Objeto de estudo de alunos da área da saúde, 11 corpos estão hoje à disposição dos acadêmicos da Universidade de Caxias do Sul (UCS). São, em geral, indivíduos que não foram identificados por familiares e doados pelo Departamento Médico Legal (DML), através do governo do Estado, para que tivessem órgãos, músculos, tecidos e ossos estudados em aulas de anatomia.
No entanto, uma outra possibilidade, mais curiosa, faz o laboratório não ser dependente apenas da doação de corpos não identificados pelas autoridades. Doar o corpo para estudos é possível desde que a intenção seja declarada em vida, informada aos familiares e registrada em cartório.
Em Caxias do Sul, a prática não é tão comum quanto em outras partes do Estado. Atualmente existem no Brasil 39 programas de doação de corpos, sendo 10 no Rio Grande do Sul, onde uma em cada quatro iniciativas estão concentradas no país.
A UCS ainda não possui institucionalizado um programa de Doação em Vida como a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) que, desde 2008, recebeu 130 cadáveres e realizou 991 cadastros de intenção de doação. No entanto, é possível realizar a doação em Caxias ao assinar um termo de consentimento a ser reconhecido em cartório pelo doador.
Embora haja a possibilidade, cartórios não têm recebido a intenção de doar o corpo com frequência e, segundo o tabelião substituto do 3º Tabelionato de Notas de Caxias do Sul, Rodrigo Isolan, foram no máximo duas declarações realizadas nos últimos anos.
— É praticamente insignificante, e quando é realizada pode ser feita de próprio punho, redigida pelo tabelião ou através do modelo disponibilizado pela universidade. É uma declaratória parecida de quando se mostra a intenção de ser cremado após a morte — explicou Isolan.
Com 25 anos de atuação na área da Saúde da UCS, o hoje vice-reitor Asdrubal Falavigna lembra que por dois momentos a quantidade de cadáveres disponíveis esteve escassa em relação ao número de alunos e uma solicitação ao DML precisou ser feita.
— Fizemos uma força-tarefa para angariar os objetos de estudo e conseguimos estabilizar. Hoje, temos uma quantidade razoável, mas ainda um pouco menor do que o ideal. Precisamos hoje de um cadáver para cada 10 alunos — disse.
Ainda de acordo com Falavigna, a intenção da pessoa em doar o corpo é mantida em sigilo pela UCS, que conta com o serviço das funerárias para o translado do corpo após a cerimônia de despedida.
Fundamental para entender o corpo humano
Utilizados pelos acadêmicos, principalmente no início da graduação, os corpos disponíveis no laboratório têm a sua durabilidade a depender do quanto serão manuseados. Alguns podem durar até uma década e os diferentes tipos de estrutura óssea e massa muscular fazem cada um deles ser objeto de um estudo específico.
— Temos de diversas condições, que trazem riqueza para o aprendizado. Alguns permanecem com todos os órgãos internos e que mostram a localização de cada um deles. Outros estão dissecados de tal forma que a parte muscular fica em evidência para análise — explicou a professora de anatomia, Cristine Boone Constanzi.
Os corpos são dissecados principalmente por alunos de Medicina em um processo que separa cada uma das estruturas presentes no corpo humano. Mas notar a união de cada uma delas é o que faz compreender a natureza da anatomia para além do que está impresso nos livros.
— Pele, gordura, ossos, tendões e músculos estão todos colados uns aos outros, e quando vamos trabalhar a separação, precisamos manter o máximo de integridade. Isso exige refinamento e aprimora a técnica dos futuros profissionais.
Principais critérios para doação
O processo de doação de corpos muda para cada universidade, que definem detalhes. Há, porém, pontos em comum.
:: O doador deve ter mais de 18 anos
:: É preciso preencher uma declaração de doação de órgãos e restos mortais e reconhecer o documento em cartório, com a presença de duas testemunhas
:: É permitido que o corpo seja velado antes de ser levado à universidade
:: Não são aceitos corpos em caso de morte violenta, ou seja: decorrente de acidentes de qualquer natureza (trânsito ou queda), homicídio ou suicídio. Isso porque os corpos devem ser submetidos à necropsia e, conforme necessidade da investigação, devem estar à disposição para exumação
:: A instituição de ensino não paga nenhum valor ao doador ou à família