Quando os italianos chegaram a Caxias do Sul, em 1875, há tempos, já andavam por aqui os tropeiros — homens que tocavam as mulas, cavalos e gado, pelo Rio Grande em direção ao sudeste do país. Foram eles que fundaram os primeiros povoados no percorrer desse trajeto. Essas vilas nasceram como pontos de parada no caminho do tropeirismo e deram origem às cidades de São Francisco de Paula, Jaquirana, Cambará do Sul, Vacaria, Bom Jesus e Lagoa Vermelha, entre tantas outras na região. E o que isso tem a ver com o surgimento do tradicionalismo em Caxias? Tudo.
Os italianos estavam chegando e, ao se estabelecer, começaram a produzir mais do que o necessário para a subsistência da família. Teve início a troca de produtos da agricultura, que gerou o comércio e, o lucro do comércio, a indústria.
— Desde o final do século 19, temos referências de intercâmbio entre os colonizadores de Caxias e dos Campos de Cima da Serra, onde havia ocupação de descendentes luso-brasileiros, maioria descentes de tropeiros — explica Manoelito Carlos Savaris, historiador, ex-presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), ex-coordenador da 25ª Região Tradicionalista (25ª RT) e atual patrão do Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Campo dos Bugres de Caxias.
A partir da metade do século 20 (1940, 1950), começa o processo de industrialização muito forte em Caxias, que, precisando de operários, busca mão de obra nas cidades do entorno, dando início a uma miscigenação racial e cultural importante. Nesse momento da história, os moradores das cidades da região vivem a decadência da agropecuária extensiva, que vem junto com a adoção de técnicas de manejo que diminuem a necessidade de trabalhadores. Além disso, o tropeirismo é decadente pelo uso do transporte por meio de trem e caminhões.
— Até a metade do século 20, manifestações culturais diferentes das italianas eram muito raras, porque os que vinham de fora acabavam assumindo a cultura do italiano. Mas o processo que trouxe os italianos para Caxias, inicialmente, acaba trazendo, também, os luso-brasileiros, os gaúchos – conta o historiador, referindo à buscada “cucagna” (fortuna).
Nesse período, ressurge o tradicionalismo no Estado — que havia existido entre 1898 e 1935 e praticamente extinto com a II Guerra Mundial. A Serra não teve agremiações no período anterior à guerra. O primeiro CTG de Caxias só é criado em 1953, o Rincão da Lealdade. Nos anos seguintes, o tradicionalismo explode na cidade. As entidades eram formadas justamente pelas pessoas que vieram de outras cidades, não por imigrantes, apesar de os italianos e descendentes terem se integrado completamente às tradições gaúchas.
— Esse povo que veio para cá (Caxias) começa a implantar pequenos núcleos de tradições gauchescas no meio dos italianos e os italianos se integram. Não há nenhum conflito. Imediatamente, passam a participar dos bailes e das atividades — conta o historiador.
Caxias é a cidade com o maior número de CTGs
Com 90 entidades tradicionalistas, Caxias é líder no Estado em número de Centro de Tradições Gaúchas (CTGs). O município sedia 79% do total de 114 entidades filiadas atualmente na 25ª Região Tradicionalista (25ªRT). E tem 30% a mais do que a Capital dos gaúchos, que conta com 68 entidades.
Porém, do total de entidades de Caxias, cerca de 30 mantêm sede, promove atividades semanalmente e realiza diferentes manifestações culturais. A maioria tem a nomenclatura de CTG, mas funciona como piquetes, sem sede, com pequeno número de integrantes e voltada mais para as atividades de rodeios.
Segundo o historiador Manoelito Carlos Savaris, não há uma explicação lógica para a grande quantidade de entidades na cidade, mas ele acredita que tenha relação com o fato de mais de 50% dos habitantes de Caxias ser de fora, muitos vindos da região dos Campos de Cima da Serra, com a influência muito forte da cultura gauchesca e ligados à pecuária e, também, relação com a imigração:
— Caxias tem um fenômeno que é típico de Caxias que tem relação com o tipo de colonização: cada bairro tem uma igreja e um salão. E, se o bairro for meio grande, tem duas. Cada pequena comunidade tem a sua igrejinha, seu salão e CTG. São pequenos grupos, formados por interesse de amizade, relações familiares, de proximidade, tem vários aspectos.
Além disso, os piquetes são independentes, não estão inseridos em um CTG. Foram criados com a intenção de serem CTGs e buscam isso, segundo Savaris. Mas, para o historiador, a explicação mais apaixonante está no caráter agregador e familiar dos CTGs.
Nos próximos dias, o Pioneiro traz uma série de reportagens sobre as expressões do tradicionalismo — a dança, a música, a trova —, com base em personagens premiados no Encontro de Artes e Tradições (Enart) do ano passado, além da gineteada e o cenário atual do movimento na cidade.