Parece o roteiro de um filme sobre superação. E pode muito bem ser. A história de vida do caxiense Nei Soares dos Santos, morador do bairro Nossa Senhora das Graças, é recheada de momentos difíceis e sofrimentos, mas com muitas voltas por cima e episódios que deixam a mensagem de que sempre há uma saída. Aos 57 anos, o hoje açougueiro também ficou conhecido como “Nei dos currículos”.
E o apelido cabe perfeitamente para quem há quase oito anos entrega, de porta em porta, dados e histórico profissional de pessoas que, na maioria das vezes, sequer conhece, para empresas dos mais variados segmentos. E com um detalhe bem relevante: ele faz tudo de maneira totalmente voluntária.
A iniciativa de auxiliar jovens e adultos a conseguirem um emprego formal surgiu justamente da própria experiência negativa. Sem ocupação e com algumas portas fechadas, Nei conta que teve o pedido de impressão de um currículo negado. Na revolta com a situação, decidiu que faria aquilo por outras pessoas como forma de ajudar quem passava pelo mesmo problema, sem condições financeiras para distribuir currículos pela cidade.
— Na época, eu estava desempregado e minha esposa com uma cirurgia por fazer. Pedi a uma pessoa a quem eu já havia ajudado se podia imprimir uns currículos, porque eu precisava trabalhar. E me negaram. Saí de lá chorando de raiva. Tinha umas moedas no bolso, consegui uma impressão e deixei aqui no Super Andreazza, onde até hoje trabalho. Eles deram uma chance para um homem de 50 anos que só tinha vontade de aprender. Daquele dia em diante, decidi que ia auxiliar aqueles que estavam na mesma situação — conta Nei.
Mais de 50 mil currículos entregues
O começo foi solitário e anônimo, contando apenas com a inseparável motocicleta. Atualmente, o serviço feito por Nei tomou proporções maiores, com a presença nas redes sociais. Quando iniciou, de acordo com ele, todos os custos eram por conta própria. Como o trabalho cresceu, apoiadores surgiram, inclusive agências de recrutamento que contam com o banco de dados informal que acabou se formando.
— Cópias, gasolina da moto, praticamente tudo sai do meu bolso. Agora tenho alguns apoios, mas sigo responsável pela grande parte. Como a informação de que eu fazia esse serviço foi correndo pela cidade, o alcance aumentou, principalmente com a internet.
E o processo todo funciona via WhatsApp. Os interessados enviam o arquivo em formato de PDF e o encaminhamento é feito pelo voluntário, além do anúncio no perfil do Facebook.
— Eu tenho uma linha de transmissão e divulgo no meu perfil também. Aí os interessados me chamam no WhatsApp e enviam o currículo. E ainda tenho uma parceria com algumas agências. Publico as vagas que têm em aberto para incentivar. Para ter uma ideia, semana passada eu consegui colocar 15 pessoas em um frigorífico de Caxias. Quando recebo uma mensagem de alguém que conseguiu uma vaga, sempre me emociono. É isso que faz valer a pena todo o esforço, que não é pouco — brinca.
Pelo levantamento de Nei, desde 2016, quando teve a ideia, já são quase 50 mil currículos distribuídos e cerca de 5 mil pessoas recolocadas no mercado de trabalho. Ele revela que precisou ampliar de uma para duas manhãs por semana a rotina de entregas para dar conta da demanda.
Da rua para o voluntariado
A trajetória de Nei inspira. Nascido em Caxias do Sul, ficou órfão aos cinco anos, quando, sem outra alternativa, passou a morar nas ruas, se abrigando em marquises e nos arredores de prédios abandonados. Situação que durou até os 13 anos, quando recebeu ajuda do comerciante Osorio Paim que, além de oferecer emprego, lhe deu moradia.
— Naquela época, fazia temperaturas negativas no inverno, nós quase congelávamos. Dormíamos no ferro velho Kabika, ao lado shopping San Pelegrino e no prédio da antiga Mosele, hoje Receita Federal. Seu Osorio foi um anjo na minha vida. Me levou para trabalhar nos campos do Caxias e do Juventude, vendendo pipoca, amendoim e bebidas. Depois, abriu a casa dele para mim. Como a família mudou-se para Guaíba, voltei para a rua. Após um ano, me chamou para ir junto. Lá, com o tempo, comecei a namorar a filha dele, e estamos juntos até hoje — relata.
De volta a Caxias no início dos anos 2000 com a mulher Isabel e os três filhos do casal, criou a família e envolveu-se em diversos trabalhos sociais, além das entregas dos currículos. Uma das áreas em que mais atua é com pessoas em situação de rua.
— Há alguns anos não víamos tanta gente na rua, tem aumentado. E é difícil este trabalho com eles. Todos têm uma história. O pessoal joga muita pedra. Ali têm muitos com profissão, que se tornaram dependentes químicos. E é difícil de sair dessa vida. Nós fizemos o possível — encerra.
Gratidão de quem encontra uma vaga
Entre os quase 5 mil currículos que tiveram um destino certeiro, o jovem Evandro Rodrigues de Andrade foi parar na estatística dos que conseguiram uma vaga de trabalho. Ele começará em breve como menor aprendiz em um supermercado graças ao envolvimento de Nei. Amigo da família, ele deixou o documento na empresa, que decidiu contratá-lo. A educadora infantil Vanderléia Rodrigues de Moraes, mãe do garoto, é só agradecimentos ao falar do amigo da família.
— É o primeiro emprego do meu filho, e tudo porque o Nei nos ajudou. O trabalho que ele faz é fantástico — relata.
Na expectativa pelo primeiro posto de trabalho, Evandro já sonha com a melhora de vida que a nova fase permitirá.
— Queria muito trabalhar para ter meu próprio dinheiro, ajudar em casa e comprar as minhas coisas. Agradeço ao seu Nei por ter me ajudado a iniciar minha vida profissional. Que Deus abençoe sempre ele — afirma Evandro.
Natural de Bagé e morador de Caxias há 20 anos, o metalúrgico Leonardo Tavares Bitencourt não ficou desempregado porque o currículo encontrou as empresas certas. Estavam na rota de entrega de Nei. Atualmente no posto de montador, já foi aprovado em uma nova empresa para voltar à função em que tem qualificação, na área de pintura industrial.
— Soube do trabalho dele pelas redes sociais. Minha mulher me falou para enviar o currículo. Foi muito rápido, logo me chamaram. Foi muito importante para mim — aponta.
Os interessados em enviar o currículo, podem encaminhar o arquivo em PDF via WhatsApp, no número (54) 8113-9001.