Numa cidade que registra a média de um crime a cada 40 minutos, fica claro que além de uma política de segurança pública mais efetiva, é preciso unir forças também para lidar com a origem da violência. Quem comete assassinatos e roubos, muitas vezes, vem de uma infância vivida em lares desestruturados. É uma tese já antiga, mas supõe-se que crianças inseridas num cotidiano saudável têm menos chance de migrar para a violência.
Assim como muitas pessoas, Lidiane Corrêa Ribeiro Palaoro, 31 anos, entende o significado disso, mas estava alheia a até ser colocada diante de um dilema: se não mudasse sua posição como mãe, poderia perder a guarda dos filhos. A dona de casa não só teve humildade para aceitar que estava sendo negligente como foi além: buscou forças para mudar a curva da própria história e hoje é uma voluntária pela paz.
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Lidiane é uma das personagens da série de reportagens que será veiculada no período que compreende a Semana da Paz, comemorada em setembro, e a Semana da Justiça Restaurativa, prevista para novembro. O objetivo é mostrar que não bastam apenas ações da polícia ou passeatas para reduzir a criminalidade. Caxias do Sul também precisa de atitudes práticas por parte do cidadão.
A mudança de Lidiane só veio com um medida de choque. Em 2014, ela foi notificada que estava prestes a perder a guarda dos sete filhos, entre cinco e 15 anos. Para autoridades, ela estava sendo muito descuidada com a família. Como a dona de casa mesmo conta, as crianças não tinham qualquer vínculo com ela ou com o pai. Na maioria dos dias, ficavam pelos cantos na Zona Norte da cidade: na moradia de uma vizinha, com uma tia ou até mesmo sozinhos, pela rua, no bairro Cânyon.
– Eu tinha 99% de chance de perder meus filhos, de não ter mais uma família. Estava perdida, sem saber o que fazer para mudar essa situação. Não me importava com o que as crianças pensavam e sentiam, só o que eu sabia fazer era discutir e impor regras – desabafa.
Os filhos de Lidiane já não a reconheciam como mãe e o pouco que ela tentava ensinar não fazia mais sentido para eles. Desta forma, a realidade conhecida pelos três meninos e pelas quatro meninas era o que viam ou viviam nas ruas do bairro e em outros pontos da cidade. Com uma rotina cansativa de trabalho e afazeres domésticos, foi uma denúncia ao Conselho Tutelar que abriu os olhos da mãe.
– Nessa hora, eu recebi a ajuda de pessoas do bem, que me mostraram a fórmula certa para ter de volta a minha família. Só que, para conseguir isso, eu precisava conhecer os meus filhos e entender como chegamos no fim do poço – relembra.
Neste processo de conhecimento e renovação, Lidiane escutou os filhos e o marido, além de ter tido oportunidade de ter voz e desabafar. Este tipo de encontro é chamado de círculo de construção da paz, onde é possível resolver o conflito sem a intervenção da Justiça. Através de um facilitador, os vínculos tendem a ser restaurados, neutralizando as chances da ruptura familiar e, consequentemente, de empurrar jovens para outros caminhos.
Quando foi possível ter de volta a sua família, Lidiane decidiu que era a hora de ajudar outras pessoas, que também poderiam estar passando por situações complicadas. Em março deste ano, ela se formou como Voluntária da Paz. De lá para cá, tem permissão para atuar em lares, escolas e comunidades como uma mediadora de conflitos.
Sua primeira tarefa tem sido desafiante: ela e uma colega voluntária, a advogada Fabiana de Macedo, foram convidadas a mediar um grave problema de relacionamento numa turma de alunos numa escola da cidade. Entre os estudantes, há filhos de apenados que não admitem a autoridade do professor e também ameaçam colegas que querem estudar.
Como o convívio está sendo minado por brigas e outras confusões, nem os professores se sentem estimular a dar aula para a turma. O primeiro encontro ocorreu em agosto, e o próximo está marcado para o início de outubro. Não será fácil, mas Lidiane sabe que pode fazer a diferença.
– Eu me encontrei nesse trabalho. Sei que através da conversa se pode resolver um problema e fazer com que a paz seja parte da rotina das pessoas. Se ninguém tivesse aberto meus olhos, eu não saberia que a minha negligência poderia entregar meus filhos à violência. O apoio que recebi há dois anos, foi o empurrão que eu precisava para hoje ajudar as pessoas – conta Lidiane.
Que ela não desista e inspire outras pessoas.
SAIBA MAIS
::Cerca de 290 novos facilitadores de círculos de paz se formaram na Universidade de Caxias do Sul (UCS) na quarta-feira passara. Quem tiver interesse em participar do Programa Voluntários da Paz deve acessar o site teiadapaz.org.br.
::Não há pré-requisito para participar. Mais informações pelo telefone (54) 3218-2100 Ramal: 2324.
::O curso e o material didático são gratuitos.