Passados 30 dias da chuva que provocou a cheia do Rio Taquari, Santa Tereza ainda convive com as marcas da enchente que afetou a cidade. Entre marcas de solidariedade e estruturas a serem reconstruídas, é a mudança no local das aulas da educação infantil o improviso mais representativo. As 44 crianças que antes estudavam na Escola Descobrindo Caminhos são atendidas no Salão Paroquial do município.
Nas primeiras semanas após chuva de 4 de setembro, o local funcionou como um centro de distribuição de donativos. Atualmente, serve tanto como escola quanto refeitório para militares e voluntários que seguem auxiliando na reconstrução da cidade. Nesta terça-feira (3), cadernos e documentos ainda secavam ao sol. No pavilhão, quatro salas de aula foram improvisadas com material doado, colchões para o descanso dos pequenos e tecidos que cobriam as janelas para dar aconchego ao espaço.
Em meio às crianças que ignoram o improviso e se divertem com o espaço amplo e sem divisórias da “nova escola”, nove professoras se adaptam à realidade. A diretora Clarice Bem se mudou para a cidade e só retorna para casa aos finais de semana. Moradora de São Valentim do Sul, é uma das pessoas que ficou prejudicada pela falta de ligação mais próxima entre os municípios:
— Durmo na casa de uma das monitoras, venho por Vista Alegre do Prata na segunda de manhã e volto na sexta à noite. É muito distante, agora, para vir e voltar todos os dias. O salão facilita a entrada de pais e alunos, tem espaço pra eles brincarem quando chove e a rotina não foi alterada, fazemos tudo que se fazia na escola. É engraçado porque o espaço é mais aberto, mas não se ouve gritaria, eles fazem as atividades como faziam lá — conta Clarice.
O número de alunos atendidos pela estrutura, que foi submersa pela água, era maior. Cinquenta crianças de zero a seis anos estão matriculadas, mas a destruição de suas casas e a queda da ponte de Santa Bárbara, que ligava o município a São Valentim do Sul, fez com que seis famílias optassem pela mudança definitiva de cidade.
Construída em 2000 e instalada a duas quadras do Salão Paroquial, a única escola infantil de Santa Tereza já tem reformas adiantadas. Todo o piso e telhado já foram trocados e a expectativa da secretaria de Educação é que até o final do mês o espaço possa ser reinaugurado.
Até lá, professoras, que também perderam tudo o que tinham na enchente, fazem dos espaços demarcados do Salão Paroquial o local de cuidado de bebês de até dois anos. No berçário são três, atendidos por Ana Maria Delazzari Barella, 50.
— Tivemos muita ajuda, meu porão estava cheio de lodo, ficamos uma semana sem poder ligar a energia elétrica. Depois que nos organizamos, as aulas puderam ser retomadas, viemos para cá no dia 26 e fomos recebidos com abraços. Pra eles é diferente porque lá cada um tinha sua salinha, mas estão se adaptando bem, voltou a rotina — disse Ana Maria.
Restaurante volta a atender clientes
Na manhã de 5 de setembro, a cheia do Rio Taquari e do Arroio Barra Mansa, que margeiam Santa Tereza, alagava a cidade e deixava ilhados os moradores de duas partes do município. A entrada de Santa Tereza pela Rua José Francisco de Natal foi transformada em uma espécie de ilha. No centro dela estava o restaurante de Anésio Rizzi, o Aratinga, que perdeu todos os utensílios, mobiliários e objetos pessoais que mantinha no negócio.
Coube a Rizzi arregaçar as mangas já no dia seguinte da enchente para levantar um deles. Uma semana e meia depois, com a ajuda de empresários de Bento Gonçalves e também da comunidade, pôde voltar a servir os clientes nas mesas doadas pela comunidade.
— Não dá ficar lamentando, tem que seguir a vida e trabalhar. Tivemos muita ajuda de quase toda a região. Fogão, geladeiras, louça foi tudo doado. Não paramos nenhum dia desde a enchente. É uma canseira, o psicológico abalou bastante — conta o empresário, que tem uma segunda unidade do restaurante que também foi destruída e aguarda por mão de obra para se reerguer.
A duas quadras dali, o Restaurante do Alemão também contou com doações para dar início à reconstrução, ainda em andamento. Forros de PVC, iluminação e o novo piso chegaram por meio de doadores anônimos e emocionaram o proprietário Luciano Lopes.
— Ganhei toda a fiação elétrica. Não conheço as pessoas, mas é de arrepiar ganhar coisas assim pra se reerguer, porque tu não sabe da onde tirar. Essa semana vou vender meu carro, porque minhas economias se esgotaram também — disse Lopes.
A reconstrução leva tempo. Feita a limpeza, agora o desafio é angariar mão de obra pra instalar o piso e assim poder reinaugurar o restaurante. A expectativa é que em novembro possa voltar a receber os clientes.
Móveis novos para retomar a vida
A professora Rosângela de Souza Galves, 49, voltou para casa somente na semana passada. Ela, o marido e o filho foram precisaram ser resgatados pelo Corpo de Bombeiros na noite de 4 de setembro. Embarcados em um bote, atravessaram ruas que se tornaram um rio para buscar o carro, que haviam estacionado em um ponto mais alto da cidade. A estratégia possibilitou que a família dormisse na casa de parentes em Carlos Barbosa.
— Deu medo. Meu filho disse: "Mãe achei que a gente ia morrer". Voltamos no outro dia e nossa casa era uma montanha de entulhos — relembra Rosângela.
A família mora na última rua antes da margem do Arroio Barra Mansa, que deságua no Taquari e costumava servir como uma represa antes que o rio transbordasse. No entanto, não foi o que aconteceu naquela noite. Antes disso, a relação com o rio era bastante diferente: a família havia revitalizado uma área que servia como balneário e espaço para churrascos e confraternizações.
— Sempre fomos ribeirinhos, a margem do rio era nosso lazer — compara a professora.
Quem visita a casa hoje ainda percebe que a água subiu até atingir o telhado. Passados 30 dias, móveis novos já estão instalados e a vida começa a voltar ao normal:
— Não sabíamos por onde começar, mas baixamos a cabeça, tivemos muita ajuda e trabalhamos.