Na coletiva logo após sofrer processo de impeachment na Câmara de Vereadores, no dia 15 de maio, desiludido, o recém-cassado prefeito de Farroupilha, Claiton Gonçalves, descartava qualquer interesse em retornar à vida pública no seu horizonte. Seu futuro, dizia, já começaria imediatamente com a busca por um novo emprego. E foi efetivamente o que fez. No dia seguinte, Claiton ligou para o amigo e prefeito da cidade de Feliz, Albano Kunrath (MDB), e pediu se o hospital do município não estaria precisando de um obstreta. Na mesma semana, a volta de Claiton à medicina já estava acertada e, no dia 24 de junho, ele realizava seu primeiro parto no Hospital Schlatter, após cerca de oito anos afastado da profissão a que dedicou mais de três décadas de sua vida.
— Foi muito legal a sensação do primeiro parto. Na verdade, foi cair a ficha no meio do procedimento, pois a impressão é de que eu nunca tinha parado. Sou um parteiro nato, gosto dessa lida — relata.
Desde então, o ex-prefeito conta já ter feito "uma meia dúzia" de partos. Ele também passou a coordenar o setor obstétrico do hospital, onde faz plantões corridos de sete dias, além de consultas, avaliações e outros procedimentos pelo SUS e por planos privados.
Além da relação próxima com o prefeito da cidade, Claiton conta que começou a vida médica em Alto Feliz, o que facilitou a sua opção. A cidade de Feliz, que conta com aproximadamente 13,5 mil habitantes (estimativa IBGE 2019), localiza-se no Vale do Caí, limítrofe com a Serra Gaúcha, e fica próxima de Farroupilha, de onde Claiton diz que preferiu se afastar, até pelo clima político gerado após o seu impeachment.
— A relação política ficou muito conturbada. Saí com um processo mandrake de impeachment, capitaneado por um grupo de jovens aventureiros políticos da cidade, muito pobre do ponto de vista intelectual. Eu achei melhor me afastar desse meio, até para não poluir o trabalho médico, que foi o meu trabalho original, pelo qual sempre primei como um trabalho realmente de grandeza. A vida política todos deveriam experimentar como uma forma de entender como a máquina pública funciona, mas não deve ser carreira para ninguém, é uma faculdade — defende.
Na saída da administração, Claiton reconheceu que já não tinha relação afetuosa com o PDT, partido pelo qual foi eleito como prefeito. No entanto, afirma que não se desfiliou, nem por isso significa que ele tem algum interesse em retornar para a vida pública.
— Deixei a política numa gaveta e estou quieto, bem tranquilo.
Apesar da identificação com a Serra, Claiton nasceu em Pelotas, onde se formou em medicina pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), com especialização em ginecologia e obstetrícia.
Um médico comunitário
Nos novos ares, ele afirma que pretende estabelecer uma relação comunitária com os moradores da cidade. Por isso, optou por alugar um apartamento, onde fica nas semanas em que está de plantão.
— Pensei em estar presente na modelagem de plantão de sete dias a fio mais para eu poder reacender uma relação comunitária, ser aquele médico que as pessoas sabem que está lá, confiam para uma opinião de ginecologista ou medicina geral. Agora na pandemia tenho dado opiniões quase que diárias para as famílias. É uma comunidade mais organizada do ponto de vista social, menor, mais tranquila, não de disputas muito grandes ou rusgas políticas muito intensas. Quis dar um pouco de paz para a minha vida. Foi um alívio, saiu peso do meu ombro, essa carga toda. Vou fazer no "varejinho", um a um, que é um trabalho mais honesto, em vez de propor coisas públicas que vão contra poderes econômicos e políticos estabelecidos — ressalta.
Claiton admite que a pressão que sofreu nos meses que antecederam sua cassação lhe fizeram adoecer, além de se frustrar com os meandros do universo político, o que tornou a decisão de voltar à sua profissão de origem uma escolha óbvia e apoiada pela família:
— Nas semanas de plantão que venho para Feliz, fico sozinho no meu apartamento. Abro a janela, vejo as montanhas aqui do lado, os coqueiros, bem tranquilo. O lugar é muito bonito. Eu já estava com vontade de começar a treinar voo de asa delta, estou vendo uns picos e pensando em voar (risos).
