Confira no Crônicas de Natal desta sexta-feira a história de João Batista. Até o dia 25 de dezembro, o Pioneiro publica a série especial que conta histórias carregadas de sonhos e emoções.
Minha história talvez não seja um conto de fadas, no qual tudo é lindo e maravilhoso, mas com certeza nos fez acreditar mais na magia e nos encantos do Natal. Sempre que o mês de dezembro adentra em seus dias, nos preparamos para mais um Natal.
Tínhamos na família o Paulo, meu cunhado Down, que morava conosco havia dois anos. Eu e minha esposa Vera temos dois filhos, a Bárbara e o Bernardo, que sempre se envolveram com os preparativos. O Paulo também sempre adorou esta data e tinha uma afeição muito grande pelo Bom Velhinho, mesmo que, quando próximo dele, tremia e quase não conseguia falar tamanho o seu nervosismo – no qual muitas vezes virava febre.
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Naquele ano, Paulo viu em um filme em que o guerreiro usava uma espada. Então, colocou na cabeça que merecia ganhar uma destas espadas que os piratas usam como símbolo de valentia e quem sabe usar em alguma de suas batalhas. Paulo sempre foi um lutador. Desde pequeno os médicos diziam que não viveria até os seis anos, mas com muita luta e sem uma espada, foi um sobrevivente.
Começamos uma busca implacável por uma espada, porém os dias de dezembro parece que passam mais rápido. Quando nos demos conta, faltava uma semana para o Natal e nada da tal espada. Na procura, achamos umas que acendiam as luzes, faziam barulhos estridentes, mas achávamos muito infantil para ele.
Eis que tive uma ideia: procurar uma espada dos cavaleiros templários na internet, fazer uma camiseta personalizada com o nome do Paulo e o desenho da espada, tudo devidamente embalado em uma caixa embaixo da árvore natalina. A árvore era enfeitada com muito esmero e uma alegria grande, no qual nos reuníamos para enfeitá-la e deixá-la o mais perfeita possível. Os enfeites da árvore ficavam por conta do Paulo, da Vera, do Bernardo e da Bárbara, que adoravam a preparação, com direito a luzinhas, bolinhas, meias decoradas e uma estrela no topo.
A casa também foi toda enfeitada, com guirlandas nas portas, luzes que piscam e lareira decorada. A noite de Natal sempre foi de muita euforia aqui em casa, pois reunimos a minha família, a turma do “barulho”, apelido carinhosamente dado à família de meu outro cunhado, que tem a esposa, dois filhos e claro meu irmão que sempre passa o Natal conosco.
Ouça o áudio da carta:
Na hora da ceia, todos estavam felizes conversando, pensando em como seria no próximo ano e uma expectativa para revelarmos os amigos secretos. O Paulo era o mais ansioso e lembro dele sentado na sacada, tocando seu violão, enquanto esperávamos o brinde da meia-noite e a chegada do Bom Velhinho.
Naquele Natal, o Papai Noel veio sem o trenó, mas ouvimos de longe seu sino, abrimos o portão e enquanto ele subia as escadas os sobrinhos, os filhos e o Paulo estavam quietos. Lembro do Papai Noel cumprimentando a todos. Na vez do Paulo, eles ficaram imóveis se fitando. Os olhos do Paulo pareciam duas bolas de gude sem se mover enquanto seu corpo tremia. Alguém quebrou o gelo e convidou o velhinho a sentar-se na sala para descansar, pois sua jornada teria sido longa. Todos receberam presentes do Noel, mas o mais esperado ficou por último, a camisa com o desenho da espada, que todos aguardavam ansiosos. Ao receber o pacote, Paulo pulava de alegria e gritava espada, pada, pada.
Mas foi uma decepção tão grande que ele ficou sem fala por alguns minutos, meio sem entender o que estava acontecendo e se perguntando onde estava a espada e o que tinha feito de tão errado para não ganhar o que desejava. Todos o consolavam, com argumentos dos mais diversos possíveis, sem chance de amenizar a dor de não ter ganho o presente tão esperado.
Era chegada a hora de revelarmos os amigos secretos, mas Paulo não esquecia da espada e também não ganhara de seu amigo. Naquele momento, tive vontade de sair correndo e quem sabe adentrar em alguma daquelas lojas no qual tinha visto as espadas, com luzes coloridas e sons estridentes, ou quem sabe voltar no tempo e pensar como teria sido se ele tivesse com a espada, de como estaria brincando de faz de conta, de ser herói, de acabar com as doenças ou maldades do mundo com sua espada mágica.
Me contive na minha culpa, ele me deu um abraço que jamais vou esquecer, sem falar nada e com os olhos cheios de lágrimas prometi que no outro dia daríamos a espada. Ele estava mais quieto do que o normal. Nunca foi de reclamar, pelo contrário sempre agradecia e muito cada presente, cada carinho, e principalmente um bom abraço.
Passado os festejos da noite, quando ele foi deitar, falei novamente que no dia seguinte a espada viria e iríamos brincar muito. Meio sem acreditar, ele adormeceu e imagino que naquela noite seus sonhos foram de um guerreiro, em que na batalha perdera a sua espada entre tantas lutas sem nunca desistir e tornando-se um verdadeiro herói do bem.
Num misto de choro e exacerbada euforia, ele recebeu a espada no outro dia. Sim, aquela com seus barulhos estridentes e suas luzes coloridas, na forma de um amuleto e com seu sentimento de força e poder. Acredito que ao ganhar, Paulo se tornou o herói em suas batalhas no qual todos formavam um grupo de piratas ou cavaleiros para brincar com ele.
Sempre aprendemos com nossas atitudes, um incentivo e a força que possui um abraço que vale por mil presentes. Nem sempre acertamos o presente. Seria tão mais fácil se tivéssemos a ingenuidade de uma criança, com sentimento e simplicidade, para que a vida se tornasse de menos materialista, mais humana. Aprendemos muito com o Paulo, principalmente que não precisamos ganhar presentes caros ou festas espetaculares, um simples abraço aproxima corações e o amor se torna verdadeiro.
Até hoje, guardamos a espada e a camisa do “Sir Paulo. Infelizmente, quem a manuseava não mais está neste mundo, mas temos a certeza que virou um guerreiro e está lutando com as injustiças onde quer que esteja. Paulo faleceu há três anos, mas suas histórias continuam a nos encantar e sua lembrança, não mais sairá de nossas memórias. Acreditamos no carisma e na mística do Natal e sempre que nos abraçarmos lembraremos do Paulinho, que mesmo com 34 anos nunca deixou de acreditar na magia do Natal e em Papai Noel. Mesmo sem a “espada do bem” do Paulo, amem-se mais, abracem-se mais, se permitam viver o espírito do Natal. Que Deus ilumine seus corações.
João Batista da Silva, escritor
*Crônicas de Natal é um projeto assinado por Adriano Duarte, Andressa Paulino, Juliana Rech, Luan Zuchi e Manuela Balzan.