Uma missa campal nesta terça-feira (7) lembrou o primeiro ano da perda do agente penitenciário Clóvis Antônio Roman, assassinado aos 54 anos durante o resgate de um preso em Caxias do Sul. O ataque a tiros de fuzil aconteceu na Unidade de Pronto- Atendimento (UPA) Zona Norte e gerou uma revisão no sistema de escoltas da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Na época, apenas dois policiais penais acompanhavam o detento, que deveria ser considerado de alta periculosidade.
O primeiro passo foi aumentar o número de servidores na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, conhecida pelo nome do distrito do Apanhador. Segundo o diretor Luis Carlos Garcia dos Santos, que assumiu o posto em fevereiro, a falta de efetivo dificultava o planejamento de escoltas na época do ocorrido.
— A segurança das escoltas foi reforçada e conta com pelo menos o dobro dos servidores (daquela noite). Mais do que isso, agora nenhuma escolta sai sem uma avaliação do perfil e periculosidade do preso pelo nosso setor de inteligência. Se for necessário, a escolta será ainda maior. Também recebemos novos coletes e armamento mais potente para garantir esse melhor trabalho nas ruas — destaca Garcia.
O ataque à UPA Zona Norte aconteceu na madrugada de 7 de junho do ano passado. Três criminosos armados com fuzis abriram fogo contra dois agentes penitenciários com o intuito de resgatar Guilherme Fernando Mendonça Huff, que meses antes havia sido preso com 841 quilos de maconha. O detento alegou sofrer de uma crise renal e, por isso, foi levado para atendimento médico no posto de saúde.
O primeiro agente a ser baleado foi Welivânio Oliveira, 42, atingido por seis tiros de fuzil. Ele se fingiu de morto para sobreviver. O detento Huff usou a arma deste agente caído para matar Roman, que estava mirando nos outros bandidos.
— Temos uma UBS (Unidade Básica de Saúde) dentro da penitenciária, mas há casos que precisam de um hospital. A partir do ocorrido, essas escoltas estão com uma atenção maior, como é demandado pela Superintendência. Trabalhamos para dar esta segurança à escolta, aos agentes e a própria população — ressalta Garcia.
A missa campal foi celebrada pelo padre Renato Ariotti na própria penitenciária do Apanhador. Nesta data de um ano também foi inaugurada uma pedra fundamental com uma placa em homenagem ao colega. Desde o ano passado, o pátio da cadeia conta com uma romãzeira em memória a Roman.
"Precisa acontecer para decisões serem tomadas"
Sobrevivente do ataque na UPA, o agente Welivânio Oliveira afirma que o dia 7 de junho virou uma nova data de aniversário. Um ano depois, ele continua em recuperação dos diversos ferimentos dos seis tiros de fuzil que perfuraram seu braço esquerdo, abdômen, perna e nádegas. Hoje, ele mora em Planaltina (DF) com a esposa e três filhas. Em julho, ele completará 43 anos.
Pioneiro: Como você está um ano depois do ataque?
Welivânio Oliveira: Hoje foi um aniversário de novo, né? Acordei recebendo os parabéns da minha família. Este é o sentimento, pois nasci de novo. No dia 7 de julho farei 43 anos, mas este 7 de junho também é um aniversário. Hoje, estou andando com auxílio de muletas. Já foi um ano, mas as dores nunca cessaram. Um dia dói e noutro também. Teve dias em que estava chateado por estas limitações, depender dos outros para quase tudo. É algo que incomoda, admito. Mas preciso lembrar que tive sorte. A gente se conforma. Infelizmente aconteceu e agora preciso me readaptar. Muitas coisas não voltarão a ser como eram, mas continuo aqui.
O tratamento continua?
O meu ortopedista afirmou que preciso de mais nove meses para avaliar a retirada da placa que tenho na minha perna. Esta placa me machuca, mas o osso (fêmur) ainda não está consolidado. Foi um dano muito grande. Não consigo dobrar a perna ou fazer quase nada por causa de placa. Também sou acompanhado por um neurologista. Ele explicou que o cérebro procura outros meios para reparar os danos causados, e foram muitos, então temos que ficar atentos a estas sequelas. Um exame já mostrou algumas limitações do lado esquerdo.