Na escala de trabalho, após semana que fica de plantão, Claiton tem uma semana de folga, quando volta para Farroupilha, onde vive com a mulher, a deputada estadual Fran Somensi (Republicanos) e os dois filhos, Maria Luiza, de 12 anos, e João Pedro, 11.
Aplicação da experiência política
Apesar de afirmar que a política não está em seu "horizonte", Claiton conta que pretende aplicar seu conhecimento adquirido na vida pública para ajudar o hospital em que trabalha e se engajar nas melhorias do sistema de saúde de Feliz.
— Já estive reunido com a direção do hospital algumas vezes. Tem algumas coisas que o hospital pode fazer para avançar. Tenho boa relação com o prefeito e secretário da Saúde. Tenho sugerido onde pode investir. Trago a experiência para repartir — comenta.
Embora veja como improvável, a política setorial é a única que diz vislumbrar como possibilidade (remota) de um dia retornar à vida pública.
— Talvez volte por insistência de um grupo, ou representando um grupo, não mais aquela coisa de entrar de peito aberto.
"Sem mágoas", mas com rusgas
MÁGOA
"Sem mágoas. Acho que foi bom, se tem algo que você precisa vomitar, vomita logo, senão não passa. Por isso, faz impeachment logo senão não passa."
FRUSTRAÇÃO
"Quando fui para a vida pública eu fui meio de olhos fechados ,pois queria mudar muita coisa, queria mudar o mundo. E a vida pública pode te permitir muitas coisas, mas não tudo, depende do grupo. Mas se você tem um grupo muito insuficiente do ponto de vista intelectual, ele arrasta. É o caso de Farroupilha, em que estava tudo certo, mas não estávamos fazendo a política de varejo, do prefeitinho dando bueiro novo, a lâmpada, aquilo que vereador gosta, eles vivem disso, mas isso atrasa muito a comunidade."
COMPORTAMENTO POLÍTICO
"A gente vê muita gente com pouca capacidade intelectual, eu chamo de MMs, que quer dizer "muito medular". Medular é a ação sem raciocínio, sem razão, aquela que você encosta a mão no fogão quente sem perceber e tira, isso é medular, não pensou em tirar. E eu vejo muito político assim, com ação medular, sem raciocinar, mais ou menos trabalhando e tomando decisões no reflexo que muitas vezes é de um aprendizado inadequado".
SUCESSOR
"Não sinto que fui traído. Ele (Pedro Pedrozo, do PSB, que foi seu vice em dois mandatos, até o impeachment) está num nível intelectual muito baixo, é difícil trabalhar com pessoas assim. Para ele, os valores são diferentes. Ele quer um quadro na parede com a figura dele como prefeito. Um cara que "não quer brigar por nada" não passa as cinco ou seis semanas que antecedem meu impeachment todos os dias dentro da Câmara conversando com os vereadores e articulando o meu impeachment. Para ele, é mais importante o poder do que a andança de uma cidade".
COVID-19
"Comprei 12 mil testes para fazer e o prefeito atual não está tocando, estão empacotados, estão esperando acabar a pandemia para fazer testes porque alguém disse para ele que, se testar, aparece mais. É aquela ideia de 'não vou no médico para não descobrir que tenho aquela doença, porque se não descobrir é porque não tenho".
ELEIÇÕES
"Não vejo o atual prefeito para ser sucessor, ou os outros candidatos. Não têm cabeça para tocar planejamento estratégico. Meu grupo político está perdido, estão procurando uma liderança, mas não tem um candidato, é o próprio Pedrozo, mas quem é ele? Minha oposição, que é o (Fabiano) Feltrin, quer ser o prefeito, mas só se não tiver oposição, se tiver oposição, ele não quer. Está complicado. Estou olhando de fora o pessoal bater cabeça."