São inúmeras as frentes criadas em Caxias do Sul para auxiliar os desabrigados da maior tragédia climática que atingiu o Rio Grande do Sul. No Seminário Diocesano Nossa Senhora Aparecida, cerca de 120 voluntários — número que chega a duas centenas no final de semana — se revezam na separação de roupas, montagem de kits de alimentos e higiene. No Comboio Solidário, no antigo MartCenter Shopping, são 80 pessoas de segunda a sexta-feira, e cerca de 200 no final de semana. Já no ginásio da Faculdade Anhanguera, um centro é mantido pela Cruz Vermelha com 70 voluntários diariamente. Além de outros tantos grupos que se unem diariamente em casas, apartamentos e empresas para ajudar da forma que podem.
No bloco 57 da Universidade de Caxias do Sul (UCS), uma verdadeira linha de produção de sanduíches se formou, em uma iniciativa das professoras Gabriela Chilanti e Pâmela Antoniazzi dos Santos, do curso de Nutrição, e da professora Suzana Boeira, do curso de Enfermagem. Desde 3 de maio, o grupo, que conta com alunos, professores, funcionários e a comunidade em geral, já produziu 130 mil sanduíches que foram entregues para cidades da Serra e da Região Metropolitana, tanto para as pessoas afetadas pela chuva como para quem está trabalhando na reconstrução. Muitas das entregas contam com o serviço do motorista Vanderlei Marcelo da Silva, seja para levar os mantimentos até o Aeroporto Hugo Cantergiani, ou ainda para ir às cidades afetadas.
A ideia surgiu ainda no ano passado, quando em setembro foram produzidas milhares de unidades de sanduíches encaminhados para as cidades afetadas pela enchente daquela ocasião. Com a manutenção do grupo em uma rede social, os trabalhos retornam no início de maio. Na UCS, são utilizadas diariamente ao menos quatro salas, e sempre há uma nutricionista garantindo a qualidade da produção.
— Nosso grupo tem quase mil pessoas no WhatsApp entre a população em geral, professores, funcionários aqui da UCS e alunos. Então surgiu assim, querendo ajudar, e vendo muito do que acontecia (em todo o Estado) — descreve Pâmela, sobre o tamanho da rede de solidariedade formada.
— Temos percebido que os voluntários vêm com muito amor envolvido. Estão felizes em poder estar ajudando, isso é bastante gratificante, e acredito que é o que está mantendo a equipe motivada. Eles saem daqui perguntando: "amanhã, que horário?", porque definimos no final do dia (a escala) — complemente Gabriela.
A média diária é de cem pessoas trabalhando por lá, entre elas o Israel Silveira de Aguiar. Morador do bairro Santa Catarina, ele já atua em alguns outros projetos de forma voluntária. Entre uma caixa e outra carregada nos furgões da universidade, parou para conversar com a reportagem do Pioneiro:
— Eu espero continuar cada vez mais, ser voluntário é cada vez que tu ajuda alguém tu estar se ajudando (também), se torna uma corrente. Não digo que a solidariedade está dentro de mim, mas ajudar as pessoas, porque amanhã pode ser eu — comenta.
Aluna do curso de Nutrição, Viviane Tessaro tenta ir todas as manhãs na UCS para auxiliar nas produções. Quando pode também leva a filha Melissa Tessaro, de 10 anos. Ela se sente completa ajudando aqueles que mais precisam neste momento, e já havia feito outros trabalhos voluntários.
— Eu sempre digo que é um sanduíche simples, pão, presunto e queijo, mas quando comemos nos intervalos ele é gostoso, então acho que tem muito amor envolvido, e quando se solidariza com o outro, acabamos colocando o amor no que faz, e é voluntário. O trabalho voluntário tem muito disso, é doação — descreve a acadêmica da UCS.
O grupo ainda precisa de insumos para as produções. As doações podem ser entregues no Bloco 57 do campus-sede, em Caxias do Sul, ou ainda de forma financeira pelo Pix (54) 99636-6311 (Pâmela Antoniazzi dos Santos).
“Se tu tiver vontade, faz de tudo”
Desde o início de maio, o Seminário Diocesano Nossa Senhora Aparecida se tornou um dos principais centros de doações de Caxias. São inúmeros caminhões saindo com donativos prontos para serem entregues aos desabrigados. E quem está por lá todos os dias é a empresária paulista Márcia Aparecida Fontes Machado, que já mora há mais de 20 anos na cidade da Serra. Líder de mesa, é uma das responsáveis pela triagem e separação das roupas. E a tarefa é compartilhada em família, já que a filha Maria Clara vai todos os dias com ela. Elas chegam às 8h e saem às 17h.
— É um sentimento de dever cumprido, de saber que você fez alguma coisa por alguém. Hoje eu me sinto mais gaúcha do que paulista, então não tem como não se comover com a dor dos gaúchos, pessoas que estão vivendo nessa situação — descreve Márcia.
A agonia de ficar em casa apenas assistindo as notícias sobre a tragédia motivou o autônomo Alexandre Portolan Spigolon a se voluntariar. Ele trabalha nos finais de semana e em ao menos um dia da semana no seminário, já tendo atuado em diversas frentes. Na manhã de quarta-feira (22), estava auxiliando a carregar e descarregar os caminhões. Chega às 8h e sai às 17h.
— O pessoal aqui tem uma energia incrível. Chega aqui, se tu tiver vontade, faz de tudo: carrega, descarrega, ajuda a organizar, acaba sendo um líder. Todos são muito bem-vindos. Quem tá em casa angustiado vem para cá ajudar ou faça o que puder — comenta o autônomo.
Cláudia Bastian Albert também está no seminário desde o início de maio. Essa é a primeira vez que ela trabalha de forma voluntária. De segunda a sexta-feira, das 8h ao meio-dia, ajuda na confecção de centenas de kits de higiene, que levam xampu, sabonetes, escovas e pastas de dente, papel higiênico, desodorantes e absorventes para os afetados. Agora, até mesmo algumas cartinhas enviadas por alunos caxienses estão sendo encaminhadas junto dos kits.
— Foi a maneira que eu encontrei de ajudar. Se eu pudesse estaria dentro da água socorrendo. Está sendo bem gratificante, é emocionante, intenso, mas vale a pena — diz Cláudia.