O Centro de Autismo de Caxias do Sul completou um ano de funcionamento no dia 16 de agosto. A parceria entre a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e o Centro de Assistência à Saúde do Círculo atendeu a 105 crianças, com idade entre um e oito anos, em atividades multidisciplinares e gratuitas. Atualmente, 80 crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e as famílias recebem assistência de neuropediatra, psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e serviço social no espaço localizado na Rua Pinheiro Machado, no bairro São Pelegrino, no antigo Plantão da Criança.
De acordo com a coordenadora, Denise Schneider Igansi, o intuito do centro é estimular o comportamento social e o desenvolvimento das crianças com TEA, além de orientar as famílias a como lidar com esse transtorno e amenizar situações de crise, por exemplo. Mas, como aponta Denise, o primeiro passo é conhecer o autismo, tema que ainda é estudado pelos profissionais da saúde mundo a fora.
— Primeira coisa com os pais é estudar o autismo, procurar entender o que é, conhecer de que forma cada profissional pode contribuir com o filho aqui no Centro, o que a terapia pode ajudar, a pedagogia e dar as orientações — explica Denise.
Das 105 crianças que passaram pelo Centro no primeiro ano, cinco não se adaptaram à modalidade de atividades em grupo, por isso, retornaram para o atendimento individual, em outros especialistas de Caxias, também pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No caso de outras 20 crianças, as famílias optaram por não continuar no serviço por motivos de locomoção, organização familiar ou por não aceitar a forma que o programa abrange. Assim, 80 usuários seguem ativos, sendo que esse número preenche todas as vagas disponíveis.
"Esse lugar é uma bênção", diz mãe de gêmeos atendidos pelo centro
Os gêmeos Nicolas e Maik Rodrigues Cesareno, cinco anos, são autistas e participam assiduamente das atividades do centro. A mãe deles, Quellen da Fontoura Rodrigues, 35, conta que desconfiou do comportamento da dupla após o primeiro aniversário. Ela é mãe de outros dois filhos, de 11 e 17 anos.
— Com um ano e meio eu via que eles ficavam mais no chiqueirinho, não andavam, não falavam e faziam um balanço repetitivo. Eu não conhecia nada sobre o autismo. Para mim foi um choque, chorei muito — contou a mãe.
Quellen, que é moradora do bairro Desvio Rizzo, marcou pediatra para os filhos. Porém, as consultas foram marcadas com médicos diferentes na Unidade Básica de Saúde (UBS) de referência. O diagnóstico de TEA para Maik veio já no primeiro dia. Nicolas, por sua vez, só recebeu a confirmação um ano depois, quando já estava com dois anos e meio.
Ela questionou a pediatra, acreditando que o filho era deficiente. A profissional explicou para a mãe como funcionava o transtorno e orientou que buscasse médicos que auxiliassem no desenvolvimento de Maik. Inicialmente, os gêmeos foram encaminhados para atividades de fonoaudiologia, neurologia e pediatria em locais diferentes, o que dificultava a locomoção da família. A cada dia da semana um dos meninos tinha uma consulta, e a mãe precisava se organizar para deixar o outro assistido.
Em março deste ano, Maik foi encaminhado ao Centro de Autismo, e a mãe logo correu atrás para que Nicolas pudesse acompanhar o irmão. A dupla participa de atividades desde abril, e o desenvolvimento, segundo Quellen, é nítido:
— Meus filhos ainda mamavam, usavam fraldas e não falavam. Agora eles falam, vestem a parte de cima da roupa sozinhos, colocam calçado, sentam na mesa para comer, vão ao banheiro sozinhos. Antes de vir pra cá, de fruta, eles só comiam banana. Agora, já comem maçã, laranja e outros alimentos. Esse lugar é uma bênção — afirma a mãe, emocionada.
O avanço dos irmãos, segundo a coordenadora Denise, se deu também pelo empenho da família e da escola onde eles estudam meio período. Todo o aprendizado colhido pela criança nas atividades do Centro é repassado aos familiares.
Familiares também são acolhidos
Pais e filhos são atendidos simultaneamente no espaço. A família recebe informações dos alimentos e comportamentos que as crianças aprenderam no Centro para replicar em casa. Por exemplo, uma das salas simula um quarto infantil, onde a criança aprende a organizar a cama e brinquedos.
Outra preocupação é com a comunicação. Dependendo do grau do TEA (1, 2 ou 3), a criança pode ter dificuldade para desenvolver a fala. Por isso, o centro investe em uma comunicação alternativa, com figuras coladas na parede que indicam emoções como irritação, felicidade, ou necessidades como ir ao banheiro e tomar água.
— Em casa eu imprimi essas figuras que recebi aqui no centro. Eles me mostram o que querem. Também entreguei na escola e colaram na turminha deles. Tudo isso ajudou para que meus filhos tivessem essa independência— ressalta Quellen.
