A instabilidade climática registrada neste ano provou ser um desafio de longo prazo para a agricultura. Com estações menos definidas, longos períodos de chuva, intervalos irregulares de sol, o segmento precisa se desdobrar para recuperar a qualidade e manter a quantidade.
Nesse cenário de variação, o setor vitivinícola tem surpreendido pela resiliência. Mesmo com perdas de aproximadamente 500 hectares de parreiras na Serra, devido aos desmoronamentos ocorridos em maio, a projeção é obter 800 milhões de quilos de uva na safra de 2025.
Essa é a previsão do Consevitis, um instituto voltado ao planejamento e desenvolvimento da viticultura no Estado. Conforme o presidente da entidade, Luciano Rebellatto, o cenário atual já dá indícios de que a próxima safra terá bons resultados, contudo, os produtores dependem do clima para confirmar a expectativa.
— É muito difícil falar neste momento com plena certeza. Quando se trata do tempo, sempre é uma previsão, que pode se alterar no meio do caminho. Mas, baseado em algumas informações que observamos, poderemos ter uma boa safra — acredita.
Adaptação à instabilidade
Se por um lado a intensa chuva de maio destruiu hectares de hortaliças, legumes e frutas, os parreirais passaram pelo maior desastre climático do RS praticamente ilesos. Isso porque na fase de extrema instabilidade as videiras estavam em dormência.
— Para que fungos se desenvolvam nas parreiras, é preciso que elas tenham tecido para a propagação. Durante a dormência não há folhas e frutas, ou seja, os tecidos suscetíveis ao ataque dos fungos ainda não tinham se desenvolvido – explica o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Henrique Pessoa dos Santos.
A exceção da integridade do cultivo foram os 500 hectares de parreiras em Bento Gonçalves, Cotiporã, Pinto Bandeira e Veranópolis destruídos pelos deslizamentos de terra. Contudo, o percentual de produção perdido não deverá influenciar negativamente na safra de 2025.
— A maior parte das parreiras atingidas são das chamadas uvas americanas, usadas na produção do suco de uva. Mas são 500 hectares numa dimensão de 43 mil hectares, que é o volume de área plantada (de parreirais) em todo o Estado. Então, não vemos essa situação como uma queda na safra — pontua Rebellatto.
Desafios em vista
Outra consequência causada pelo excesso de chuva é o empobrecimento do solo. Com menos nutrientes, o desenvolvimento das videiras poderá ser prejudicado. Nesse caso, a Embrapa indica que os produtores façam uma análise do solo e, se necessário, a adubação.
O pesquisador Henrique Pessoa dos Santos adverte que as safras de 2023 e 2024, que não tiveram resultados tão satisfatórios, poderão influenciar nas uvas colhidas no próximo ano.
— Somando às condições de pressão da doença no ciclo do ano passado, as folhas caíram antes do momento certo. Assim, o acúmulo de reservas para o ciclo seguinte foi menor. Então, poderemos ter um brotamento abaixo do esperado — indica.
Em setembro, a atenção se volta para a possibilidade de geada tardia. Conforme o presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), Ricardo Morari, o calor previsto será essencial para a brotação das videiras, mas uma onda de frio poderá prejudicar o desenvolvimento.
— Nossa preocupação é com a metade do mês. Há previsão de termos dias frios novamente, com temperatura em torno de 3°C a 5°C. Esse frio pode queimar a brotação dos vinhedos, o que impacta diretamente na produção — avalia.
Possibilidade de excelência
O misto de cautela e otimismo é compartilhado por outras entidades ligadas ao segmento. Para o presidente da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), Ricardo Zorzi, há chance das uvas colhidas no próximo ano se assemelharem às safras de 2020, 2021 e 2022, reconhecidas pela excelente qualidade.
— Essa situação vai se definir lá no final do ciclo, nos meses da colheita, entre janeiro e março. Nesse momento vamos precisar de muitas horas de sol e menos chuvas, que é justamente o que a previsão nos indica — afirma.
Conforme a Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês), há possibilidade de 66% de ocorrência do La Niña entre setembro e novembro. Na prática, o fenômeno reduz a chuva no Sul, clima propício para o desenvolvimento e maturação das uvas.
Ainda, as entidades consultadas ressaltam que durante o inverno as parreiras tiveram uma boa quantidade horas-frio para a brotação e fecundidade. Agora, as expectativas se concentram nas próximas semanas, que prometem ser quentes.
— Com menos chuva, teremos uma maturação melhor das uvas. Elas terão mais concentração de sabor, aroma e açúcar, em resumo: boa qualidade. O setor está otimista com essa safra, otimista com a ajuda do clima — indica Rebellatto.
Primeiros sinais da safra 2025
Na propriedade de Leandro de Bona, na Linha Jacinto, interior de Farroupilha, a perspectiva de La Niña é aguardada com ansiedade. A previsão do produtor é de que os 13 hectares de parreiras produzam 480 toneladas de uvas.
— Ano passado a safra não foi boa, por conta chuva. A incidência de fungos foi gigante. Colhemos cerca de 360 toneladas de uva. Mas neste ano fez mais frio, a previsão indica sol e clima seco, então acredito que vamos conseguir uma safra melhor do que a de 2022 — prevê.
Nas videiras, os primeiros brotos e folhas começam a surgir. A análise inicial de Leandro indica que os cachos serão numerosos. A estimativa deve começar a se confirmar na segunda quinzena de setembro, quando a fase da brotação ganha força.
Enquanto isso, o produtor e os três irmãos que tocam a propriedade, trabalham nas últimas podas. A ação estimula a brotação tardia, protegendo os cachos em caso de episódios de geada.
— Eu acho que vai ser uma boa safra. Ali em maio, quando deu a chuva, as parreiras estavam em dormência. No final, o pior aconteceu em um momento propício. O solo também suportou bem, com uma pequena área que deu problema. Estamos confiantes que vamos conseguir superar as 440 toneladas colhidas há dois anos — finaliza.