Dos 196 trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão, em Bento Gonçalves, na Serra, que voltaram à Bahia, 10 deles, moradores do município de Lauro de Freitas, receberão propostas de trabalho formal na cidade. Conforme a prefeitura, o processo admissional deve iniciar a partir desta terça-feira (7). No total, 207 pessoas foram resgatadas, mas dois baianos teriam ficado na região serrana do Rio Grande do Sul e outros nove são gaúchos que voltaram às cidades de origem.
A assessoria de comunicação da prefeitura de Lauro de Freitas explica que por meio de uma parceria com a rede de supermercados Carrefour e o Parque Shopping Bahia, os trabalhadores deverão passar por uma entrevista e, após, serão redirecionados a vagas correspondentes aos seus respectivos perfis.
A assessoria de comunicação do Parque Shopping Bahia confirma a parceria, mas diz que os detalhes para a disposição das vagas ainda estão sendo definidos.
Em uma coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira (6), a prefeita Moema Gramacho explicou que a prefeitura disponibilizou bolsa aluguel aos trabalhadores que necessitam de moradia. Os resgatados também estão recebendo acompanhamento psicológico na rede municipal de Saúde, além de tratamentos odontológicos e realização de consultas e exames.
— Temos um caso de um trabalhador que teve seus dentes quebrados pela forma agressiva a qual foi tratado. Para ele já estamos garantindo a recomposição dentária, pelo Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) aqui do município. Em outros depoimentos, ouvimos que esses trabalhadores foram submetidos a trabalhar de domingo a domingo, sem folga, sem garantia de alimentação correta e a ficarem em alojamentos em condições sub-humanas — disse a prefeita.
O titular da Secretaria Municipal de Trabalho, Esporte e Lazer, Uilson de Souza, diz que o Carrefour se disponibilizou a atender os resgatados onde houver lojas do grupo em outros pontos da Bahia. Segundo ele, o grupo Supermercado Total também se disponibilizou a atender resgatados de Salvador.
Lauro de Freitas dispõe do Núcleo Municipal de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes (NETP) que deve fazer acompanhamento permanente dos 10 trabalhadores resgatados em parceria com as secretarias municipais e órgãos do Estado da Bahia. A prefeitura também diz que apoiará a Justiça do Trabalho, a polícia civil e militar na garantia à segurança dos resgatados.
Relembre o caso
O caso dos trabalhadores em situação análoga à escravidão foi denunciado após seis homens conseguirem fugir do local onde eram mantidos e buscar contato com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que prestou auxílio e deu início à operação. Um dos denunciantes já havia gravado vídeo com um celular e publicado em uma rede social reclamando das condições de trabalho. Ele relata que foi agredido pelos supostos empregadores por isso. O homem contou à polícia que aproveitou quando os agressores foram atender uma ligação e pulou de uma janela, correndo até um mato próximo do local onde estava. Ele e mais dois trabalhadores, que estavam com ele, aguardaram até as 3h da quarta-feira (22) para sair e pedir ajuda.
Ainda na quarta, uma operação conjunta de PRF, Polícia Federal (PF) e MTE flagrou 180 homens no alojamento, em situação precária de hospedagem, higiene e alimentação. À equipe, trabalhadores relataram que sofriam violência verbal, física, ameaças de morte e eram alimentados com comida estragada. Após o primeiro flagrante, outros 27 homens foram resgatados, na quinta, e encaminhados ao ginásio.
O aliciador da mão de obra e administrador da empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, Pedro Augusto Oliveira de Santana, chegou a ser preso ainda na quarta, mas foi liberado no dia seguinte após pagar fiança de R$ 39.060. Natural de Valente (BA), o empresário está sendo investigado. Ele trabalharia na região, com prestação de serviço, há pelo menos 10 anos, conforme o MTE.
