Como governos não constroem cadeias suficientes por falta de dinheiro, especialistas em execução criminal têm cada vez mais buscado alternativas ao colapso do sistema prisional brasileiro. Nesse cenário, o modelo de Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) tem sido exaltado. Na quarta-feira (21), a presidente da Apac Porto Alegre, Isabel Cristina de Oliveira, esteve na Semana da Justiça Restaurativa, que tem programação até sexta em Caxias do Sul.
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A palestrante relatou o início dos trabalhos no antigo Instituto Penal Padre Pio Buck, cedido pelo Estado. Desde abril, voluntários e órgãos públicos buscam verbas para a reforma dos pavilhões. A estrutura que ficará pronta primeiro tem capacidade para receber até 40 presos.
— Os dois primeiros recuperandos estão na Apac Barracão, no Paraná, para "treinamento". Eles voltarão com dois presos de lá, que já tem três anos de experiência no sistema, para iniciar as atividades (em Porto Alegre) na segunda quinzena de dezembro — relata Isabel, que é formada em Direito, mestranda em Segurança Cidadã pela UFRGS e docente de políticas públicas no Departamento Penitenciário Nacional.
O método Apac foi criado há três décadas no interior de São Paulo, abrangendo apenados de todos os regimes prisionais dispostos a ressocialização por meio de estudo, trabalho, disciplina e construção de valores.
Pioneiro: O que é o método Apac?
Isabel Cristina de Oliveira: Consiste basicamente em 12 elementos de reeducação para as pessoas que ingressam. Inicialmente, precisamos salientar que quem vai para um Centro de Reintegração Social Apac são pessoas que estão presas no sistema comum, com condenação adequada e que pedem para ir para Apac. Esses 12 elementos consistem em uma série de atividades e meios para ele conseguir se recuperar daquele evento que participou em determinado momento da vida. As bases são o trabalho, a educação e a ajuda mútua.
Como é a rotina?
As Apacs trabalham com autogestão. Ao entrar, deixamos de tratá-lo como um preso, ele passa a ser um recuperando. O recuperando auxilia o outro recuperando nessa gestão e organização de toda a casa prisional. Todos acordam às 6h, fazem a higiene pessoal, preparam o próprio café e organizam a cozinha, o dormitório e os espaços comuns. As atividades compreendem o estudo e laborterapia, que é a aproximação dos recuperandos com voluntários que ensinam pequenas atividades, que também servem como uma forma de reflexão. Em geral, começa com uma palestra e depois vão à sala de laborterapia para trabalhar as mãos e a mente. Há também o Conselho de Sinceridade e Solidário (CSS), com cinco recuperandos que são liderados por um presidente, que é escolhido entre eles e se torna o porta-voz para a administração de tudo o que acontece lá dentro. O CSS é peça-chave, pois vai auxiliar os presos dentro das normas e regulamentos. Às 22h, encerram as atividades, se fecham as celas e apagam todas as luzes até o outro dia, às 6h.
Qual a diferença entre Apac e cadeia tradicional?
O atendimento humanizado. No sistema comum, os presos ficam em celas e pátio, enquanto a administração fica nos seus espaços. Na Apac o trabalho é integrado, com voluntários em contato com os recuperandos. Não são pessoas simplesmente recolhidas em celas, mas sim pessoas trabalhando juntas em prol do bem maior, a recuperação. Qualquer condenado pode participar?Qualquer preso pode pedir para se tornar um recuperando na Apac. Para nós, não há distinção por delito, crime ou gravidade. Quem decide é a Vara de Execuções Criminais e o Ministério Público. Trabalhamos para que essas pessoas consigam entender dentro de si o que aconteceu e também trabalhar o que se passou na cabeça de cada vítima. É semelhante ao programa Justiça Restaurativa, que está incluído como um dos pilares do método Apac.
Há algum benefício em relação ao cumprimento de pena?
A Apac trabalha com remissão por trabalho, estudo e leitura. É algo a ser normatizado junto ao Tribunal de Justiça. É normal como em qualquer presídio, afinal faz parte da Lei de Execução Penal, é um requisito do cumprimento de pena. Nas casas prisionais "tradicionais", não vemos, como na Apac, tanta vontade do empresário em encaminhar tarefas para dentro do presídio.
Por que há resistência às Apacs?
A resistência vem do desconhecimento. É o que acreditamos. As pessoas não sabem o que é Apac e não entendem como funciona. A Apac trabalha com serviço voluntário. Assim como há pessoas que querem fazer voluntariado com idosos, pessoas de rua e menores, há voluntários que querem trabalhar com o sistema prisional. No Rio Grande do Sul, é natural que ainda tenha essa resistência, porque não conhecemos.
O resultado pode ser medido?
A questão da reincidência no RS supera os 70%. Nas Apacs de MG, a reincidência máxima não passa de 15%. Tem Apac que não chega a 5%. O que acontece é que as pessoas são formadas nas Apacs, estudam até o Ensino Superior e são encaminhadas ao trabalho. O sistema comum tem muita carência da sociedade entender que essas pessoas precisam de oportunidades. Na Apac, é o contrário, pois sabe que eles precisam de oportunidades e as oferece. A reincidência está muito ligada à falta de oportunidades.
Caxias já fala em ter uma Apac. Quais são os passos?
O convênio atual já permite Apacs em todo o RS, basta um contato com o governo do Estado. Em especial, o juiz da comarca junto o MP e, se possível, um órgão da prefeitura iniciam uma audiência pública para explicar a intenção de abrir uma Apac. Um requisito é o espaço, que precisa ser adequado. Não há um delimitador. Basta a opinião pública aceitar e os três poderes se engajarem. Ao entrar, deixamos de tratá-lo como um preso, ele passa a ser um recuperando.