Em menos de duas semanas, comerciantes e clientes de Gramado precisarão adotar um novo comportamento na hora de embalar e levar as compras para casa. Depois de três mudanças de texto e uma de prazo, entrará em vigor no próximo dia 12 a lei que proíbe a distribuição gratuita de sacolas plásticas, incluindo a versão biodegradável, em estabelecimentos comerciais da cidade da Região das Hortênsias. O objetivo é incentivar o uso de sacolas retornáveis e caixas de papelão, por exemplo, ajudando a reduzir o uso do plástico e gerando menos lixo em um dos destinos turísticos mais visitados do país.
Uma mudança de hábito que tem gerado dúvidas, incertezas e desconhecimento — mesmo após três anos do início das discussões. Na última semana, a cidade realizou a primeira de uma série de três oficinas de orientação com o comércio para explicar o que pode e o que não pode quando a lei entrar em vigor. O espaço, segundo a prefeitura, busca também colher sugestões para uma possível nova alteração na redação da lei — discussão que deverá ser feita em breve junto ao Legislativo.
Entre os pontos que geram divergência de interpretação está um dos artigos da lei que orienta sobre a possibilidade de comercializar a sacola plástica — uma vez que o texto proíbe a distribuição gratuita, como ocorre atualmente. O texto diz que a venda só deve ocorrer de sacola que seja resistente, duradoura e reutilizável, ou seja, elenca características e não especifica qual material, de fato, é permitido para venda.
Outra dúvida do comércio é sobre quanto cobrar por uma sacola, por exemplo, sem que um estabelecimento comercialize por um valor maior ou menor do que outro.
— Leis que mudam o hábito das pessoas, no dia a dia delas, precisam estar com as regras bem claras para atingir o objetivo. Hoje, lendo e relendo a lei, a gente consegue identificar alguns pontos que, talvez ali no futuro, a gente consiga melhorar para ficar de forma mais clara — afirma a secretária municipal do Meio Ambiente de Gramado, Cristiane Bandeira, lembrando que as regras foram propostas pela Câmara de Vereadores e sancionadas pelo prefeito em dezembro do ano passado.
A proposta de desestimular o uso das sacolas em Gramado começou a ser discutida em 2020. Na época, os vereadores aprovaram o projeto de lei que previa a proibição à distribuição de sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais, mas permitia as versões biodegradáveis do acessório. A lei, de autoria dos vereadores Renan Sartori (MDB) e Professor Daniel (PT), entraria em vigor um ano e meio após ser sancionada pelo Executivo, período considerado necessário para adaptação dos comerciantes e para que a prefeitura realizasse campanhas educativas com a comunidade para incentivar o uso de sacolas retornáveis.
Esse prazo encerrou em junho de 2021, mas foi prorrogado em 12 meses devido à pandemia. Uma modificação de autoria dos autores do projeto determinava também a proibição das sacolas biodegradáveis, o que não estava previsto no texto original. Além da alteração no texto, a nova lei previa que as regras entrassem em vigor a partir de 8 de dezembro do ano passado, mas foi novamente adiada para julho deste ano.
— O interesse em propor essa lei foi o nosso engajamento com o meio ambiente. A gente entende que somos protagonistas de uma agenda que, automaticamente, vai chegar em mais cidades e em níveis federais. Existem compromissos adotados com a Organização das Nações Unidas (ONU) que prevê, até 2030, diminuir o uso do plástico e reduzir a produção de lixo — afirma o vereador Renan Sartori.
Comerciantes e clientes com dúvidas
Ainda aguardando orientações, boa parte dos comerciantes ainda não sabe como será a partir de 12 de julho. Há mais de três décadas como um dos responsáveis de um supermercado em Gramado, Cristiano Medeiros Martins diz que se sente confuso na hora de tirar dúvidas dos clientes que o questionam sobre a lei.
