"É como um soco que vem de baixo pra cima, um estouro que chega a tremer a casa”. O relato de Valdoir dos Santos, morador do bairro Castelo, em Caxias do Sul, há 30 anos, ilustra o que ele e os vizinhos têm sentido desde a última semana. Com maior ocorrência durante as madrugadas, mas também com episódios registrados durante o dia, os abalos têm intrigado os moradores.
O fenômeno é relatado também por quem mora nos bairros vizinhos. Assim como no Castelo, os bairros Marianinha e Ana Rech concentram relatos parecidos de quem acordou assustado na última segunda-feira (10). Há um consenso entre os moradores que o mais alto dos barulhos tenha ocorrido por volta da 1h45min daquela madrugada.
No início dessa semana, o assunto na região não poderia ser outro. As especulações sobre o que motivou os tremores eram trazidas pelos clientes da ferragem de Vagner Babinksi, 36.
— Ninguém sabe dizer o que é. Parecia um trovão de um raio que caiu muito perto, tipo uma trovoada que vem de baixo e faz o chão tremer. Depois de uns cinco minutos voltou a acontecer outras duas ou três vezes, mas de forma mais fraca — conta.
O Corpo de Bombeiros de Caxias do Sul não tem o número preciso de quantos chamados ocorreram nos últimos dias, mas confirma que foram recebidas ligações que relatavam o ocorrido. A Defesa Civil monitora a situação e diz que não há ocorrência de prejuízos à população.
— Foram cerca de 25 chamados vindos também dos bairros Serrano e Jardim Eldorado. Ouvimos especialistas da área, que nos explicaram que a grande quantidade de chuva faz com que o solo se readapte. Um sismógrafo instalado em Canela vai poder nos dizer o tamanho do abalo — afirma Luis Fernando Pinheiro, coordenador da Defesa Civil.
Sentidos desde a Rua Governador Euclides Triches, no principal acesso ao bairro pela BR-116, os tremores, de acordo com os relatos, parecem vir da parte mais alta do bairro, na divisa com o bairro Marianinha. Sem saída, a Rua José Rogério da Luz tem prédios que não ultrapassam a altura de cinco andares e moradores preocupados com a frequência dos fenômenos. No final dela, o aposentado José Roque Castilhos dos Reis, 68, diz ter voltado a presenciar os estouros que já haviam ocorrido no passado e que, segundo ele, nunca foram explicados.
— Fazia tempo que não acontecia, há uns 10 anos atrás lembro de estar esperando o ônibus e ter acontecido. As pessoas chegaram a pular, assustadas. E agora está voltando — disse Reis.
Solo rochoso e volume de chuva podem explicar
Tremores não são novidade em Caxias do Sul, que em 2010 chegou a encomendar um estudo ao Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB). Os últimos relatos do fenômeno são de 2018, nos bairros Petrópolis, Cristo Redentor, Lourdes, Sagrada Família e Presidente Vargas. Na época, o Corpo de Bombeiros recebeu 200 ligações relatando o fenômeno.
Para o geólogo Sérgio Roberto Mattana, os motivos que causaram os tremores na região do bairro Castelo são os mesmos de ocorrências anteriores.
— Para mim está parecendo aquilo que aconteceu anos atrás e eu dizia que isso vai voltar a ocorrer quantas vezes a natureza achar por bem que deva acontecer. A gente não tem o domínio disso, mas nada que a população tenha que ficar apavorada, porque são pequenos tremores causados por acomodações de camadas no interior da terra — explica.
As acomodações citadas por Mattana ocorrem na extensa camada de basalto que está sob Caxias do Sul. A água que corre sobre as fissuras de rocha causam a acomodação do solo e fazem tremer a terra.
— A grande quantidade de chuva dos últimos dias pode ter influenciado, Toda a água funciona como um lubrificante, tende a instabilizar o terreno e favorecer o deslocamento. O barulho causado por isso é característico de um trovão quando toca o solo — disse.