Após 36 dias de viagem e 1,5 mil quilômetros percorridos no lombo de mulas, um morador de Bom Jesus, nos Campos de Cima da Serra, concluiu uma jornada que envolve devoção e história. O gerente comercial Rosmar Tavares de Lima, 63 anos, chegou ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo. A viagem começou em 1º de julho e terminou em 3 de agosto, com o objetivo de pedir pela recuperação de uma sobrinha, que passa pelo tratamento de câncer, e agradecer pela própria saúde.
— Para mim uma pessoa sem fé não é nada, a pessoa que tem fé enfrenta qualquer barreira, sem medo — afirma.
Além disso, a fé se entrelaçou ao amor de Lima pelo tropeirismo. Os tropeiros foram comerciantes que a partir do século XVII transportavam no lombo de mulas mercadorias de um polo econômico a outro, atravessando estados do Brasil. Ele, então, queria reviver os caminhos que eles percorreram.
— O tropeirismo vem de berço, dos meus avós, meus pais e eu desde piá sempre gostei das lidas com mulas — conta Lima.
Na missão, embarcaram dois amigos, João Brás e Edimar Melo, moradores de Bom Jesus e que também são próximos do tropeirismo, como Lima. Um ônibus serviu de casa para os aventureiros. Outro amigo, Diego Melo, foi o motorista, que deu suporte de apoio. O veículo também foi abrigo para as seis mulas que os acompanharam na viagem. Os animais eram revezados no trajeto, para evitar o desgaste excessivo. Enquanto três mulas andavam na estrada, as outras descansavam no ônibus, próprio para transporte de animais.
O caminho de ida foi feito no lombo dos animais: uma para Lima, outra carregando a imagem de Nossa Senhora Aparecida e a outra levando Edimar ou o João, que se revezavam para acompanhar Lima na estrada. Pelo trajeto, além de fé e amor, solidariedade. Pelos quatro estado percorridos - Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo - encontraram 33 pontos de apoio. Eram amigos de conhecidos ou proprietários de CTGs, que acolheram o grupo de gaúchos com comida e estadia.
— Eu tive muita ajuda e todos foram muito importantes pra mim. As pessoas iam surgindo como um verdadeiro milagre, nos acolhendo, nos hospedando e nos guiando e todos estão guardados na minha mente, com muita gratidão e amizade por todos, pessoas e tropeiros de muito valor — descreve Lima.
A travessia do Rio Pelotas
O Rio Pelotas é uma das divisas entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O curso de água que fica entre Bom Jesus e Lajes possui cerca de 18 metros profundidade. O trajeto era encarado pelos tropeiros, que atravessavam de barco, com os animais na água. O grupo reviveu essa experiência. A travessia durou menos de cinco minutos e, de acordo com Lima, foi um dos momentos mais especiais para os tropeiros.
A chegada em Aparecida
A cidade de Aparecida fica a cerca de 170 km da capital de São Paulo e abriga o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. A fé e a persistência fizeram os quatro gaúchos chegarem ao destino no dia 3 de agosto. A chegada foi de emoção. O grupo acompanhou uma missa, para agradecer.
— A cada trecho percorrido sentia que Deus e Nossa Senhora estavam tropeando com a gente e o coração ia ficando mais aliviado. Ao chegar lá, a emoção tomou conta de mim! Parecia até um sonho — conta Lima.
O legado do trajeto
O caminho de volta foi feito de ônibus e levou 30 horas. Lima conta que quer repetir a aventura, mas que antes disso, os amigos que fez pelo caminho devem retribuir a visita. Um encontro, em Bom Jesus, está sendo organizado para os meses de janeiro e fevereiro. O objetivo é receber os 33 grupos que acolheram os gaúchos ao longo do trajeto. Parte deles quer fazer o caminho também de mula.