A falta de leitos para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) levou à suspensão temporária, por 15 dias, de cirurgias eletivas em Caxias do Sul no dia 7 de junho. A medida foi adotada para desafogar os Hospitais Pompéia e Geral. Quase uma semana depois, a situação segue desafiando a gestão da saúde pública, mas foi amenizada em relação aos primeiros dias de junho, segundo as autoridades.
No final da tarde desta terça-feira (13), de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), 34 pacientes estavam na fila de espera por leitos — todos eles estavam internados nas UPAs Central e Zona Norte.
A diferença agora é que a alta ocupação, que quase havia levado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ao colapso, não afeta tanto esse setor. Por terem que esperar leitos para os pacientes transportados, quase todos os veículos tiveram que ficar parados em frente aos hospitais ou às UPAs em inúmeros momentos do início deste mês. Nos casos urgentes, que necessitam a internação imediata, a assessoria da secretaria explica que toda a equipe do Samu envolvida no atendimento fica responsável pelo paciente até que ocorra a regulação para o leito. Conforme a SMS, a partir da suspensão de cirurgias eletivas em 7 de junho, não houve mais o registro de ambulâncias retidas nas UPAs ou hospitais por conta dessa espera. Ainda de acordo com a pasta, o quadro tem amenizado em função do maior giro de leitos registrado nos últimos dias.
Antes da crise, no início de junho, o Samu fez 1.634 atendimentos com ambulância ou motolância em Caxias no mês de maio. Dentro destes atendimentos, 50 foram urgentes — ou seja, em que veículos da emergência precisavam ficar retidos com pacientes. No mesmo período, os hospitais Geral e Pompéia, que são os que mais recebem casos do SUS, tiveram 1.815 novas internações, seja daquelas encaminhadas por UPAs, Samu ou de pacientes que foram direto aos hospitais.
O tempo de espera
A Secretaria Municipal da Saúde também informa como está o tempo de espera atual para quem está na fila pelos leitos hospitalares. As médias são, geralmente, divididas em três grupos:
- Média de cinco a sete dias para os casos que precisam de leito de internação em alta complexidade, atendidos por Pompéia ou Hospital Geral.
- Média de um a dois dias para os casos de menor complexidade, atendidos também pelo Hospital Virvi Ramos.
- Pacientes com risco iminente de morte, sofrimento intenso ou risco de lesão permanente têm acesso hospitalar imediato garantido pela chamada “vaga zero”.
Quadro das cirurgias adiadas
Neste momento, 7.760 pacientes de Caxias e 2.314 pacientes da Serra estão à espera das cirurgias eletivas — mais de 10 mil pessoas. A SMS garante que os procedimentos que estavam agendados neste período e foram suspensos em razão da medida adotada no Pompéia e no HG serão remarcados:
"A Secretaria Municipal da Saúde reitera, ainda, que a suspensão temporária das cirurgias foi uma medida extrema, adotada unicamente para garantir que pacientes com quadros graves e com necessidade de internação urgente não deixassem de ser atendidos em tempo oportuno. Todas as cirurgias adiadas não eram de de caráter urgente e serão remarcadas".
Ocupação maior que a capacidade no Hospital Geral
Para exemplificar o dilema dos profissionais de saúde com a superlotação, o Hospital Geral abriu as portas do pronto-socorro nesta terça-feira (13) à reportagem do Pioneiro. A inconstância sempre marcou o fluxo de atendimentos de urgência e emergência na instituição. Mas, com a falta de leitos para internação dos pacientes, a imprevisibilidade vira um fator de preocupação porque, de uma hora pra outra, pode levar à superlotação.
Segundo a direção do HG, a ocupação maior do que que a capacidade no setor tem sido recorrente e se agravou nas últimas semanas. Na noite de segunda-feira (12), por exemplo, os espaços que comportam até 13 pacientes adequadamente acomodados chegaram a ter 22 pessoas sendo atendidas ao mesmo tempo.
— A grande questão é manter o atendimento de qualidade e dar a assistência necessária pra cada caso. A gente tem que se sobressair e fica a angústia de, daqui a pouco, estar deixando passar alguma coisa. Sobrecarrega as equipes, a gente tenta acelerar o processo para liberar pacientes para onde tenham que ir, mas nos angustia bastante — relata o médico emergencista Thyago Anzolin Coser, um dos coordenadores médicos do pronto-socorro do HG.
Na manhã desta terça-feira (13) a equipe formada por dois médicos, dois enfermeiros e dois técnicos em enfermagem trabalhava com mais tranquilidade, embora a lotação estivesse no limite. Confira como estava o cenário por volta das 8h30min, quando a reportagem esteve no local.
:: A sala com cinco poltronas, onde são administradas medicações, em casos menos graves, era ocupada por dois pacientes.
:: A sala amarela, onde ficam casos intermediários, estava com os quatro leitos que dispõe ocupados.
:: A sala vermelha, onde são recebidos o casos mais complexos, com quatro leitos, acolhia cinco pacientes.
:: Na sala de emergência, voltada à estabilização de casos graves que chegam, geralmente, de ambulância, dois pacientes ocupavam os dois leitos disponíveis até que um terceiro precisou do atendimento e também foi acomodado na sala. Na noite anterior, o espaço chegou a ser ocupado por cinco pacientes, sendo que três macas de ambulâncias ficaram retidas até que o paciente fosse destinado para algum leito.
— Quando a maca fica retida, a ambulância fica retida. É um protocolo do Samu de Caxias do Sul, que julga que a maca faz parte da ambulância e que seria um risco se deslocar sem o equipamento, porque pode ser acionada para outro socorro e não dispor da maca. Em alguns casos mais críticos, se busca fazer a reposição da maca para poder liberar a ambulância. Cada caso é avaliado, sempre avaliando o melhor para o paciente — relata o médico, que também trabalha para o Samu na cidade.
