Sobrevivente do resgate do preso Guilherme Mendonça Huff, 29 anos, que tirou a vida de um agente penitenciário na madrugada de 7 de junho dentro da UPA Zona Norte, em Caxias do Sul, um funcionário de 42 anos da penitenciária estadual do município foi atingido por pelo menos seis tiros de fuzil e se fingiu de morto para não ser alvejado mais vezes. Duas semanas após o ataque, ele conversou com GZH por telefone na condição de não ter seu nome publicado enquanto se recupera dos ferimentos na Serra.
Servidor da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) há três anos, ele acompanhou a escolta de um preso que é paciente oncológico na noite de 6 de junho até unidade de saúde junto com o colega Clóvis Antônio Roman, 54 anos — morto durante a ação criminosa.
Os dois agentes e o preso saíram da casa prisional, no distrito do Apanhador, às 21h10min e chegaram na UPA 40 minutos depois. O detento foi atendido na emergência e conduzido até uma área específica da unidade reservada a presos. O trajeto e o procedimento são feitos rotineiramente por agentes penitenciários em caso de problema de saúde dos presos, após terem aval do Samu para o transporte.
— Nosso preso foi atendido, medicado, aplicadas injeções e soro e ele dormiu. Até por volta das 3h, quando a guarda da UPA nos pediu para que eu afastasse a viatura pois chegaria uma nova com outro preso, que estava passando mal — recorda.
Nesse veículo, estavam dois agentes e Huff, que simulava uma crise renal. O criminoso estava preso desde janeiro, quando foi detido em flagrante no Vale do Taquari com 841 quilos de maconha, em um carregamento que vinha do Mato Grosso do Sul e passou pela fronteira do Paraguai.
O agente lembra que assim que a porta da viatura foi aberta, Huff se jogou no chão, dando a entender que estava passando muito mal. Os servidores ajudaram a apoiá-lo até o espaço onde seria atendido, no qual o outro apenado ainda dormia. Foi colocado em um sofá e quatro minutos depois pediu para ir ao banheiro. Foi acompanhado por um agente, deu poucos passos, até que se jogou no chão novamente e começou a gritar. Reerguido com ajuda dos agentes, foi até o banheiro, retornou e repetiu a cena que simulava dor.
— Se jogou no chão pela terceira vez, se embolou, se contorcia, colocamos ele no sofá e o colega decidiu passar a algema dele para frente, o que evitaria uma lesão no braço se ele continuasse se contorcendo. O amparo a eles em uma situação dessas é feita dentro da legalidade. Vimos que estava marcando muito o pulso dele. Hoje deduzo que era essa mesma a intenção dele. Não parecia fingimento, ele se jogava no chão com força. Se ele não sentia dor, nas quedas se machucava, batia cabeça e cotovelo.
Com as mãos algemadas na frente do corpo, ficou deitado no sofá gemendo. Dois dos quatro agentes saíram em direção às viaturas e, quando estão quase na porta, visualizaram três homens armados vestidos de policiais civis saindo de um Passat. Os servidores voltam avisando que era um resgate. Clóvis e o colega se dividem.
— Nesse momento, eu e o Clóvis fomos dar um primeiro combate. Sabia que a UPA tinha entrada da emergência, pela garagem e pela lixeira, que estava fechada. Eu fiquei com a entrada da emergência e o Clóvis, com a da garagem e deixamos o preso ali, na custódia dos outros colegas — descreve o agente.
Na emergência, o agente ouviu vozes de pessoas conversando, sem gritos. Ao por a mão em uma porta, um funcionário da UPA abriu e fez um sinal com os olhos indicando para a lateral. O agente entendeu o recado:
— Ele não disse nada, só fez movimento com olhos, eu olho naquela direção e vejo dois homens vestidos de preto. Em fração de segundos vejo que estão com roupas da Polícia Civil. Pensei que seria apoio, mas quando percebi o armamento que eles estavam, me dei conta de que não eram colegas. Era um fuzil e outra arma.
O grupo tentava localizar Huff. O agente avaliou disparar, mas havia três funcionários da UPA entre ele e os criminosos. Desistiu pelo risco da troca de tiros. Ao mesmo tempo que um deles, com o fuzil baixado, percebeu que o agente se deu conta de que ele não era policial.
— Naquela hora, a única coisa que me restava era virar as costas e tentar correr. Saio pela porta e ele abre fogo contra ela.
