Desde outubro do ano passado, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) da Polícia Civil conta com duas delegadas. A mudança foi uma forma de contemplar a demanda de Caxias do Sul. Um ano após o novo formato, a repartição pública demonstra aumento em número de procedimentos (confira abaixo). As duas responsáveis pela Deam, a titular Thalita Andrich e a adjunta Carla Zanetti avaliam como positiva a nova dinâmica da delegacia.
— Nós temos um volume muito grande de trabalho e com muita urgência, tendo em vista que são realizadas muitas prisões, não só por nós, mas por outras delegacias, outros órgãos de segurança, que desembocam nos nossos procedimentos e nos demandam a urgência por conta do prazo que os procedimentos acabam tendo. Então, sempre que alguém é preso, nós temos que concluir um procedimento num prazo curto — explica Thalita. O período para enviar o inquérito para o Judiciário é de 10 dias.
As delegadas lembram que, além do atendimento às ocorrências, há a instrução de outros inquéritos e a parte administrativa da delegacia. Elas também participam de reuniões com a Rede de Proteção da Mulher de Caxias e, quando possível, apresentam palestras sobre o tema em escolas e empresas.
— Nós conseguimos dar mais atenção também para essa parte administrativa, de organização de depósito e de arquivos. Essas coisas que são importantes também, como eliminação de apreensões, que são essa parte do depósito que muitas vezes ficam aguardando um momento oportuno e que, estando em duas, conseguimos dar uma vazão para isso — acrescenta a delegada titular.
Além disso, no período, a delegacia teve o aumento no efetivo, com dois novos policiais. Um outro balanço importante é o número de feminicídios. Em 2023, foram seis em todo o ano, enquanto neste ano são três até este início de dezembro.
— Pela estatística do ano passado, a maioria das vítimas de feminicídio não tinha ocorrência, nem medida protetiva. Como fica uma subnotificação, claro que com a nossa atuação, sim, provavelmente diminui esses números. Mas, como a maioria dos casos é subnotificado que as vítimas não tinham medida, não tinham registro de ocorrência anterior, nós não conseguimos, sabe? O importante para nós é a divulgação que a pessoa se conscientize desse registro de ocorrência, da importância e da medida protetiva, para diminuir realmente esses números. Às vezes a medida basta para aquele agressor parar — observa Carla.
Números da Deam
Entre outubro de 2022 e setembro de 2023
- Mandados de busca e apreensão: 49
- Prisões preventivas: 43
- Inquéritos policiais instaurados: 1.282
- Ocorrências: 3.959
Entre outubro de 2023 e setembro de 2024
- Mandados de busca e apreensão: 95
- Prisões preventivas: 46
- Inquéritos policiais instaurados: 1.911
- Ocorrências: 4.322
Mudança em lei federal tem impacto
Em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que eleva a 40 anos a pena para o crime de feminicídio e inclui situações consideradas agravantes na pena. Além disso, traz outras alterações no Código Penal. As delegadas acreditam que a principal mudança na legislação deve ser sentida futuramente para a repressão ao crime. Neste momento, o impacto sentido é em relação ao crime de ameaça, como explicam as responsáveis pela Deam de Caxias.
O que nos chama a atenção é que quase todo mundo sabe. Depois que tu entra em contato com os familiares, todo mundo sabia da violência. Todo mundo sabia que elas sofriam.
CARLA ZANETTI
Delegada de Polícia
Antes da mudança do Código Penal, o crime era condicionado à representação criminal. A partir da alteração, ele passou a ser de ação penal pública incondicionada. Como esclarecem as delegadas, as vítimas não podem mais "retirar a queixa", como ocorria antes. Nesse caso, havia uma retratação, a Justiça avaliava e poderia ocorrer do inquérito não ser instaurado.
— A consequência maior disso é que já estamos visualizando um aumento de procedimentos policiais nos número das nossas instaurações de inquéritos. Antes, não precisávamos obrigatoriamente instaurar todas ocorrências no caso dos crimes de ameaça. Agora, precisamos instaurar todos — explica a delegada Thalita.
Denuncie
Para que se continue o combate à violência contra a mulher, um passo importante é denunciar. Mesmo que seja feita de forma anônima, uma ligação pode ajudar a salvar vidas. As delegadas explicam que precisam do mínimo de informações para chegar na vítima, como apenas o endereço ou o telefone dela. As denúncias anônimas podem ser feitas nos disques 180 e 100.
Como lembra a delegada Carla, depois que o crime ocorre, muitos familiares confessam que sabiam da violência, mas não denunciaram:
— O que nos chama a atenção é que quase todo mundo sabe. Depois que tu entra em contato com os familiares, todo mundo sabia da violência. Todo mundo sabia que elas sofriam. Muitos se afastam em função disso. Mas ninguém notifica, que é o importante.
A delegada Thalita reforça que as pessoas que têm medo devem saber que podem denunciar anonimamente.
Caxias também conta com uma Rede de Proteção da Mulher, que tem serviços como a Casa de Apoio Viva Raquel, que pode acolher vítimas e filhos até 18 anos, e o Centro de Referências da Mulher, em que pode ter ajuda jurídica e psicológica, por exemplo.
Onde buscar ajuda
- Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam): (54) 3220-9280
- Defensoria Pública Especializada no Atendimento à Vítima de Violência Doméstica e Feminicídio: Rua Tronca, 2.383, bairro Rio Branco.
- Patrulha Maria da Penha: (54) 98423-2154 (o número está disponível para ligações e mensagens de WhatsApp)
- Central de Atendimento à Mulher: telefone 180
- Coordenadoria da Mulher: (54) 3218-6026
- Centro de Referência da Mulher: (54) 3218-6112
- Sala das Margaridas: atende na Central de Polícia, onde funciona a Delegacia de Pronto-Atendimento, na Rua Irmão Miguel Dario, 1.061, bairro Jardim América. O atendimento especializado funciona 24 horas.