Moradores da região de Estrada do Feixe, recosta de São Francisco de Paula, estão há cerca de 70 dias isolados depois que deslizamentos de terra ocorreram no local, em 1º e 2 de maio, quando a chuva atingiu fortemente o Rio Grande do Sul. Entre as dificuldades enfrentadas pelas famílias nestes mais de dois meses estão a falta de alimentos, medicamentos, energia elétrica, morte de animais e perdas de casas e galpões. Para tentar amenizar a situação, moradores que conhecem a região buscam caminhos pela mata para acessar a pé as casas e entregar doações com mantimentos.
A falta de alimento para os animais causa diariamente perdas para o casal Salete Freitas Garcia de Souza, 59 anos, e Luis Gustavo de Souza, 67, que mora em uma chácara na região há seis meses. Sem acesso pelas estradas, todas municipais, que estão bloqueadas pela lama, o trajeto para evitar que outros bichos morram de fome é feito pelo meio do mato.
— Nós estamos isolados porque não tem mais estrada. Perdemos animais e está sendo difícil porque não conseguimos sair para lugar nenhum. Não conseguimos comprar um remédio. Um monte de galinha e gado já morreu, algumas porcas e vacas perderam as crias. Estamos em uma situação que não sabemos o que fazer, pedimos socorro para um lado e para outro. Estamos completamente ilhados. Às vezes nos aventuramos, atravessamos o mato para alimentar as vacas, mas não é um lugar fácil de andar e levamos 3h30min para fazer tudo isso. Não tem como andar de carro e nem de bicicleta — reclama Salete.
Na noite do dia 2 de maio, a casa do casal, que mora sozinho no local, começou a chacoalhar por causa dos desmoronamentos que ocorreram a cerca de 500 metros de distância. Desde o isolamento, o trabalho que faziam foi prejudicado. Sem ter como ir ou vir, Salete e Luis aguardam para retornar às atividades rotineiras quando as estradas forem novamente liberadas.
— Nós vendíamos banana, queijo e leite. Agora morreu a nossa vaca do leite por falta de comida. Agora estamos vivendo de doação e esperando isso passar. A hora que deslizou, chacoalhou a casa toda. A casa do nosso vizinho foi embora, a vinícola dele, as plantações de anos, tinha que ver a tristeza. Um casal de velhinhos teve que sair de casa porque a Defesa Civil condenou a casa — diz a mulher.
A situação de perdas também é vivida na família de nove pessoas do agricultor Arno Muhlen, 52. Além dos desmoronamentos de terra os deixar isolados, anos de trabalho rural foram destruídos com a força da encosta. Na madrugada do dia 1º de maio, a família ficou acordada desde que os estalos dos morros começaram a ser ouvidos.
— Um caminhão de tora desceu mais ou menos uns quatro quilômetros e parou lá no rio. A casa do meu filho foi embora também e está debaixo da terra agora. Trabalho com apicultura e as colmeias, minhas abelhas, foram levadas também. Aquele dia estávamos prontos para escapar se desmoronasse mais perto de nós e ficamos esperando acordados para poder escapar. Não consigo mais entrar e nem sair para lugar nenhum. Está terrível a coisa, não está fácil — lamenta o agricultor.
De acordo com o professor Elemar Lúcio Ferreira Gomes, que tem um sítio na área isolada e atualmente participa dos grupos de doações para os moradores, cerca de cinco famílias, até um ponto do trajeto para acessar a recosta é possível chegar com caminhonetes 4x4, já que carros menores podem ficar atolados na região enlameada. A partir daí, o caminho precisa ser percorrido a pé, por entre a lama pesada e úmida, e os restos de barrancos e árvores.
— Caminhamos por cima dos escombros dos deslizamentos com as doações nos ombros. Levamos alimentos para os moradores e para os animais, remédios, agora por causa do frio levamos cobertores, travesseiros e roupas de cama, também levamos itens de higiene. Deslizamentos em três lugares que levaram casas, rede elétrica, galpões. Nós levamos as doações para quem ficou do outro lado. Eu moro em Taquara e não consigo mais chegar no sítio que fica em São Francisco. Estamos desesperados, ver as pessoas sofrendo e vivendo essa situação é muito triste — afirma o professor.
Conforme Gomes, a maior urgência para as famílias isoladas é a liberação das estradas bloqueadas. A partir disso, os moradores poderão retomar os trabalhos e, aos poucos, a rotina diária.
O que diz a prefeitura
Procurada, a prefeitura de São Francisco de Paula encaminhou uma nota na manhã desta quinta-feira (11), onde diz que "atua para prestar assistência às famílias e aguarda recursos nacionais para dar andamento aos trabalhos". No texto não foi informada uma previsão de liberação das estradas.
Confira a íntegra:
"A gente compreende o transtorno e a angústia que a situação da estrada do Feixe tem causado a todos que moram na região. Desde o início do problema, a prefeitura está trabalhando para restabelecer o acesso à região e garantir o bem-estar dos moradores. Foram locadas máquinas, como trator de esteira e escavadeira, para ajudar nossas equipes e avançar na recuperação da área afetada. Já removemos diversas barreiras, mas o estrago causado pelas chuvas foi muito extenso e, infelizmente, tivemos apenas 10 dias sem chuvas nos últimos 72 dias, dificultando muito o andamento das obras.
Desde o primeiro dia estamos fornecendo assistência total às famílias, com nosso corpo de bombeiros levando alimentação e remédios para os moradores. Além disso, cadastramos recursos no sistema S2ID da Defesa Civil Nacional para ajudar nas obras, mas infelizmente esses recursos ainda não foram analisados. Reforço que a prefeitura tem se empenhado ao máximo para contornar a situação com os recursos disponíveis, e continuaremos a buscar alternativas para acelerar a recuperação".