A única opção que me restou foi ficar inerte. Fiz de conta que estava morto. Meu pensamento era que se eles passassem pela porta, iam terminar de me matar. Fiquei deitado aguardando.
AGENTE PENITENCIÁRIO
Preferiu não se identificar
O primeiro disparo transpassa a porta e atravessa o fêmur da perna esquerda do agente. Ele fica sem locomoção. Com os outros cinco tiros, tombou no chão. Quase todos os disparos que bateram na porta ficaram dentro do corpo do agente. Clóvis ouviu o disparos, foi ao encontro do colega, quando outro tiro bate na parede. Quase foi atingido ali.
— Era uma dor que não sei explicar, paralisei ali, sobrou a mão direita e fiquei consciente. Depois que fui atingido, Clóvis foi ao meu encontro, mas foi impedido porque os tiros passavam muito próximo da cabeça dele, ele recuou de costas. A única opção que me restou foi ficar inerte. Fiz de conta que estava morto. Meu pensamento era que se eles passassem pela porta, iam terminar de me matar. Fiquei deitado aguardando.
Após atingir o agente, o grupo gritou três vezes: resgate. Por imaginar que outros agentes viriam atrás deles, o bando recuou e fugiu sem Huff. Minutos depois, com a dor no corpo aumentando, o agente foi perdendo a visão e sentiu que alguém estava o arrastando pelo colete. Imaginou que fosse um colega. Era Huff. O criminoso pegou sua pistola, tentou puxar o colete e tirou o cinto com dois carregadores. O servidor seguiu de olho fechado, fingindo estar morto:
— Foi um filme de terror. Como eu não tinha visualização de quem estava me arrastando, continuei de olho fechado até ter certeza que seria um colega meu. Como a pessoa me sacudia para procurar coisas, vi que não era apoio.
Huff tentou sair pela garagem e deu de frente com Clóvis, começou troca de tiros e o agente morreu no local, atingido pela arma do colega. O detento conseguiu fugir em direção a Farroupilha e foi encontrado morto dois dias depois, em 9 de junho, em um apartamento na Avenida Independência, em Porto Alegre. Além de Huff, cinco homens e uma mulher participaram da ação. Um foi morto em confronto com a Brigada Militar e os demais estão presos.
O agente ferido foi socorrido dentro da UPA. No Hospital Pompeia, passou por duas cirurgias e ficou nove dias internado. Os disparos atravessaram o fêmur da perna esquerda, atingiram também mão esquerda, glúteo, cintura e nádegas. O agente se locomove com cadeira de rodas e ajuda de um andador. Está sem sensibilidade em três dedos do pé esquerdo. Faz sessões de fisioterapia a cada dois dias e, por enquanto, não tem a promessa dos médicos de que irá recuperar 100% dos movimentos. Em julho, saberá se serão necessários novos procedimentos cirúrgicos.
Foi um filme de terror. Como eu não tinha visualização de quem estava me arrastando, continuei de olho fechado até ter certeza que seria um colega meu. Como a pessoa me sacudia para procurar coisas, vi que não era apoio.
AGENTE PENITENCIÁRIO
Prefere não se identificar
— Quero acreditar que os médicos estejam errados e eu vou ficar 100%. A perna eu sinto, e também dois dedos do pé. Dada a situação, estou bem. Os dias no hospital não sei descrever, foram de muito sofrimento, angustia e dor, mas a todo momento agradecendo a Deus por estar vivo. Tudo isso que eu estou passando não é nada perto de uma morte — avalia.
Natural de Brasília, o agente se dividia entre o Distrito Federal e Caxias do Sul. Por enquanto, se recupera na Serra e conta os dias para viajar e rever a família. Afirma que não tem pesadelos ou crises de ansiedade devido ao episódio, mas tem dificuldade de dormir pelas dores no corpo. Em uma das madrugadas desta semana, precisou ir ao hospital e tomar morfina para conseguir descansar. Se tiver autorização médica, pretende voltar a trabalhar no futuro:
— Nasci de novo e sinto que não fugi do combate, fiz meu papel conforme deveria ter feito. Meu psicológico está tranquilo, sempre tive preparado para esse tipo de situação. A gente não quer que aconteça, mas sabe que pode acontecer. Hoje é um dia de cada vez, não tem como atropelar nada ou antecipar. Só aguardar.