoiar algumas ideias bolsonaristas.
A indefinição ideológica causou ainda a saída de alguns filiados do partido, como por exemplo Jonatan Fogaça — que integrava os diretórios municipal e estadual — e Victor Hugo Gomes, ex-candidato a vereador, que também se desfiliou do partido.
O que dizem
Sobre apoio a Bolsonaro:
Ricardo Daneluz: "No que eu concordo e julgo correto eu apoio".
Alceu Barbosa Velho: "Bolsonaro é assunto encerrado, quem vê minhas postagens sabe o que penso."
Sobre pertencer ou não à ideologia centro-esquerda do partido:
Ricardo Daneluz: "Vivemos num momento delicado e que precisa de equilíbrio. Não estou me detendo ou preocupando com ideologias no momento."
Alceu Barbosa Velho: "O PDT sempre foi centro esquerda, em que pese estes conceitos estejam muito distorcidos. Sou PDT da educação, de Brizola."
"MDB se infiltrou no PDT"
O posicionamento de centro-esquerda do PDT, em nível local, é posto em dúvida de forma recorrente. O próprio presidente estadual da sigla, Ciro Simoni, admite a possibilidade de, em alguns municípios, o partido estar "um pouquinho mais para a direita"
— Está cada vez mais difícil falar de direita, esquerda. Um partido grande como o PDT tem diversos segmentos. Sempre foi um partido de centro e centro-esquerda. Nunca estivemos à direita, mas alguns interpretam que, não sendo totalmente de esquerda, é de direita. Isso é um erro. Não somos Bolsonaro e nem Lula. Somos um partido de centro, mais para esquerda, em alguns lugares um pouquinho mais para a direita, mas somos de centro-esquerda, essa é a definição — afirma Simoni.
O ex-filiado Jonatan Fogaça acusa que o partido divergiu do seu estatuto há muito tempo:
— Desde que Néspolo perdeu a eleição para o Guerra (Daniel), vínhamos numa luta pelo resgate histórico do brizolismo, da bandeira do Bruno (Segalla), Nadir Rossetti, Rachel Grazziotin (ex-vereadora). Mas não adianta, há uma convergência com ideias que não condizem com estatuto do PDT.
Fogaça afirma que muitos filiados devem deixar o partido. Para ele, o próprio envolvimento com O MDB em eleições passadas deixou resquícios ideológicos como herança.
— Desde que o MDB acolheu o PDT, também se infiltrou no partido com ideias, práticas. O PDT abandonou as bases, bases comunitárias, sociais. Nenhum progressista vai olhar para ele hoje e achar que é um partido que vai lutar pelos pobres e trabalhadores. Hoje é um partido como o PSD, MDB, que dão migalhas para o povo, mas não fazem transformação social. É ilusão achar que o PDT de Caxias seja um partido popular um dia. O PDT é um partido de centro-direita — afirma.
Vereadores dissonantes
Em 2019, a relação das lideranças eleitas com o partido se tornou motivo de polêmica. Logo que assumiu a presidência na época, o atual presidente Maurício Flores afirmava que os parlamentares precisariam se aproximar mais das atividades do partido. Hoje, Flores afirma que Rafael Bueno, por exemplo, é um dos articuladores envolvidos na busca pelo consenso para a eleição do novo diretório. Porém, a própria afirmação, não é consenso entre parte dos correligionários, que ainda questionam a falta de representatividade partidária dos parlamentares.
— Os vereadores fazem um trabalho muito bom, mas têm uma postura um tanto quanto independente do partido. Fazem antes e depois avisam o partido. Qualquer ato do vereador tem de estar em sintonia com o partido — afirma Lucas Diel.
Para ilustrar suposto distanciamento, ele cita o próprio projeto pela extinção do passe livre de Daneluz e também a viagem de Rafael Bueno a Brasília, em que o vereador não teria procurado o gabinete dos pedetistas na Câmara dos Deputados.