A implantação de um novo pedágio no Vale do Caí tem sido um dos temas mais controversos desde o início das discussões para a concessão das rodovias do bloco 3, que inclui também estradas da Serra. Faltando no máximo 10 meses para o início da cobrança, a localização das cancelas que vão substituir a praça de Portão ainda é uma incógnita. Nos últimos meses, o debate ganhou um capítulo adicional a partir das propostas da concessionária Caminhos da Serra Gaúcha (CSG) para a desapropriação de terrenos às margens da rodovia. Os proprietários dos imóveis discordam dos valores oferecidos.
A justificativa do deslocamento do pedágio de Portão é que o atual ponto já está inserido na área urbana da cidade. A primeira versão do projeto de concessão previa, então, a implantação da nova praça no km 22,5 da RS-122, em Bom Princípio. Moradores da cidade, no entanto, argumentaram que o endereço proposto apresentava os mesmo problemas do ponto atual. Após as discussões com a comunidade, o Estado decidiu instalar a praça no km 4 da rodovia, em São Sebastião do Caí. O contrato, porém, não obriga a construção no ponto exato indicado pelo Estado. A concessionária tem autonomia para reposicionar as cancelas em até cinco quilômetros para cada lado, sem necessidade de aval do governo.
No Vale do Caí, a CSG decidiu exercer a possibilidade de reavaliar o endereço e propõe a instalação das cancelas no km 4,6 da RS-122. A decisão ocorre porque o ponto original poderia ter rotas de fuga do pedágio. Há cerca de dois meses, então, representantes da empresa iniciaram as sondagens dos proprietários de terrenos próximos e há pouco mais de um mês as propostas para desapropriação das áreas necessárias para o alargamento da rodovia foram apresentadas. As negociações, no entanto, não chegaram a avançar porque a comunidade resistiu aos valores propostos.
— Me ofereceram R$ 160 mil por 200 metros de frente e um pavilhão (avançando quase 40 metros sobre a propriedade). Eu não poderia mais ter frente para a rodovia. Eles contrataram uma empresa de São Paulo para fazer a avaliação, mas não dizem como foi estudado e já vinham com a proposta pronta para assinar. Minha família sempre foi aberta a essa questão de crescimento, mas o problema é o baque que vai causar — relata o mecânico aposentado Angelo Otávio de Azevedo, 52 anos.
Pela localização proposta, as cancelas ficariam no ponto exato da propriedade de José Itamar da Silva, 61. O comerciante mantém uma floricultura às margens da rodovia e terreno abriga ainda a casa dele e de um familiar. A proposta para que eles desocupassem a área foi de R$ 250 mil, cerca de R$ 700 mil a menos do mínimo que eles consideram necessário.
— Se querem fazer o pedágio, façam o pedágio, mas deem o justo para que cada um se recoloque com suas famílias — protesta.
Proposta de outra área
Outro problema apontado pela comunidade com relação ao endereço proposto é o fato de que ele fica junto ao bairro São Martim, o mais populoso de São Sebastião do Caí. Embora não haja possibilidade de isolamento em relação ao centro, a instalação das cancelas poderia impactar o deslocamento dos cerca de quatro mil moradores da região.
Diante da reação da comunidade, uma reunião foi realizada no dia 27 de março entre os moradores impactados e o diretor-executivo da CSG, Paulo Negreiros. No encontro, o representante da concessionária aceitou rever os estudos para localização da praça.
— Foi uma reunião tensa — revela o prefeito de São Sebastião do Caí, Júlio Campani (PSDB).
Há cerca de duas semanas, Campani encaminhou à concessionária duas propostas de área para instalação do pedágio. Uma delas é no km 3,5, onde apenas dois imóveis precisariam ser desapropriados, em vez de 20, como no endereço proposto. Outra possibilidade, com maior apoio, é o km 18, próximo ao limite com Bom Princípio. No ponto praticamente inexiste rota de fuga e também seriam necessárias apenas duas desapropriações, segundo Campani. Nesse caso, porém, o Estado precisa aprovar a realocação. O município ainda aguarda um parecer da CSG.
Ainda segundo o prefeito, existe uma expectativa de que se possa dar isenções a cerca de 100 moradores do entorno do km 18 com base em uma proposta de campanha do governador Eduardo Leite, que prometeu adotar ações para reduzir o impacto do pedágio na região. O contrato, contudo, não prevê nenhum tipo de isenção à população.
Enquanto a situação não se define, a Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado da Assembleia Legislativa do Estado aprovou, no último dia 20, a realização de uma audiência pública para tratar do tema. O pedido foi proposto pela deputada Sofia Cavedon (PT) e a reunião ainda não tem data para ocorrer. Já no dia 18 de maio a Assembleia irá instalar a Frente Parlamentar de Monitoramento, Acompanhamento e Fiscalização das Concessões nas Estradas Gaúchas. A proposta é do deputado Guilherme Pasin (PP).