"Não julgue", recomenda profissional
O comportamento é a questão mais difícil para uma criança com TEA, segundo Denise. Ela explica que socializar, tolerar barulhos, o cheiro, a cor da roupa e outras situações que são comuns para pessoas fora do espectro é diferente para autistas. Quellen conta que o aspecto psicológico de uma mãe se abala com todas as mudanças e crises que a criança sofre. No centro, ela encontrou outras mães que passam pela mesma situação e não a julgam. Uma rede de apoio que faz diferença:
— Eu consigo conversar, contar meus problemas e sei que não vou ser julgada, não vão me olhar e perguntar: "cansada de quê?". Eu achei uma rede que eu precisava e sei que todos vão me ajudar, eles conversam, eles escutam, pedem para conversar comigo em particular também. Eu tenho dois filhos com autismo e não é fácil — salienta Quellen.
A mãe dos gêmeos conseguiu, por meio do Centro de Autismo, um encaminhamento para um tratamento psicológico constante, com profissionais do SUS. Segundo Quellen, esse encaminhamento é necessário para que ela esteja preparada para atender aos filhos da melhor forma possível.
Os níveis do TEA permitem que algumas pessoas não aparentem o transtorno. Por isso, uma das formas de demonstrar a condição é o uso de um colar com as cores azul, amarelo e vermelho, em formatos de peças de quebra-cabeça. A orientação da diretora da rede de atenção psicossocial da SMS, Marina Guerra, é que as pessoas procurem conhecer o TEA e os empresários busquem capacitações para atender a esse público:
— Se tem uma família passando por uma situação de crise em um local público, não se aglomere em volta, não ajude se não for solicitada sua ajuda. Mas, o principal, não julgue. Você não sabe o que está acontecendo. E não filme, não divulgue as imagens. Nem sempre é birra.
Segundo a diretora, as UBSs, além dos profissionais do Círculo, já passaram por capacitações para atender crianças com autismo. O centro disponibiliza, no final de cada mês, dois dias para receber escolas e passar as orientações. O comércio local e demais instituições também podem procurar o serviço e receber palestras da equipe multidisciplinar. O contato pode ser feito na Secretaria Municipal da Saúde pelo telefone (54) 3290-4400.
O futuro do Centro de Autismo
Uma pesquisa feita nos Estados Unidos, pelo órgão de saúde Centers for Disease Control and Prevention (CDC), demonstra que em 2020, a cada 36 crianças nascidas, uma recebia o diagnóstico do TEA. Em Caxias do Sul, o aumento também é percebido pela equipe que atende no Centro de Autismo. Denise afirma que a demanda é crescente e o diagnóstico precoce auxilia no desenvolvimento com qualidade da criança.
A gerente de assistência do Círculo, Ivonete Polidoro Pontalti, destaca que o contrato com a prefeitura não tem um prazo final e está em fase de maturação.
— Nós precisamos amadurecer o serviço. Passado o primeiro ano, vamos ver o que tem de bom e o que precisa ser mudado. Já reavaliamos a parceria duas vezes e teve mudanças, então, é um período de maturação. Seguiremos com um número limitado de vagas para solidificar o serviços, mas haverá estudos futuros para ampliação — resume Ivonete.
A gerente também comenta que representantes de outros municípios, até de fora do Estado, já vieram conhecer as atividades desenvolvidas para abrir um espaço semelhante em outros locais.
Saiba mais sobre o atendimento
:: A entrada das crianças no Centro de Autismo ocorre por meio de encaminhamento das Unidades Básicas de Saúde de Caxias;
:: A criança passa por uma avaliação de um neurologista ou de psicólogo para o diagnóstico;
:: Com o diagnóstico, a família passa a ser atendida pela rede de saúde pública, sem custos, via Sistema Único de Saúde (SUS);
:: As famílias são encaminhadas para conhecer o Centro de Autismo e as atividades em grupo;
:: No espaço é assinado um termo. A família deve se comprometer a dar continuidade das atividades em casa e participar de todas as ações propostas;
:: As crianças são atendidas por um ano e meio. A família, além desse período, por mais seis meses, totalizando 24 meses de atendimento;
:: A primeira avaliação dos profissionais do centro é para identificar qual o grau de autismo da criança (1, 2 ou 3), a idade dela e os níveis de habilidade. Com esses critérios, são organizados os grupos;
:: As crianças e as famílias são atendidas de segunda a quinta, duas vezes na semana, com atividades que duram cerca de uma hora e meia;
:: As sextas-feiras são reservadas para os profissionais fazerem uma reunião interna, avaliar a semana, a evolução dos alunos e planejar os dias seguintes;
:: Dois dias por mês o centro é aberto para escolas da rede municipal e privada que tenham interesse em receber orientações sobre o autismo;
:: Há uma fila de espera, com número não divulgado pela equipe, aguardando a abertura de vagas;
:: Após o período de dois anos, a criança é direcionada para a rede de saúde com profissionais específicos.