Eleito em 2012 e reeleito quatro anos depois, Guilherme Pasin (PP) se despede da prefeitura de Bento Gonçalves nesta quinta-feira (31). O progressista entrega o município aos cuidados de Diogo Siqueira (PSDB), o que fará com que o mesmo grupo político se mantenha à frente da administração municipal no próximo mandato. Expoente político da região, Pasin ainda não definiu como seguirá na vida pública, mas diz ter simpatia pela atividade legislativa. Em entrevista ao Pioneiro nesta quarta-feira (30), o prefeito afirmou ainda que, apesar da pandemia, deixará dinheiro no caixa municipal, avaliou o próprio mandato e projetou os desafios da nova gestão. Confira os principais trechos:
O senhor foi eleito em 2012 com 44% dos votos e reeleito em 2016 com 65% dos votos. Agora, conseguiu fazer um sucessor do seu grupo político. A que o senhor atribui essa aprovação da população de Bento Gonçalves?
Acredito que foi no trabalho e nos resultados. Em 2012, olhando por percentual, a gente imagina algo, mas foi uma eleição muito apertada. Foram 383 votos de diferença num colégio eleitoral de cerca de 86 mil eleitores. A reeleição foi realmente consagradora em 2016, com cerca de 33 mil votos de diferença. Então, acredito que a população compreendeu nosso trabalho e também viu os resultados. Agora, a eleição do nosso secretário da Saúde é outro capítulo. Não é mais algo pessoal com meu nome, mas é a compreensão de que o caminho está sendo trilhado, de que o caminho foi bem feito, inclusive nesse ano de pandemia, de dificuldades. E a população deposita confiança em uma manutenção nessa linha de trabalho.
Passados os oito anos desde que assumiu a administração municipal, o que o senhor avalia como o principal legado que deixa à cidade?
É difícil falar de um legado. Se a gente for falar de obras, foram mais de 800 de grande porte durante esses oito anos. Eu acredito que o nosso trabalho em educação foi um legado que realmente permaneçerá. Fomos o governo que mais abriu vagas na educação de Bento Gonçalves, seja na área infantil, seja no Ensino Fundamental, com escola de tempo integral, um novo conceito que nós criamos em uma escola piloto. Na saúde, recebemos a distinção do Idese (Índice de Desenvolvimento Socioeconômico) como a melhor saúde pública do Rio Grande do Sul nos municípios de nosso perfil, acima de 100 mil habitantes. Eu vejo realmente nesse tripé do Estado a necessidade de criação da Secretaria de Segurança Pública e a primeira turma da Guarda Civil apresentada à nossa comunidade e operando de forma armada e ostensiva junto com a Brigada Militar. Acredito que seja dentro desse tripé. E sob o aspecto de obras, o primeiro mandato foi marcado por obras com uma visão de futuro grande. Inclusive, a gente está com o nosso aeródromo municipal feito por nós, em Bento Gonçalves. Algo incrível, que permanece funcionando de forma plena. E, no segundo mandato, o início das obras de construção do túnel de ligação da zona norte de Bento Gonçalves, sob a BR-470, feita pelo município que está sendo executada.
O prefeito eleito, Diogo Siqueira, assumirá em uma situação controversa. Ele chegou a ter a candidatura cassada, mas poderá ser diplomado por ter entrado com recurso na Justiça eleitoral. A acusação de partidos de oposição é de que ele foi beneficiado na eleição por divulgação nos canais oficiais da prefeitura. Houve movimentação na administração pública para a eleição de Siqueira?
Não, de forma alguma, inclusive o próprio Ministério Público Eleitoral rechaça essa tese que foi levantada. De forma alguma e em momento algum, qualquer tipo de publicação ou manifestação do município ou minha em horário de expediente se deu pró algum candidato ou contra algum candidato. É um direito dos postulantes à prefeitura municipal que perderam a eleição recorrer a todas as instâncias em busca dos seus direitos. Isso eu compreendo de uma forma muito natural. Por outro lado, é um direito do ofendido, do atacado, buscar a reparação judicial de tudo isso, que é o que ele está fazendo. Não vejo maiores problemas. Eu compreendo as ferramentas que o nosso processo democrático apresenta, inclusive das vias judiciais, mas eu afasto de todas as formas qualquer possibilidade de êxito, tendo em vista que o mérito não existe.
A pandemia trouxe um cenário inesperado, com necessidade de investimentos mais altos em saúde e perda de arrecadação. Como o senhor entrega o caixa da prefeitura neste fim de mandato?
A pandemia foi extremamente desafiadora porque mudou radicalmente nossa prática de gestão e o nosso dia a dia como cidadão, como ser humano. Ela muda a cultura da nossa gente e isso é muito delicado porque estamos mexendo com características culturais, algo muito difícil. E, por outro lado, a insegurança nos remete a buscarmos culpados. E, na verdade, a culpa é só do vírus. Está sendo um exercício muito forte para nós, prefeitos. Eu fui presidente da associação regional no início dessa pandemia. Algo muito desafiador fazer com que a nossa comunidade compreenda o perigo que é o coronavírus. Não apenas o perigo da doença, mas das consequências dela, dos reflexos sobre a questão de unidades e espaços hospitalares, o dimensionamento e a proporção que isso leva. Isso foi algo que realmente machucou a todos. Sob o aspecto de gestão, mexe também com o processo dos municípios, porque a economia se vê achatada em determinados setores, como o turismo, que necessita não apenas o fluxo de turistas, mas do ânimo do visitante. O setor vitivinícola despontou com o aumento do consumo e nos faz equilibrar certas forças. Aqui, a situação da prefeitura de Bento Gonçalves é diferente de tudo o que estou enxergando na região, no Estado e no país. Nessa pandemia, onde muitos lugares estavam demitindo, nós estamos vendo empresas em busca de mão de obra. Sob um processo de gestão interna de muito respeito ao recurso público, de insegurança quanto ao calendário de pandemia, fizemos o dever de casa. Estamos finalizando as nossas contas do exercício 2020 e acredito que nós chegaremos a um valor de mais de R$ 70 milhões de superávit financeiro.