Segundo ele, o estabelecimento gasta, em média, R$ 10 mil na compra das sacolas plásticas — incluindo os rolos para embalar frutas, verduras, carnes e pães, por exemplo. Para se adequar ao novo regramento, ele buscou fornecedores de sacolas retornáveis, mas não encontrou opções viáveis para oferecer aos clientes.
— Muitas pessoas que compram aqui nos perguntam sobre as regras, se a lei vai começar, de fato, mas nós também temos dúvidas. Acho que é uma lei positiva, vai diminuir o lixo, mas para o cliente vai ser uma mudança muito grande. Não sabemos se vamos poder vender a sacola, mas também não sabemos como operacionalizar. Vou precisar cadastrar e passar o código de barras? — questiona.
Proprietário há 11 anos de um armazém no bairro Planalto, o comerciante Ronaldo Gallas tem alertado os clientes sobre as discussões. Recentemente, ele fez uma enquete com os seguidores nas redes sociais do estabelecimento e identificou que 57% dos que responderam ao questionamento não sabiam da lei das sacolinhas.
— Foi uma surpresa (o resultado da enquete) e a gente sabe que uma lei, para entrar em vigor, precisa ser bem divulgada. Vejo que foi pouco divulgado e vai pegar muita gente de surpresa. E afeta todo o comércio de Gramado, não apenas o supermercado. É o estabelecimento que tem mais consumo de sacolas, claro, mas a cidade toda tem muitas lojas e ela vai atender a todos — explica.
O Sindilojas Região das Hortênsias disse que entende a importância da preservação do meio ambiente e isso só será possível com amplas campanhas de conscientização e educação ambiental.
— Copos e garrafas pet também poluem se descartados de forma incorreta, nem por isso sua utilização é proibida — afirma o presidente da entidade, Guido Thiele.
Entre os clientes há quem elogie os benefícios ambientais da lei, mas ainda continua aceitando as sacolas de plástico fornecidas pelo supermercado pela praticidade.
— Acho positivo para o meio ambiente, a gente consome muita sacola plástica. É uma questão de se acostumar. Existem sacolas de pano e as sacolas de plástico que as pessoas tem em casa podem ser novamente utilizadas nos mercados — conta a recepcionista Esther Azevedo de Almeida.
— Acho super positiva. Usamos há muito tempo esse sistema de sacola. Antigamente, a gente usava mais sacolas retornáveis, mas que acabou caindo em desuso por uma vontade popular de ter mais agilidade. Mas a questão ambiental foi muito afetada — afirma o artesão João Daniel Meirelles Justo.
Um raro exemplo vem da publicitária Ângela Almeida. Ela fazia compras em um supermercado na manhã da última sexta-feira (30) e disse que sempre solicita caixas de papelão para o dono do estabelecimento.
— Tenho consciência ambiental e sei que é aos poucos que vamos mudar hábitos que nos acompanham há tanto tempo — conta.
O que diz a lei
- Fica proibida a utilização e distribuição gratuita aos consumidores de sacolas plásticas de qualquer tipo, inclusive as biodegradáveis, para acondicionar e transportar mercadorias adquiridas em estabelecimentos comerciais do município de Gramado.
- O estabelecimento poderá oferecer outro tipo de embalagem para ser vendida ao consumidor, de características mais resistentes, de uso duradouro, para ser reutilizada em compras futuras.
- Os estabelecimentos comerciais devem estimular o uso de sacolas reutilizáveis, confeccionadas com material resistente e que suportem o acondicionamento e o transporte de produtos e mercadorias em geral.
- O descumprimento sujeita ao infrator à multa no valor de R$ 1 mil por infração. Nos casos de reincidência o valor da multa será aplicado em dobro. A partir da terceira notificação por infração, poderá o município proceder a cassação do alvará de licença do estabelecimento do infrator.
- A fiscalização da aplicação desta lei será realizada pela Secretaria Municipal competente, no caso, de Meio Ambiente.
