No final da tarde de segunda-feira (4) a cheia do Rio Taquari, em Santa Tereza, ultrapassou a última marcação feita por Nelson Finatto, 81 anos, na parede da oficina que mantém nos fundos do posto de gasolina administrado pelos filhos.
Mecânico aposentado do 1º Batalhão Ferroviário, responsável pela construção da Ferrovia do Trigo, Finatto marcou onde o nível da água tinha parado nas enchentes de 2001 e 2020. Instalada há duas quadras da margem do rio, a oficina documenta, com triângulos entalhados no concreto, que a água atingiu 1,3 metro da estrutura, em 1º de outubro de 2001, e 1,9 metro, em julho de 2020.
— Fiz com uma talhadeira, tinha a data mas apagou. Ficou lá por muitos anos. Essa última lembro da época que foi porque tinha consulta com cardiologista em Bento, mas a cidade ficou ilhada. As casas aqui foram construídas no limite de onde o rio chegava à época. Mas ele tem subido cada vez mais — contou.
Da sacada de casa, na Avenida Itália, onde mora com a esposa, em frente à prefeitura, Finatto presenciou, na noite daquela segunda-feira, a água atingir níveis que nunca tinha visto antes, desde que se mudou para a cidade, em 1947, aos cinco anos.
— A minha régua era a casa rosa da esquina, a primeira vez que vi entrar água no assoalho foi em 1965, quando meu primeiro filho nasceu — lembrou.
A casa que ele se refere é um prédio histórico construído em 1945. Na enchente da semana passada, a residência que abrigava uma fábrica de alambiques e máquinas de sulfatar no passado, teve os dois andares cobertos pela água do Rio Taquari.
O mesmo ocorreu na oficina, onde as marcas de enchentes de anos anteriores permanecem. Da última, feita em 2020, são quase três metros de diferença, atestando, de acordo com as marcações de Finatto, que o Rio Taquari chegou perto de atingir cinco metros de elevação na enchente.
Todo esse volume d’água deixou marcas que permanecem na cidade uma semana após a cheia do rio. Nesta segunda-feira (11), funcionários da prefeitura faziam a reconstrução de uma praça e lavavam as ruas com um caminhão pipa.
No campo de futebol dois helicópteros pousaram, trazendo representantes da Coordenadoria Estadual de Vigilância em Saúde e das Defesas Civis nacional e estadual para uma reunião com a prefeita Gisele Caumo.
— Seguimos em estado de calamidade pública. Vamos indo por etapas, conforme as orientações da Defesa Civil, e estamos alimentando o sistema com informações de tudo o que foi perdido para que sejam enviados os recursos — afirmou a prefeita.
A reconstrução, segundo a Secretaria da Fazenda, envolve perdas públicas e particulares e ainda não tem valor definido.
— É preciso contabilizar, inclusive, os serviços que estão sendo executados, mas certamente serão milhões de reais — disse a secretária Virginia Furlanetto.
Batalhão de voluntários e donativos repassados
Na entrada de Santa Tereza, o Ginásio de Esportes não parou de receber donativos durante todo o feriadão. A estrutura está repleta de garrafas de água mineral, roupas e materiais de limpeza e higiene pessoal. A quantidade de donativos recebidos possibilitou o repasse a outros municípios, como Muçum e Roca Sales. Quem coordena é a secretária de Turismo, Cultura e Desporto, Daniela Castoldi.
— Temos profissionais voluntários de toda a região que estão ajudando nosso povo a se reerguer. Vamos iniciar nessa semana o levantamento de itens, como eletrodomésticos e móveis que foram perdidos para, aí sim, angariar doações e distribuir para a população — disse.
Em outro ponto da pequena cidade, o Salão Paroquial funciona como centro de distribuição de tudo o que os atingidos pela enchente precisam para recomeçar. Uma mesa sempre posta com cafés e lanches ajudam voluntários a recarregar as energias. De Bento Gonçalves, Cidiane Conti, 48, se emocionou com a participação de centenas de pessoas durante o feriadão.
— Tinha gente de tudo quanto era lugar, não dá nem para citar todas as cidades que tinham representantes. Ganhamos muitas marmitas, então não precisou nem cozinhar — contou.
Na prefeitura, enquanto funcionários concluíam o levantamento dos estragos, uma ligação recebida perto do meio-dia oferecia hamburgueres doados para a hora do almoço. No saguão, representantes da Defesa Civil aguardavam pela reunião com a prefeita e eram atendidos pelo presidente da Câmara de Vereadores, Ivaldo Pissetti, que oferecia água em um dia abafado e agradecia pela atenção dada ao município.
— Não sei mais quanto vou viver, mas nunca vou esquecer da solidariedade das pessoas. Não há palavras para descrever o que o Exército e os voluntários de toda a Serra fizeram pela gente. Nossas casas estão limpas — disse Pissetti.