Com esse dinheiro em caixa, qual será o principal desafio para a próxima gestão municipal?
Continuar o processo de desenvolvimento, ampliação da nossa matriz urbana, levando desenvolvimento para o interior. Há condições de investimento muito forte no interior da nossa cidade, sob o aspecto do agroturismo, levando infraestrutura para o interior. E, obviamente, colocando em prática ações históricas, como fizemos o complexo hospitalar de saúde. Temos ele em funcionamento em razão da pandemia, mas realizado com o apoio da nossa comunidade sob aspecto permanente. Passada a pandemia, continua funcionando como um hospital. Era um sonho da nossa comunidade ter mais um hospital na cidade. O desejo de todos, agora, é a ampliação desse hospital, a conclusão dos novos blocos cirúrgicos, que vai ampliar a condição de atendimento da população. Com o recurso em caixa e uma gestão equilibrada, tu consegues colocar os sonhos como uma realidade, consegues continuar fazendo acontecer, consegues entender as propostas do governo do Estado e, principalmente, do governo federal. Tu consegues verificar o que é realmente importante e prudente para o teu município e a captação desses recursos, a busca em determinada área. Quando temos recurso em caixa, tudo fica mais simples.
O senhor é uma liderança política expoente na região. Jovem, aos 37 anos, já esteve à frente do segundo município mais populoso da Serra por duas vezes. Quais são os seus planos daqui para a frente na vida pública?
É uma pergunta interessante porque, na política a gente aprende que tu não és candidato de si mesmo. Quando teu desejo de representar é maior que a vontade de comunidade, tu começas a entrar em um projeto pessoal. E eu nunca trabalhei nesse sentido. Desde o movimento estudantil, desde quando concorri a vereador e não me elegi, desde que fui escolhido para concorrer a prefeito em 2012, nunca foi um desejo pessoal. Então, tenho cautela em olhar para o futuro e determinar isso. Por outro lado, entendo que todos os que se colocam à disposição da comunidade não fazem isso sob o aspecto parcial. Isto é, eu não gosto da minha comunidade somente enquanto eu sou prefeito. Isso tem algo muito mais ligado com uma missão, uma visão de mundo. Então, terminado o mandato, acredito que vou continuar me colocando à disposição da minha comunidade para todos os desafios que se coloquem interessantes e necessários. Vou precisar um tempo para respirar. Eu costumo dizer que muitas vezes tu precisas respirar fora do escafandro. O escafandro te dá um oxigênio, mas é um oxigênio não natural. Eu preciso respirar e sentir a voz da rua, caminhar na região, visitar meus amigos eleitos na região. Meu grupo político teve uma vitória fortíssima na Serra, com municípios realmente relevantes. Conversar muito com eles, entender as propostas regionais, as necessidades, os anseios e, obviamente, me colocar à disposição para qualquer desafio. Mas, de forma muito clara, não posso ser candidato de mim mesmo.
O governo do Estado é um desejo?
Eu não vejo como um desejo imediato ou de curto prazo. Eu sinto que preciso continuar colaborando. O espaço em que isso vai aparecer ainda não me parece claro. Neste momento eu não penso no governo do Estado, não imagino essa missão, até por uma situação partidária e por uma situação de crescimento político meu. Acredito que tenho que ir galgando espaços.
O senhor se vê no Legislativo então?
Eu gosto muito dessa possibilidade. Eu vejo que a nossa região carece de mais lideranças políticas na Assembleia Legislativa e eu vejo um espaço grande para que isso aconteça, com o respeito de todos os deputados eleitos. Vejo que ainda tem espaço para um dialeto um pouco diferente, para uma fala e um posicionamento diferentes, vozes que defendam pautas do turismo. Isso foi algo que eu realmente mergulhei e conseguimos consolidar Bento Gonçalves como a segunda maior referência em turismo do Rio Grande do Sul. O maior crescimento de volume turístico do Estado foi Bento Gonçalves. A gente cresceu 150% o número de visitantes nominais. Foi algo grande. Vejo que falta muito desse argumento na Assembleia. Agora, se é o espaço adequado para mim, como disse, não pode ser um desejo pessoal, tem que ser uma construção regional.
E para os próximos dias, prefeito, quais são os planos? Vai descansar?
Vou descansar um pouquinho com a minha família. Os meus dois filhos nasceram em meio ao mandato. A Ana Beatriz já está com cinco anos e eu não consegui ser o pai que eu gostaria de ter sido e isso me deixa muito machucado. Parei muito da minha vida, praticamente tudo, para me dedicar integralmente à função de prefeito. E o Vicente nasceu agora, no final de março, em um ano de pandemia. Foi algo dolorido para mim e para minha esposa porque eu tive que ficar uma semana sem tocar nele pois estava em isolamento em razão dos contatos que eu tinha. Preciso me dedicar, eu devo isso à minha família. Aquilo que eu disse: a gente precisa respirar fora do escafandro, a gente precisa respirar fora desse ar público para realmente voltar a sentir o grito da rua, a angústia da população. A gente precisa renovar esses sentimentos porque é assim que faz a gente representar melhor a nossa população.