— O ideal seria não ter pacientes na sala de emergência, porque seria um espaço apenas para estabilização inicial, mas eles acabam ficando quando não se tem a capacidade de colocar na vermelha ou na amarela. Por isso, quando temos 11 pacientes, já consideramos o máximo, porque seria sem contar esses dois leitos da sala de emergência — completa.
Ele explica que o gargalo, atualmente, concentra-se no setor de urgência e emergência adulto, que recebe paciente dos 49 municípios da região para os quais é referência, especialmente em casos vasculares e cardiorrespiratórios que, mesmo quando não há vagas, continuam dando entrada, atendendo à regulamentação vigente. Depois de estabilizar o paciente, determina-se encaminhamento para UTI, que dispõe de 30 leitos, ou enfermaria, que tem 275 leitos.
A suspensão de cirurgias eletivas, adotada temporariamente pelo HG desde o dia 2 de junho, vem sendo uma das formas de garantir a disponibilidade de leitos. Paralelamente, há cerca de duas semanas, as equipes estão colocando em prática o chamado Plano de Capacidade Plena (PLP), sistema que contribui para medidas que desafoguem, principalmente, o pronto socorro. O sistema chamado Huddle permite a realização de um check list, duas vezes ao dia, sempre às 10h30min e às 15h30min, por meio de um banco de dados alimentado pelas equipes dos mais diversos setores. O número de pacientes relacionados em cada setor permite que a direção tome decisões, como a de ocupar outros espaços que disponham do aparato necessário.
— É um projeto de melhoria que vem sendo desenvolvido desde o ano passado com o Hospital Moinhos de Vento, o Hcor, de São Paulo, o Ministério da Saúde também, e que está sendo implementado aqui porque se julga que pronto socorro seria um setor de passagem, não um setor em que o paciente fosse ficar em toda a internação. Com a ferramenta, os pacientes podem ser absorvidos por setores como os da hemodinâmica (onde pacientes se recuperam de procedimentos como cateterismo, por exemplo), ou mesmo da pós-cirurgia, até que não se tenha liberado um leito de enfermaria — explica Coser.
A ampliação de 83 leitos para diferentes finalidades, ainda sem data prevista, assim como uma ampliação do próprio pronto-socorro, por enquanto apenas cogitada pela administração, colocam no horizonte a possibilidade de um cenário melhor, tanto para as equipes quanto para os pacientes.
Enquanto isso não acontece, pacientes como José Roque Backes, 85 anos, convivem com o medo de ficar sem leito em caso de necessidade. Na manhã desta terça-feira, ele encontrou a sala de espera do pronto-atendimento praticamente vazia. Em menos de dois anos, é a quarta vez que ele enfrenta uma crise de falta de ar por conta do acúmulo de líquido nos pulmões (edema), situação decorrente da insuficiência cardíaca do idoso, que conta com um marcapasso para o controle dos batimentos. Apesar da tranquilidade encontrada na sala de espera, enquanto aguardava a triagem, o filho do aposentado, Valdecir Backes, 53, que sempre acompanha o pai, relatou a apreensão com a qual os dois, moradores de Vila Cristina, convivem, dadas as experiências que tiveram no sistema público de saúde da cidade.
— No final do ano passado a gente chegou a vir até aqui e nos encaminharam para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento), onde ficamos esperando 15 dias por leito para ele poder retornar ao hospital e fazer o procedimento. Aqui (no hospital) abriram ele e botaram o dreno, ficou mais uns 12 dias internado. Sempre fica aquela dúvida, aquela angústia: será que vai ter leito? Será que vai conseguir baixar hospital? Será que vai ter que ficar uma semana lá (na UPA) para depois voltar aqui? — relatou o filho.
— A gente lutou todos os dias para conseguir vaga, a cada dia ligamos para ver se tinha vaga ou não — complementou, enfaticamente, mesmo com falta de ar, o paciente de 85 anos.
Embora seja aberto a toda a população, o pronto-socorro do Hospital Geral, assim como as UPAs, por exemplo, segue o Protocolo de Manchester no momento de priorizar os atendimentos. Por ser referência em casos de gravidade, que normalmente têm entrada de ambulância e são classificados com a tarja vermelha (risco de morte) ou laranja (casos urgentes), aqueles considerados de menor gravidade, como os azuis (sem urgência para atendimento) e verdes (pouco urgente), e até mesmo amarelos (podem correr riscos), acabam sendo impactados com mais e mais demora a cada situação nova que se apresenta e, por isso, é sugerido que busquem outra referência.
O médico emergencista, Thyago Coser, que atua há uma década na cidade, diz que a movimentação maior costuma se dar na parte da tarde e que as segundas e sextas-feiras também costumam ser de maior procura, nos casos de menos urgência. Em relação à superlotação, ele avalia fatores que contribuíram, ao longo dos anos, para a situação atual, como o crescimento da população na cidade, acompanhado por familaires que se mudam em busca de melhores condições de tratamento em saúde; o aumento da demanda pelo SUS, com a migração de pessoas que deixaram de utilizar convênios por falta de recursos financeiros; a estrutura das instituições locais, que não acompanhou o aumento da demanda; e os municípios que, por diferentes motivos, não dispõe de condições de atendimento, ficando referenciados nos hospitais de Caxias do Sul.
— Mesmo sem ter vaga o paciente precisa vir e aí vai virando uma bola de neve — conclui o médico.
O Hospital Pompéia também foi procurado pela reportagem, mas preferiu não se manifestar.