A viagem que antes levava cerca de 30 minutos entre Cotiporã e Dois Lajeados triplicou a duração e a distância desde que a ponte sobre o Rio Carreiro foi levada pela enchente da noite de 4 de setembro. Os 19 quilômetros que separam os municípios se transformaram em quase 70 quilômetros a serem percorridos pela RS-441 entre os municípios de Fagundes Varela e Guaporé.
Esse é apenas um dos exemplos de ligações entre cidades que ficaram prejudicadas desde que duas pontes da mesma região caíram. A ausência das estruturas compromete o escoamento da produção de frutas e um dos principais acessos da Serra ao Vale do Taquari.
Também sem poder contar com a ponte que ligava as localidades de José Júlio e Santa Bárbara, no encontro dos rios Carreiro e das Antas, a viagem a Bento Gonçalves, referência para municípios menores, triplicou sua quilometragem e duração. Ao atravessá-la, quem saía de São Valentim do Sul percorria 38 quilômetros, o que incluía o caminho pela ponte, até o destino na cidade vizinha. Atualmente é preciso dirigir 80 quilômetros a mais, passar por cinco municípios e enfim chegar à BR-470 que leva a Bento Gonçalves.
Para alguns, a mudança na logística não vale a viagem. Proprietário de uma lancheria ao lado de um camping de Cotiporã, Osmar Zandavalli, 64, é também pedreiro e trabalhava na construção de uma casa em São Valentim do Sul, sua cidade natal. Até então, ele podia contar com a ponte.
— Não voltei mais desde que a ponte caiu, tem muito trabalho pra fazer aqui e reerguer meu negócio. Antes, ia todo o dia de manhã e voltava à noite, dava nove quilômetros até o serviço, agora é cem — disse.
Arrasada pela correnteza que destruiu grande parte das casas às margens do Rio das Antas, Linha Alcântara, no interior de Bento Gonçalves, também perdeu sua conexão com Santa Bárbara, a primeira localidade no limite com o município de São Valentim do Sul. Pela proximidade, o local era referência para as propriedades do interior de Bento e também para moradores que mantinham casas de final de semana no outro lado do rio.
Passadas mais de três semanas desde que precisou correr morro acima para fugir da correnteza, Valter Giuriatti, 58, reergue a propriedade e calcula novas rotas para chegar à Santa Bárbara, onde se abastece com itens comprados em uma agropecuária.
— Perdi quatro hectares de parreira e umas 80 galinhas. Uma porca foi encontrada dois dias depois. São poucos moradores fixos, tem muita casa de veraneio e algumas pessoas como nós, que nasceram aqui e continuam. Meu pai morreu com 86 anos e nunca viu uma enchente assim. Essa ponte era o braço direito da população, agora ficamos isolados, eram três quilômetros pra buscar tudo, de gasolina a coisas de mercado — lamentou.
A Defesa Civil não confirma o número, mas são dezenas de residências destruídas entre Linha Alcântara e José Júlio, localidades acessadas via distrito de Faria Lemos, interior de Bento Gonçalves. A reconstrução é lenta. Na casa da família Rossini, os olhos da professora aposentada Alzira Sanches Rossini, 76, entregavam o quanto já tinha sido feito desde o dia após a enchente.
— Tinha mais de quatro metros de entulho, as árvores caídas não deixavam a gente entrar em casa. Quero voltar aqui pra descansar, e ver meus netos voltarem a usar a piscina, virou meu sonho agora. Usávamos a ponte todo o final de semana, íamos pra Dois Lajeados, para passear e fazer compras. O comércio de Santa Bárbara era muito bom, tinha tudo — contou.
A partir de municípios como Cotiporã e Guaporé, a ponte de Santa Bárbara representava também um dos caminhos para ir até Porto Alegre. De acordo com a prefeitura de São Valentim do Sul, a estrutura existia há mais de 60 anos e 80% da produção da uva, a fruta mais cultivada no município, passava pela ponte.