A chuva que atingiu o Estado em maio trouxe especialmente dois fenômenos. Em Porto Alegre, Região Metropolitana e Vale do Taquari a água invadiu municípios, provocando inundações. Já na Serra, o principal causador dos problemas foram os deslizamentos de terra. Municípios como Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Veranópolis e Gramado registraram episódios de maior impacto com mortes. Outros trancaram por dias vias essenciais, como a RS-122, no trecho entre Farroupilha e São Vendelino. Mais do que uma situação antiga, os casos abrem um alerta para estudos mais aprofundados nos municípios e detalhamento das áreas.
O geólogo Bruno Nunes Machado explica que, geralmente, de forma natural ou potencializada pela intervenção humana, os deslizamentos ocorrem por conta das características do solo aliadas à chuva. O da Serra é mais suscetível a ter os eventos em pontos de maior declive. A região tem um solo que é predominantemente basáltico, mas com inúmeras vertentes e encostas de alta inclinação, que ao absorverem esta água podem perder a estabilidade. Os riscos de movimentos de massa são deslizamentos, escorregamentos, corridas e quedas.
— O risco geológico é de deslizamento por conta de áreas declivosas, com declividades mais altas, e o predomínio de solos mais desenvolvidos. Eles absorvem a água, armazenam essa água, e no evento como a gente está tendo agora, com grande precipitação pluviométrica, esse solo tende a ficar muito saturado, ao ponto de perder a estabilidade. As partículas do solo se desestabilizam. Não tem a coesão, como a gente fala, e ocorre a movimentação de todo esse material — explica o especialista.
O que o episódio de maio mostra é que deslizamentos ocorreram em vários pontos da Serra, até em locais que geralmente não tinham registros. Por isso, o levantamento da região é importante. O geólogo descreve que um caminho é um mapeamento e detalhamento das áreas, identificando aquelas com danos geotécnicos. Depois, pode-se filtrar os locais próximos a comunidades ou vias para prevenir ou reduzir impactos.
— Se houvesse em toda a estrutura de gestão territorial uma política de estudos preliminares que tivesse um corpo técnico contemplando principalmente o profissional geólogo, que é quem tem essa visão abrangente das coisas, que faz esse tipo de análise geotécnica, que envolve geologia, geomorfologia, solo, hidrografia, as drenagens, os rios, córregos, enfim. Se a estrutura de gestão contasse com esse corpo técnico e existisse uma política de prevenção, os trabalhos estariam sendo feitos. E essas áreas que hoje registram problemas, com certeza elas seriam apontadas como zonas de risco. E aí, a partir de um trabalho regional que tu aponte essas zonas, tu pode partir para o detalhamento, entender exatamente onde que está o maior problema, que está quase que só por um estopim para deslizar, vamos dizer assim - afirma o especialista.
"Trabalho bem extenso"
O trabalho, como conta Machado, é "bem extenso". Além da avaliação pós-deslizamento, que costumeiramente é feita, o zoneamento dos municípios é uma necessidade. O especialista vê que, agora, muitas cidades estão focando nessas atividades.
— Dá, sim, para fazer levantamentos e apontar as zonas que podem ter problemas. Tem gestores locais, prefeituras já fazendo isso, mas é claro que é um trabalho de formiguinha, vamos dizer assim. A vistoria é muito grande, então não é uma coisa tão simples de ser feita, é um trabalho bem extenso — declara o geólogo.
O geólogo também reforça que a população pode ficar atenta em relação às encostas para alertar as autoridades. Há situações mais claras, como a abertura de uma fenda ou a movimentação de terra. Mas, Machado lista o que pode ser observado:
— Daqui a pouco comecem a observar uma trinca no chão, uma fenda, algum movimento, uma árvore meio que ladeada, alguma coisa assim, o material se movimentando. São situações da natureza que a gente costuma avaliar e a população daqui a pouco, tendo essa percepção, ela consegue entender que pode estar, sim, numa zona de risco. Então a população pode estar atenta a essas situações na estrada, algum rebaixamento da estrada, alguma situação que possa estar indicando um futuro problema.
Neste caso, a Defesa Civil ou a prefeitura podem ser contatadas.
E os tremores?
Na madrugada de 13 de maio, moradores de quatro bairros de Caxias do Sul assustaram-se com tremores. Conforme o Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB), foram três episódios na Serra: um de 2,4 graus em Bento Gonçalves e dois de 2,3 graus em Caxias. Geólogos do municípios explicam que os eventos ocorreram por conta de uma acomodação de camadas rochosas subterrâneas.
Os tremores já foram registrados antes no município e, conforme os geólogos, não devem preocupar a população. Em 2010, a prefeitura contratou o observatório, que está dentro da Rede Sismográfica Brasileira, para monitorar a cidade com seis bases sismográficas compostas por um sismômetro (aparelho que mede a vibração do solo) e um digitalizador (que registra em números os tremores).
A sismóloga Eveline Sayão, que atua na Universidade de Brasília, relata que a chuva ter auxiliado na ocorrência dos tremores é uma possibilidade. A especialista alerta, porém, que os casos devem ser melhor avaliados.
— Você precisa de um estudo muito mais aprofundado sobre aqueles eventos. Mais estações, uma análise mais apurada para entender o mecanismo de falha. Demora, não é um registro que daria para a gente fazer rapidamente e ter essa informação — diz Eveline.