Fonte: Câmara de Vereadores de Gramado
"Não vamos ver uma sacolinha e sair multando", diz secretária do Meio Ambiente
A tarefa de liderar as ações de conscientização ambiental na cidade em um momento de mudança no comportamento é da secretária municipal de Meio Ambiente, Cristiane Bandeira. Além das oficinas de orientação com o comércio, a secretaria planeja visitar todos os estabelecimentos de Gramado partir de 12 de julho para reforçar a campanha e entregar adesivos de orientação para serem fixados nas vitrines e próximo aos caixas de supermercados. A prefeitura também mandou confeccionar sacolas retornáveis, que ficarão à disposição nos estabelecimentos para auxiliar quem for pego desprevenido.
Apesar da lei prever multa para quem descumprir a regra, a secretária disse que não haverá autuações neste momento. O objetivo é educar e, se não surgir efeito, notificações deverão ser feitas antes de uma eventual aplicação de multa ou cassação de alvará, em caso de reincidência — como prevê a lei.
Confira o que disse a secretária:
:: Ações de orientação
— A lei nasceu em 2020 e teve ao longo desse período algumas alterações. A secretaria do Meio Ambiente fez ações de educação ambiental, principalmente nas escolas do município, alertando sobre o uso consciente e o descarte correto do plástico. Agora que a lei está próxima de entrar em vigor estamos nos reunindo com os principais multiplicadores, que são as entidades do município, para tirar dúvidas e reforçar a importância do programa de conscientização para reduzir o plástico. É uma atitude local, mas com grande importância global.
Temos também o planejamento de visitar farmácias, lojas e supermercados e distribuir um material de orientação. São adesivos que estarão na entrada e nos caixas, informando sobre a lei. Desenvolvemos também flyers simples, com linguagem didática,acessível, para que as pessoas saibam que Gramado tem essa preocupação.
:: Mudanças na redação da lei
— Leis que mudam o hábito das pessoas, no dia a dia delas, precisa estar com as regras bem claras para atingir o objetivo. Hoje, lendo e relendo a lei, a gente consegue identificar alguns pontos que, talvez ali no futuro, a gente consiga melhorar para ficar de forma mais clara. Se for possível a comercialização de sacola plástica, que isso fique redondinho. A lei diz que tu não pode distribuir de forma gratuita a sacola plástica e tem que substituir por sacolas de papel, caixas de papelão ou sacolas reutilizáveis estilo ecobag.
Em relação à venda, a cobrança por uma outra forma de acondicionamento da mercadoria, a redação nos diz que tem que ser um material resistente, duradouro e reutilizável. Entendemos que talvez a sacola plástica não se enquadre nessa característica e a gente tem uma certa divergência de interpretação. Acredito que a partir das oficinas, de uma construção coletiva, a gente alcance uma redação que realmente alcance a finalidade de reduzir o uso da sacola plástica.
:: Fiscalização
— O que eu tenho dito é que a gente não vai ver uma sacolinha e começar a multar, autuar o estabelecimento. Não é essa a ideia porque a finalidade da lei é conscientizar para que as pessoas mudem o seu hábito. A lei prevê multas, mas nós vamos, primeiro, orientar. A nossa ideia é visitar o comércio, levar o material educativo, tirar dúvidas e pedir para que ele contribua. Se tiver alguma situação, após a orientação, vamos passar para uma notificação. A aplicação de multa é o último caso. Acredito que não vamos pensar em multas nesse primeiro momento.
:: Pioneirismo de Gramado
— Eu acho que, mais uma vez, que Gramado inova com atitudes sustentáveis. Além das sacolas plásticas, Gramado também inovou (na proibição) nos canudos plásticos, nos fogos de artifício. Tem muita coisa bacana que foi impulsionada aqui e que tem uma preocupação com o meio ambiente. Somos uma cidade turística e sabemos que muitos turistas adotam sacolas reutilizáveis nos seus Estados ou países de origem. Queremos também que Gramado estimule outros municípios a fazer o mesmo e nos ajude nessa discussão coletiva. O início da vigência da lei vai nos permitir analisar na prática, entender os resultados.
