Subir o tom para conseguir que Justiça aconteça em Flores da Cunha. Esta foi a conclusão na audiência pública que reuniu advogados, vereadores e a prefeitura para debater as dificuldades do Fórum local. A comarca acumula 14 mil processos e está sendo atendida por um juiz substituto, que só pode ir à cidade duas vezes por semana. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a morosidade da prestação jurisdicional traz inúmeros prejuízos à cidadania e a economia local.
Um dos pontos centrais do debate é que, em 2016, uma comitiva do município foi até o Tribunal de Justiça para pleitear um segundo juiz para a cidade. De acordo com a subseção local da OAB, havia um estudo que apontava cidades com menos população e menor capacidade econômica que eram melhor atendidas que Flores da Cunha.
— Naquele encontro, a Corregedoria do Tribunal (de Justiça) nos apresentou diversos números e mostrou que, na época, Flores da Cunha era a quinta pior cidade de prestação serviços judiciais. Era um dado do Tribunal, que nos prometeu que a cidade logo receberia uma segunda Vara. De lá para cá, a situação só piorou — aponta o Rudimar Luis Brogliato, presidente da OAB Caxias do Sul
O relatos dos advogados presentes na audiência da tarde desta quarta-feira (22) eram de frustação em tentar explicar aos clientes o motivo de suas ações não progredirem na Justiça. Exemplos foram dados de processos que se estendem há mais de seis anos e passaram por quatro juízes. Com as restrições devido à pandemia de covid-19 e um juiz em substituição que só pode atender presencialmente nas segundas e sextas-feiras, a situação se agravou.
— Advogar nesta cidade é para corajoso. Todo dia recebemos a pressão dos nossos clientes cobrando porque nossos processos não estão andando. Infelizmente, em alguns casos, estou mandando os mais exaltados até o Fórum pedir aos servidores que expliquem o porquê dos processos não estarem andando, porque eu não estou conseguindo — declarou Fernando Foss, assessor jurídico e representante da prefeitura.
Representante do Centro Empresarial de Flores da Cunha, o advogado Vitor Hugo Zenatto destacou que a situação é um problema que afeta praticamente toda a comunidade, afinal são 14 mil processos represados para uma população de 30 mil habitantes.
— São os três poderes de mesmo grau de importância. O Legislativo tem sessão toda segunda-feira e o vereador é cobrado nas ruas para funcionar. O Executivo é uma máquina que não desliga nunca. Este terceiro poder, o Judiciário, está completamente destoante no município. A Justiça em Flores da Cunha não atende a comunidade nem minimamente. São décadas de mal serviço. É um problema que precisamos elevar o tom (das demandas), buscar uma pressão e uma repercussão maior — desabafou Zenatto.
Corregedoria diz que cidade terá juiz até dezembro
O estopim para a indignação em Flores da Cunha são os mais de seis meses sem um juiz titular, desde que, em março, o magistrado Enzo Carlo Di Gesu foi promovido para Farroupilha. O Tribunal de Justiça e o Fórum de Flores da Cunha não tiveram representantes na audiência pública.
À OAB, o juiz Nilton Luís Elsenbruch Filomena, que substitui na cidade, respondeu que não poderia comparecer porque possuía agenda em Nova Pádua, onde é titular. O magistrado também apontou que o tema da audiência era mais apropriado para ser tratado com a Corregedoria do Tribunal de Justiça.
Procurado pela reportagem por telefone, o juiz-corregedor André Dal Soglio Coelho, que é responsável pela Serra, aponta que a escolha de um novo magistrado para Flores da Cunha está dentro de um fluxo normal e que esta vaga deverá estar suprida até dezembro.
— Hoje, existem 216 vagas de juiz para serem nomeadas. É um problema decorrente da falta de juízes no Estado. Esta de Flores da Cunha está prevista para ser publicada em edital e, em dezembro, deverá chegar um novo titular. Mesmo sendo de entrância inicial, Flores da Cunha é uma cidade que (juízes e servidores) costumam pedir remoção pela qualidade de vida. O mais antigo que se candidatar, será escolhido — afirma.
O representante da Corregedoria discorda que Flores da Cunha sofra um problema histórico de falta de juízes, como foi debatido na audiência, mas concorda que o volume de processos represados está excessivo. Para a Corregedoria, não é o momento para criação de uma segundo juizado na cidade.
— Há diversas comarcas que precisam de mais magistrados. Só que, com a digitalização do acervo, o nosso pensamento está em reorganizar os serviços com as possibilidades que o novo sistema oferece. Por exemplo, há uma proposta para que um juiz de Porto Alegre atenda todas os casos de improbidade administrativa do estado. Este tipo de ação seria remetida para este juiz e, assim, diminuiria as pendências nas comarcas locais. Flores da Cunha precisa de mais trabalho jurisdicional, não necessariamente de um segundo juiz — avalia o juiz-corregedor Coelho.
Na audiência pública, a OAB local mostrou que o Fórum de Flores da Cunha conta com apenas nove servidores. Destes, a única oficial de Justiça estaria para sair em licença. Sobre esta falta de servidores, o Tribunal de Justiça ressalta a necessidade da aprovação do novo plano de carreira dos servidores judiciários na Assembleia Legislativa do Estado.
— Não temos servidores aprovados para nomear. Enquanto não passar o plano de carreira, não temos como nomear. Há comarcas com apenas um servidor. É uma situação urgente que se aprove — resume Coelho.
Na audiência pública, ficou decidida a criação de uma comissão que irá pleitear um encontro com a Corregedoria do Tribunal de Justiça. A intenção é realizar reuniões periódicas para que o assunto não seja esquecido. Ao mesmo tempo, os participantes devem buscar unir a "força política" da cidade com deputados estaduais oriundos da Serra para tentar resolver a questão.