A cada nova chuva forte ou previsão de temporal, uma nova apreensão. Medo de perder bens materiais, de perder a vida, como foi no caso de Geisson Maximovitz, 34 anos, que há exatamente três anos, no dia 7 julho de 2020, morreu soterrado após um deslizamento no loteamento Mariani. Essa é a realidade de muitos moradores de bairros de Caxias do Sul, cidades que ocupa o terceiro lugar no ranking dos locais com mais risco para deslizamento de terra e inundações no Rio Grande do Sul, segundo o governo federal.
Os dados são do AdaptaBrasil, uma plataforma do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que trata de índices e indicadores de risco de impactos das mudanças climáticas no Brasil no atual momento, em 2030 e em 2050. Para o presente, o índice de ameaça de inundações, enxurradas e alagamentos é "muito alto" em Caxias, assim como índice de ameaça para deslizamento de terra. Respectivamente, os índices apontam 0,7 e 0,8, em uma métrica que vai de 0 a 1.
A categorização é feita com base em características topográficas (altitude, declividade, acúmulo de fluxo), geológicas (tipo de solo, distância dos rios), fatores humanos (cobertura e uso do solo) e as informações meteorológicas. Dentro dos índices para os dois tipos de desastre geo-hidrológicos, está um indicador de domicílios particulares permanentes expostos a desastres naturais, que varia de 21% a 23,9% no município.
A análise do governo federal não detalha quais áreas do município têm maior risco, mas um estudo da prefeitura de Caxias, executado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), apontou os bairros Cânyon, Diamantino, Euzébio Beltrão de Queiroz, Jardelino Ramos, Monte Carmelo, Portinari, Planalto, Vila Ipê e Villa-Lobos como pontos sensíveis a situações como deslizamentos de terra e quedas de rochas.
Desde o ciclone, que atingiu a região no último dia 16 de junho e provocou mortes e estragos em todo o Estado, a equipe da Defesa Civil vem realizando vistorias para conseguir atender possíveis demandas e prevenir acidentes. A mais recente, na manhã desta quinta-feira (6), envolveu uma casa no loteamento Jardim dos Reis, no bairro Cruzeiro, que estava prestes a desabar. A dona da moradia, Denise Duarte, e o namorado escutaram estralos e decidiram sair do imóvel. A construção acabou inclinando em direção ao barranco do terreno.
Apesar do susto, ninguém ficou ferido. Denise afirma que a estrutura foi malfeita. Por motivos de saúde, ela diz que não conseguiu reformar a casa. O imóvel será demolido pela Secretaria Municipal da Habitação e uma novo deve ser construído, de forma regular. Até lá, Denise receberá o auxílio-moradia, no valor de R$ 760.
Este é o processo de praxe da pasta, que junto à Defesa Civil, vem tentando mapear famílias em áreas de risco. Segundo o titular da secretaria da Habitação, Wagner Petrini, as ocupações acabam ocorrendo em função do crescimento populacional de Caxias.
— Caxias do Sul vem crescendo muito além das áreas que a gente já tem, por ser uma cidade rica, mas que vem junto a questão social e que (famílias) acabam se instalando em lugares que não têm infraestrutura e, principalmente, na nossa região que tem áreas de morro — comenta Petrini.
A ideia é que, até o final do ano, seja lançado o retorno do projeto habitacional de loteamentos populares. Hoje, de acordo com o secretário, há uma média de 20 a 30 famílias, de diferentes pontos da cidade, que estão com o auxílio-moradia até serem levadas para um local seguro.
Além de Caxias, na Serra gaúcha, outros municípios apresentam risco, apesar de nenhum ser "muito alto". Bento Gonçalves e Pinto Bandeira tem risco alto. Já Gramado, Canela, São Francisco de Paula, Vacaria, Antônio Prado, São Marcos, Flores da Cunha, Farroupilha, Garibaldi, Carlos Barbosa e Guaporé tem risco médio.
Uma noite que ainda está na memória
Geisson Maximovitz estava em casa com uma mulher e o filho dela no loteamento Mariani na noite de 7 de julho de 2020. Um ciclone extratropical atingiu a Serra e chovia intensamente. Uma encosta desmoronou na Rua Adelaide da Silva e atingiu a residência. A mulher e o filho conseguiram sair. Já o corpo de Maximovitz foi encontrado por volta das 23h daquela noite.
O presidente da Associação dos Moradores do Bairro (Amob) Mariani, Diego Gois, lembra daquele caso até hoje. Ele conta que estava no trabalho e, quando soube que haviam possíveis mortes, saiu correndo para o local. Conforme Gois, não só ele, mas outros moradores nunca esqueceram o que aconteceu.
— Dá uma chuva e o pessoal me chama. A gente tira foto para levar na Habitação. Na hora que chove, a apreensão aumenta — diz o presidente da Amob.
Gois destaca que há diversos protocolos na Habitação e na Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) sobre ocupações em áreas de riscos e também árvores que apresentam riscos, mas, para ele, "falta preparo". O morador também ressalta que o descarte irregular de móveis e lixo também impacta.
— Uma vez, uma casa estava alagando sempre que chovia. Cerca de 40 centímetros de água dentro. Resolvemos abrir a boca de lobo, ver o que estava acontecendo, se não estava dando conta. Tinha um colchão de casal dobrado dentro, que impedia a água de passar.
Impacto também no comércio
São várias comunidades que convivem com problemas ocasionados pela chuva em diferentes níveis. O presidente da Amob Santa Catarina, Jones Perin, diz que o bairro sofre com alagamentos há "muitos e muitos anos".
— Inclusive no meu prédio, na garagem, ficou com sete carros com água até o teto uma vez que choveu. Uns tinham seguro, mas eu mesmo não tinha, me dei mal — compartilha Perin.
Representante do Santa Catarina desde 2017 e envolvido com a Amob há ainda mais tempo, Perin diz que sabe de muitos comerciantes que saíram do bairro devido aos impactos do clima.
— Tinha uma academia, por exemplo, que eles cansaram de ter água lá dentro. Mudaram de bairro. Isso nos prejudica como bairro — analisa.
Prefeitura não divulga número de famílias em áreas de risco
Procurada pela reportagem para detalhar a estimativa de famílias e moradias em áreas de risco em Caxias do Sul, a Semma apenas encaminhou a informação da assinatura da criação do Plano Municipal de Contingência de Proteção e Defesa Civil (Placon), realizada em abril deste ano. No caso, não há divulgação de quantas pessoas podem estar sujeitas a desastres naturais na cidade.
Em nota, a prefeitura explica que o Placon norteia atendimentos de desastres naturais como inundações, enxurradas, alagamentos, enchentes, granizos, vendavais, tempestades e estiagem no município e estabelece procedimentos a serem adotados pelos órgãos envolvidos direta ou indiretamente na resposta à emergência destes casos.
O documento é de acesso público e está no site da prefeitura (confira também abaixo). Nele, são tratadas questões de socorro às pessoas, a reabilitação do cenário de risco e a redução de danos e prejuízos causados em eventos antes que se concretizem, além da padronização de prevenção, monitoramento, alerta, alarme e resposta.
Previsão de temporal e ventania nos próximos dias
Apesar de não ser tão forte quanto o ciclone extratropical do último dia 16 de junho, a Serra gaúcha tem previsão de temporal com ventos fortes para sexta (7) e sábado (8). As rajadas podem ter picos de 90 a 100 km/h, de acordo com a Climatempo. Um alerta do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), válido das 6h de sexta até 12h de sábado, informa chuva de 30 a 100 mm/dia e queda de granizo.