Na época, seus colegas fizeram uma campanha para lhe ajudar. Está recebendo a ajuda necessária?
Os colegas de Caxias mantêm o contato. O suporte que tenho aí no Sul é dos amigos. Graças a Deus, fiz muitos amigos por aí e eles me ajudaram muito, fizeram bastante movimento. Falar de governo é complicado. Nunca me ligaram para saber se estou vivo. Faço tratamento com meu cartão de crédito e tiro a nota fiscal. Depois envio e eles me ressarcem. Às vezes demora, mas ressarcem. Hoje estou parado porque preciso que entre este dinheiro, pois alcancei o limite do cartão.
Está precisando de algo?
O que preciso é de um plano de saúde nacional. Porque meu tratamento será pela vida toda. É muito caro um plano de saúde, sendo que tenho este do Estado. É descontado do meu salário, mas não consigo aqui em Brasília. Precisava ter alguma portabilidade, alguma opção. Acredito que o governo consegue, afinal tem Banrisul aqui em Brasília com funcionários aqui. É complicado.
Soube de mudanças no trabalho penitenciário após o ocorrido?
Sim, vejo que bastante coisa melhorou na penitenciária. Continuo atento ao trabalho deles. Infelizmente, as coisas precisam acontecer para decisões serem tomadas. Isto vemos em todo o Brasil. Até hoje me questiono sobre toda aquela situação, aquela saída daquele preso de alta periculosidade. Pelo que vejo, parece que as escoltas estão mais montadas e preparadas. Perceberam que não é brincadeira. Aconteceu comigo e com o Clóvis, mas todos que trabalhavam ou trabalham no sistema estão sujeitos. (Na minha época), as escoltas nunca foram bem formadas. Apenas eu e o Clóvis com aquele preso, um sujeito que foi preso com quase uma tonelada de drogas... Tinha que ter mais agentes para fazer a escolta de um preso daquela periculosidade.
COMO FOI O ATAQUE À UPA
:: Guilherme Fernando Mendonça Huff foi preso no dia 17 de janeiro, no Vale do Taquari, durante uma ação da Brigada Militar, que apreendeu um carregamento de 841 quilos de maconha na BR-386. Huff foi transferido à Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, no distrito de Apanhador, por decisão da Justiça Federal.
:: Na madrugada de 7 de junho, Huff solicitou atendimento médico devido a uma possível crise renal. Como não há atendimento médico noturno na penitenciária, ele foi escoltado para a UPA Zona Norte.
:: A escolta chegou na casa de saúde às 3h15min. Menos de 10 minutos depois, um Passat cinza parou no pátio da UPA Zona Norte e três homens desembarcaram vestidos com uniformes da Polícia Civil e portando armas longas.
:: Houve confronto com dois agentes penitenciários. Imagens das câmeras de monitoramento mostram quando Welivanio Oliveira, 42, é atingido por tiros de fuzil pelas costas. Na troca de tiros, os criminosos fugiram com o Passat e deixaram Huff na unidade de saúde.
:: Mesmo algemado, Huff foi até o agente baleado e pegou sua arma. Foi com essa pistola que ele matou o agente Clóvis Antônio Roman, 54. Na sequência, Huff rendeu uma mulher e a obrigou a dirigir até Farroupilha, onde um comparsa o aguardava para continuar a fuga.
:: Menos de 10 horas após o ataque, a Polícia Civil encontrou a casa que havia sido alugada pelo bando criminoso, na Rua Ludovico Cavinato, em Caxias do Sul. Na moradia, foram encontrados o Passat cinza, com placas de Criciúma, três fuzis, uma espingarda, coletes balísticos e a algema usada por Huff.
:: A mobilização das forças de segurança encontrou os suspeitos do ataque à UPA Zona Norte no dia 9 de junho. Huff estava em um apartamento na Avenida Independência, em Porto Alegre, mas cometeu suicídio ao perceber a ação policial. Outros três homens e uma mulher foram presos em diferentes cidades gaúchas. Um colega de cela de Huff na cadeia do Apanhador também é investigado. O último procurado morreu em confronto com a BM em Caxias do Sul.