Em meio à retomada da rotina depois da cheia do Rio Taquari de 4 de setembro, Santa Tereza procura meios para recuperar os imóveis históricos atingidos pela enchente. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2012, a cidade preserva as características de cidade centenária e ocupada pela imigração italiana. Dos 57 imóveis do Centro Histórico preservado, 23 foram danificados. Desses, 19 sofreram danos leves nos pisos e coberturas. Já outras quatro residências históricas, que eram mantidas por proprietários, foram totalmente destruídas.
A administração municipal calcula um prejuízo de R$ 60 milhões causado pela enchente de 4 de setembro. Já o orçamento anual do município é de R$ 21 milhões, o que justifica, de acordo com a prefeita Gisele Caumo, a necessidade de aporte financeiro estadual e federal para a recuperação das casas históricas.
— São prédios públicos e edificações privadas que abrigam moradores e também têm a exigência do Iphan para se manterem originais. Com essa catástrofe, precisaremos não só da cobrança do Iphan, mas do incentivo e recursos para que sejam feita as restruturações.
Os casarios que abrigavam antigas indústrias, comércios e residências contornam a cidade, que tem seu cenário protegido e uma série de regras para instalação de novos empreendimentos e construções que poderiam poluir o visual. O apelo histórico é explorado pelo turismo na cidade de 1,7 mil habitantes. Entre os prédios danificados e que necessitam de recursos para o restauro, a prefeita cita a primeira fábrica de gaitas do Rio Grande do Sul.
— São recursos bastante expressivos, porque há particularidades que precisam ser respeitadas dentro dessas determinações impostas. Nada mais justo que, com o decreto de calamidade, as esferas públicas destinem o recurso — destaca Gisele.
No entanto, ainda que o Iphan tenha visitado a cidade e feito o levantamento dos danos, o orçamento necessário ainda não foi definido.
— Não deram retorno nenhum ao município, o assunto está parado. Se há um tombamento a nível federal, precisamos que essa esfera nos ajude. Concordo com a manutenção, mas precisamos de apoio dos governos para manter preservada essa história. As famílias, o setor privado não conseguem manter sozinho.
A Avenida Itália sedia a maior parte da estruturas, inclusive a a prefeitura, que ocupa um prédio construído em 1887. As casas são identificadas por placas que contam a história da construção em três línguas e contêm um QRcode para mais informações.
O superintendente do Iphan no RS, Rafael Passos, avalia que as casas atingidas não tiveram danos irreparáveis e que ações, principalmente internas, precisam ser feitas.
— Trabalhamos, a partir de agora, com outros imóveis dentro da área de tombamento que sofreram perda total e demandariam a reconstrução total. Isso não está nas intenções do Iphan e é preciso encontrar, junto do município, outras soluções. Recebemos recentemente uma lista mais ampliada da prefeitura e ainda dimensionamos isso para caber na capacidade orçamentária do Iphan e, assim, estudar de que forma atender as famílias para reparar, no mínimo, os danos mais imediatos — explica Passos.
Autorização para reformar
A costureira Helena Remus, 83 anos, é do tempo em que todas as roupas da família eram confeccionadas em casa. Do vestido de noiva à cueca dos filhos, praticamente tudo que costurou na vida foi dentro do histórico casarão mantido pela família há mais de 60 anos.
A data da construção foge à memória da idosa, mas ela lembra que o sogro contava passar pela casa quando ia à escola, em 1887. Construído pelo imigrante italiano Luís Miele e depois vendido para a família Brum, o prédio da Rua Cesare Appiani hoje é residência de Helena e seu filho, Norberto Remus, 62.
A casa tem dois pisos e conta com uma estrutura anexa que abrigou uma fábrica de refrigerantes até a década de 1970. A área externa preserva as características originais, mas reformas foram feitas na parte interna para dar aconchego à família. Depois da enchente, sobraram apenas a máquina de lavar, a geladeira e as máquinas de costura.
— Ainda tem tomadas para refazer. Ser patrimônio histórico é também um problema. Alguns anos atrás o telhado estava caindo e, quando comecei a reformar, disseram que tinha que pedir licença. Mas o vento não pede licença, fiz por minha conta — conta Helena.
Antes da chuva do começo de setembro, a casa já havia passado por uma reforma custeada pelo Iphan. De acordo com Helena, o andar superior teve assoalho reformado e divisórias dos quartos retiradas. Restou um salão, hoje ocupado com objetos que a família conseguiu salvar da intempérie.
— Não tenho dinheiro para investir. Poderia fazer janelas novas, mas eles chegam, tiram as medidas e não fazem. A casinha do lado, que era a fábrica de refrigerantes, tem as janelas caindo. Disse pra eles que queria botar uma basculante, mas não posso. Então fica lá com uma folha de zinco. Vai ver assim fica dentro dos parâmetros deles — ironiza.
Apesar dos problemas, a casa histórica não está à venda. Por via das dúvidas, o filho Norberto não atribui preço que é para não receber ofertas. Seguidamente, Helena diz que só deixa o casarão para morar em outro lugar, bem específico:
— Brinco que quero sair daqui pra morar lá na rua de baixo, no cemitério. Mas, depois da enchente, nem pra lá quero ir, é muito perto do rio — disse.