O que diz a CSG
Conforme o diretor-executivo da CSG, Paulo Negreiros, a empresa sempre manteve diálogo com a região na busca de um consenso. Segundo ele, os valores para desapropriação foram definidos por uma empresa contratada e seguem em negociação, assim como continuam as conversas a respeito da localização da praça.
— Sabíamos da resistência, mas nosso contato sempre foi de muito diálogo. Muitas vezes essa solução não sai da concessionária. Talvez nessas três pontas (Estado, município e empresa) quem tem menor poder de decisão é a própria concessionária. Assinamos um contrato com previsão de praça no km 4. É um tarefa difícil porque é uma zona muito habitada. O que estamos tentando é achar um local e um projeto com o menor impacto para a população e o local escolhido é o km 4,6 — explica.
Ainda de acordo com Negreiros, o km 18, sugerido pela prefeitura, além de precisar da aprovação do Estado, interfere na estrutura da concessão, devido às características de tráfego diferentes do ponto determinado. Uma vez definida a localização do pedágio, caso as desapropriações sejam judicializadas, a empresa diz que cumprirá as determinações da Justiça.
— A verba de desapropriação prevista no contrato precisa ter prestação de contas ao Estado. Não podemos pagar o valor que o proprietário quer. Se for muito mais alto que o mercado, a concessionária pode ser responsabilizada. Não temos nenhum interesse em ficar barganhando propriedade de ninguém. Aquilo que for decidido, inclusive via judicial, está decidido — destaca.
Já com relação a isenções tarifárias, o diretor-executivo afirma que a decisão cabe ao Estado e que, caso sejam permitidas, o contrato terá que ser ajustado.
Pedágios na Serra
No último dia 19, o Estado decretou utilidade pública nas áreas de cinco dos seis pedágios que serão operados pela CSG. A única área que ficou de fora é justamente a de São Sebastião do Caí, indicando que nos demais pontos não há mais imbróglio relacionado à localização. A expectativa é de que a construção tenha início na metade de junho, com operação começando até fevereiro de 2024.
Do total de cancelas, quatro ficarão na Serra. Serão três na RS-122 - em Farroupilha, Flores da Cunha e Ipê - e um na RS-446, em Carlos Barbosa. Em Farroupilha, a primeira proposta previa as cancelas no km 50, mas depois o ponto indicado pelo Estado foi modificado para o km 45,2. A concessionária decidiu por instalar a praça no km 46,13, nas proximidades da atual curva da morte.
De acordo com o vice-prefeito de Farroupilha, Jonas Tomazini, a localização fica próxima ao limite com São Vendelino, o que impacta poucos moradores do município.
— Já que a decisão de ter uma concessão estava tomada, o que poderíamos influenciar era levar para o ponto mais extremos possível e incluir obras. Claro que alguns moradores sempre ficam do outro lado, mas acho que conseguimos minimizar esse impacto — destaca.
Já em Carlos Barbosa, a indicação do km 11 foi alterada para o km 6, mais próximo a São Vendelino. No início das verificações do terreno chegou a se cogitar a instalação do pedágio em um ponto atualmente ocupado por uma capela. Diante da negativa da comunidade, a CSG buscou outro ponto, no km 5,25. Conforme o prefeito Everson Kirch (PP), a localização separa a localidade de Forromeco, com pouco menos de mil habitantes, do centro da cidade. No entanto, não há mobilização contra a praça por existirem vias internas que permitem a ligação.
— Sempre tem caminhos pelo interior, mas são estradas de chão, trajeto mais longo e isso prejudica. A questão do pedágio é mais o valor. Quando é baixo ninguém se importa em pagar, mas quando é salgado fica difícil, principalmente para quem usa muito — observa.
Em Ipê, as cancelas serão instaladas no 151,85, também após mudanças no ponto indicado pelo Estado. Já em Flores da Cunha a praça vai ficar no km 3,16, na descida da Serra das Antas. O município, porém, ingressou com ação na Justiça para buscar isenção a cerca de 400 moradores no atual ponto de cobrança até a mudança de lugar. Até esta quinta-feira (27) não havia decisão.
O último pedágio da área de concessão da CSG será no km 30,6 da RS-240, em Capela de Santana, no Vale do Caí.
Localização final dos pedágios
- Ipê: Km 151,85 da RS-122
- Flores da Cunha: Km 103,93 da RS-122
- Farroupilha: Km 46,13 da RS-122
- Carlos Barbosa: Km 5,25 da RS-446
- São Sebastião do Caí: indefinido
- Capela de Santana: Km 30,6 da RS-240