O cheiro sai do forno e entra em todos os cômodos de casa sem bater, anunciando que está quase na hora de saborear um dos pratos típicos trazidos na bagagem dos imigrantes italianos que colonizaram a Serra gaúcha, o tortéi. Feito com massa, abóbora e molho, a iguaria parece simples, mas o passo a passo elaborado dá protagonismo ao alimento no primeiro Tortelaço, que ocorre nesta sexta (17) e sábado (18), em Bento Gonçalves, na Serra. O evento tem como objetivo incentivar o turismo de experiências promovido no município.
Se engana quem pensa que as porções de tortéis em formato de mini pastel são a única maneira de preparar o prato. Na casa da família Andreoli, em Caxias do Sul, a matriarca Marilene Beatriz Andreoli, de 73 anos, leva em uma travessa a receita que aprendeu a fazer com a mãe. Com um trabalho totalmente artesanal, o prato fica pronto de um dia para o outro e deixa a família na expectativa desde os primeiros passos.
Para ser servida à mesa, a massa é feita manualmente e passa por cilindro, para que fique no ponto certo da receita. A escolha da abóbora da espécie moranga contribui para o tortéi ideal, conhecido entre os Andreoli há anos. O segredo principal da receita está no formato que não segue o padrão conhecido pela maioria das pessoas.
— A mãe faz tortéi em formato de lasanha e tudo é preparado manualmente, não tem nada industrializado ou congelado. O que eu acho diferenciado é esse processo artesanal. No dia anterior ela prepara a moranga e o molho e no dia de servir ela faz o guisado e a massa. Monta tudo, põe no forno e eu carrego esse prato como memória afetiva, mas também na cintura (risos) — conta André Busnello Andreoli, de 45, filho de dona Neca.
Quando criança, André lembra de quando ele e as irmãs Karina e Gabriela se reuniam em volta do cilindro para ajudar a esticar a massa. Em uma época que a internet e os aparelhos eletrônicos estavam começando a dar as caras, o preparo da massa era a tarefa das crianças, enquanto a mãe preparava os outros itens da receita.
— Não sei como descrever o sentimento, se existe até um sentimento para nomear. Existe uma memória forte que eu tenho bem viva na memória. Fazem décadas daquele processo, mas lembro como se fosse hoje de esticar a massa, passar farinha, regular o rolo e ficar ali ajudando a mãe — lembra André.
O consultor ambiental é ouvinte da Rádio Gaúcha e costumava enviar mensagens para a redação do Pioneiro quando ouvia o apresentador Daniel Scola falar no programa Gaúcha Atualidade que o tortéi que a mãe dele fazia era o melhor do mundo. O jornalista do Grupo RBS atualmente está afastado das rádios enquanto se recupera de um câncer no cerebelo.
— Eu sempre mandava mensagens discordando do que ele dizia só para ter a desculpa de ir comer o tortéi da mãe dele para comprovar que o da minha é melhor — conta André, aos risos.
Na família de Scola, a iguaria também é apreciada com carinho. Achando graça do comentário do ouvinte, o jornalista lembra de quando a mãe preparava o prato quando ele era criança e das coisas positivas que o tortéi faz ele sentir até hoje.
— Na infância, a minha mãe fazia e lembro que eu me refestelava com aquilo, gostava demais. Para mim, sempre foi um símbolo de boa comida e de comida caseira. Acho que esse é o principal legado do tortéi para mim, o símbolo de comida caseira, de comida da mãe e comida boa. Além de ser bom, eu gosto porque tem essa simbologia — lembra Scola.
Por problemas de saúde, a matriarca da família deixou de fazer a iguaria, mas o jornalista afirma que não há no mundo alguém que consiga preparar o tortéi da forma melhor.
— Minha mãe não faz mais agora, mas ela fez durante toda a vida. O tortéi mais gostoso que já comi foi o dela porque ela fazia a massa, o recheio de abóbora e o molho e aí cozinhava. Fazia tudo e a receita dela é maravilhosa, tudo de melhor. Melhor massa, melhor recheio e melhor molho. Lembrar me desperta coisas positivas e por isso que eu gosto e tenho tanto carinho — conta o jornalista.
A sensação boa de nostalgia mencionada por Andreoli e Scola está associada às memórias positivas causadas pela comida afetiva. Degustar um alimento associado à hospitalidade, capaz de "transportar" a pessoa para o gosto de infância está entre as definições de comida afetiva, que desperta sentimentos, memórias e até mesmo segurança.
Na primeira edição do Tortelaço o público presente vai experimentar a comida que, de acordo com o Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC-BG), foi a forma que os imigrantes encontraram de manter uma identificação cultural nas terras gaúchas.
Conforme o CIC, a abóbora, que é o principal ingrediente do prato, foi um dos primeiros alimentos a estar presente na mesa dos italianos e o tortéi era comumente preparado pelas mulheres. Por isso a iguaria traz consigo a sensação de afeto, que remete às 'mammas' e à sensação de pertencimento da comunidade colonizada.
O Tortelaço reunirá tortéis feitos com tipos diferentes de molhos, incluindo um doce. As porções serão vendidas por valores entre R$ 20 e R$ 50. Entre os molhos estão bolonhesa, salame, tomate seco e sálvia com manteiga e nozes. Os apreciadores de vinho também poderão experimentar alguns exemplares produzidos na região
O evento terá ainda programação artística gratuita, oferecida pela Fenavinho Cultural, que reúne artistas locais.
Serviço
:: O quê: Tortelaço - Festival de Tortéi
:: Quando: dias 17 de março (sexta-feira), a partir das 18h, e 18 de março (sábado), a partir das 16h
:: Onde: Via del Vino, no centro de Bento Gonçalves
:: Quanto: entrada franca
:: Porção de tortéi (molhos: salame, bolonhesa, tomate seco, manteiga com sálvia e nozes e molho doce): R$ 20,00. Combo paga degustar três porções: R$ 50,00.
Atrações da Fenavinho Cultural
Dia 17 de março
:: 18h: Liturgia de Ação de Graças (Paróquia Santo Antônio)
:: 19h: Abertura oficial 19h30min: Abertura da Casa do Vinho
:: 20h: Banda Arte Gaúcha
:: 21h: Show com Tenor Dirceu Pastori e Banda
Dia 18 de março
16h: Coral Vale dos Vinhedos
17h30min: Inês Rizzardo
19h30min: Grupo Arte Gaúcha
21h: Vocal Allegro