Os homens resgatados atuavam, principalmente, na colheita da uva, em propriedades rurais do município. As três vinícolas – Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton –, citadas pelos trabalhadores e que contrataram o serviço terceirizado da prestadora, afirmaram em notas não ter conhecimento da situação em que os homens eram expostos até a operação, e que irão colaborar com a investigação. As apurações seguem com o MTE, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal (PF).
Além de vinícolas, 23 proprietários rurais contratavam serviços de trabalhadores resgatados em Bento. Os nomes dos 23 não foram divulgados. A investigação ainda aponta que os trabalhadores atuavam na carga e descarga da uva em vinícolas e na colheita da uva nas propriedades rurais.
O que dizem as vinícolas sobre o caso de trabalho análogo à escravidão
Por meio de assessorias de imprensa, as três empresas publicaram comunicados.
O que diz a Aurora
"No início do século passado, algumas famílias italianas cruzaram o Atlântico à procura de dias melhores. Nas malas, poucas peças de roupa, uma ou outra foto desbotada, muita coragem e um sonho: refazer a vida em um país estranho. A Vinícola Aurora nasceu desse sonho. Desse sonho e de muito trabalho.
O trabalho que sempre correu nas veias de nossos fundadores logo se misturou a esta terra, espalhou-se por entre os parreirais, nutriu cada planta com um inegociável senso de respeito pelas mãos que a semearam, que a colheram, que a ajudaram a ser da uva, o vinho, e a ganhar o mundo, reconhecimentos e, mais importante, ganhar um lugar à mesa e no coração dos brasileiros.
Os recentes acontecimentos envolvendo nossa relação com a empresa Fênix nos envergonham profundamente. Envergonham e enfurecem. Aprendemos com aqueles que vieram antes que, sem trabalho, nada seriamos. O trabalho é sagrado. Trair esse princípio seria trair a nossa história e trair a nós mesmos. Entretanto, ainda que de forma involuntária, sentimos como se fora isso que fizemos.
Primeiramente, gostaríamos de apresentar nossas mais sinceras desculpas aos trabalhadores vitimados pela situação. Ninguém mais do que eles trazem, nos ombros curados pelo Sol, o peso de uma prática intolerável, ontem, hoje e sempre. A testa daqueles que fazem o Brasil acontecer, todos os dias, às custas do seu suor honesto, deveria estar sempre erguida, orgulhosa, e nunca subjugada pela ganância de uns poucos. Repudiamos isso com todas as nossas forças.
Em seguida, sentimo-nos obrigados a estender essas desculpas ao povo brasileiro como um todo, não apenas como discurso, mas como prática. Já cometemos erros, mas temos o compromisso de não repeti-los. Como empresa, garantimos que a atenção a um tema que nos é tão relevante será redobrada, práticas serão revistas, e todas as garantias para que um episódio indesculpável como esse não venha a se repetir serão tomadas. Temos um longo caminho pela frente, mas todo longo caminho começa com um primeiro passo, e ele é dado agora.
Desde já estamos trabalhando em um programa robusto que deve implementar mudanças substanciais nas dinâmicas da Vinícola Aurora. Essas mudanças devem qualificar não apenas a nossa relação com todos os parceiros, na busca de obtermos controle sobre os processos como um todo, mas também nas práticas e politicas internas da empresa e quanto ao nosso papel enquanto agente econômico, social e cultural de destaque em nossa região e a responsabilidade que advém disso.
Acreditamos nos valores que queremos reafirmar para nos tornarmos dignos da confiança do Brasil mais uma vez e espalhar o seu nome aos quatro cantos do mundo, em cores vivas e pujantes e não em notas cinzas como a que atravessamos neste momento.
Esperamos sair do outro lado como uma empresa melhor. Estamos aqui, com a mente e o coração abertos, a começar tudo de novo, se for preciso, como fizeram nossos antepassados ao aqui desembarcarem. Apenas, ao contrario deles, que eram pura incerteza sobre uma terra estranha, fazemos isso com a convicção de ser este um pais maravilhoso que merece o melhor de nós.