Escolas realizam ações de conscientização
Ensinar o descarte correto dos resíduos e mostrar alternativas que visam a produção de menos lixo no planeta ganhou mais espaço nas salas de aula das escolas municipais de Gramado. A sustentabilidade é trabalhada em todas as disciplinas, das mais diferentes faixas etárias, e ganha destaque em murais das instituições.
Na Escola Municipal Presidente Vargas, no bairro Vila Suíça, estudantes do 5º ano receberam a visita de agentes da Secretaria Municipal do Meio Ambiente para uma dinâmica em sala de aula. Um a um, os pequenos eram convidados a escolher um resíduo sobre a mesa, entre plásticos, cascas de frutas, pilhas e celulares, e depositarem no lixo correto, seja ele seletivo, orgânico ou especial. Em caso de dúvida, toda a turma era convidada a ajudar na missão.
— Quanto antes as crianças tiverem bons hábitos sustentáveis, aprenderem desde cedo, mais chances a gente tem de mudar o nosso planeta. E elas nos ajudam a levar as orientações para casa, economizando luz, água, separando o lixo, ter a sua compostagem — conta a professora Márcia Fabiana Marques.
Quem participou da atividade reforçou o que já sabia, mas também aprendeu coisas novas.
—Aprendi que é bem importante reciclar o lixo porque a gente ajuda o meio ambiente e os lixeiros — disse Giovana de Castilhos, 11 anos, referindo-se aos profissionais responsáveis pela coleta do lixo.
— A comida vai no lixo orgânico. Objetos de plástico, como garrafa, podem ser reciclados e celular velho, pilha estragada, vão no lixo especial — ensina Daniel Azambuja, 10 anos.
A ação na escola não foi isolada. A professora orientou os alunos sobre a importância de ter uma sacola retornável na mochila. Ainda durante o trimestre, a prefeitura de Gramado distribuiu um álbum de figurinhas sobre a fauna e a flora da cidade. Entretanto, na Presidente Vargas os alunos precisaram trocar tampinhas de garrafa pelas figurinhas para poderem, enfim, completar o álbum. As tampinhas serão entregues para ONGs ambientais.
Por que a sacola plástica é o alvo
Segundo especialistas, as sacolinhas têm alto custo ambiental: elas são produzidas a partir de petróleo ou gás natural (recursos naturais não-renováveis), depois de usadas, em geral por uma única vez, costumam ser descartadas de maneira incorreta e levam cerca de 450 anos para se decompor.
Nesse tempo, aumentam a poluição, entopem bueiros, impedindo o escoamento das águas das chuvas, ou vão parar em matas, rios e oceanos, onde acabam engolidas por animais que morrem sufocados ou presos nelas.
A professora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciências Ambientais da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Susana Maria De Conto, afirma que é necessário adotar um comportamento de reduzir e também reaproveitar os resíduos gerados pela sociedade, principalmente as embalagens.
— Em geral, a população vai ao mercado, compra, usa e descarta. Mas não questiona a origem e não se debate o pós-consumo. É aqui que falhamos. Mas não se trata apenas de banir. Podemos também reduzir o uso da sacola plástica quando colocamos o máximo que a embalagem comporta, não colocando um único produto em cada sacola e saindo do supermercado carregado e sem tanta necessidade— ensina.
Entidades e pesquisadores dos benefícios do plástico garantem que o material não é o vilão do meio ambiente e que a sociedade carece de ações de sustentabilidade, que conscientizem sobre o descarte correto dos resíduos. O professor e pesquisador da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Diego Piazza, entende que o grande desafio que se tem hoje é trabalhar cada vez mais com o consumo e o descarte consciente
— O material polimérico não é o vilão, mas, sim, o homem. Isso serve para todos os materiais, não apenas o plástico. A partir do momento que você faz um consumo excessivo, faz um uso e descarta de forma inadequada, a gente percebe que o vilão é o homem, que não percebe que os nossos hábitos acabam impactando na natureza — explica.