Trabalho não nos assusta. Deveria ser sempre uma fonte de alegria e realização. E a Vinícola Aurora não medirá esforços para colaborar com a construção de um mundo em que o respeito, o orgulho e a realização façam parte da vida de cada trabalhador.
Sinceramente,
Cooperativa Vinícola Aurora"
O que diz a Salton
"Em meio às notícias divulgadas, recentemente, sobre casos de trabalho análogo à escravidão na região de Bento Gonçalves (RS), nós, líderes da Vinícola Salton, nos expressamos, publicamente, para esclarecer os fatos que envolvem o nome da nossa empresa. Em primeiro lugar, a Salton repudia, veementemente, qualquer ato de violação dos direitos humanos e expressa, também, seu repúdio a todas e quaisquer declarações que não promovem a pacificação social.
Não adotamos e nem adotaremos uma posição omissa. De imediato, tomamos medidas internas que dizem respeito à melhoria do trabalho em toda nossa cadeia produtiva. Podemos listar ações que estão sendo intensificadas e outras que serão desempenhadas com a urgência que a gravidade do tema demanda:
Revisão de todos os processos de seleção e contratação de fornecedores, com implantação de critérios mais rigorosos e que coíbam qualquer tipo de violação aos dispositivos legais, incluindo direitos humanos e trabalhistas;
Estruturação de um cronograma para a realização de auditoria sobre práticas trabalhistas junto aos fornecedores e prestadores de serviços de forma recorrente e sistematizada;
Contratação de auditoria independente externa para certificar as práticas de responsabilidade social;
Ampliação e divulgação de nossos canais de denúncia e ampla disseminação de nossos códigos de conduta e ética em nossa cadeia produtiva;
Adesão ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Adotaremos, ainda, medidas complementares a partir de novas recomendações de entidades públicas, privadas e órgãos fiscalizadores. Para melhor elucidar o contexto dos acontecimentos, esclarecemos que o período de safra da uva é dinâmico, exigindo, por vezes, contratações urgentes para um curto período. Este ano, no mês de fevereiro, precisamos recorrer à contratação terceirizada de 14 profissionais para a descarga de caminhões de uva.
Ao tomarmos ciência do gravíssimo resgate ocorrido nas dependências da empresa prestadora de serviço, suspendemos imediatamente o contrato de trabalho. Além disso, em total colaboração com o Ministério Público do Trabalho, fizemos depósitos para o pagamento do fornecedor, visando a garantia das verbas rescisórias e retorno dos trabalhadores a seus lares.
Somos uma empresa de 112 anos, cujo legado foi construído por milhares de trabalhadores que sempre foram tratados com respeito e lealdade. Acreditamos na sustentabilidade e na valorização das relações humanas como premissa de negócio.
Em nome da transparência e integridade, há anos, disponibilizamos para todos os públicos nosso Canal de Ética através do site, 0800 800 4545 ou pelo aplicativo para receber denúncias, anônimas ou não, para averiguar qualquer tipo de conduta que não esteja de acordo com os nossos valores ou com as leis vigentes.
A Salton segue colaborando com as autoridades e reforçou o seu compromisso, solidariedade e colaboração junto ao Ministério Público do Trabalho. Reiteramos nossos valores sociais e éticos e nosso compromisso de trabalhar, incessantemente, na melhoria contínua e na implementação de ações para que ocorrências lastimáveis como esta não se repitam.
Atenciosamente,
Família Salton"
O que diz a Cooperativa Garibaldi
"Atualização de nota aos parceiros, consumidores da marca e sociedade brasileira
Desde o recebimento de denúncias que revelaram situações de trabalho em condições semelhantes à escravidão, envolvendo prestadores de serviço temporário de descarregamento da uva, a Cooperativa Garibaldi solidarizou-se com as vítimas, especialmente os 15 trabalhadores que atuaram na vinícola. Também assumimos posição colaborativa diante das autoridades para a elucidação dos fatos e, principalmente, temos amadurecido formas efetivas de evoluir em nossas práticas institucionais.
Veementemente defensores do propósito de valorização das pessoas, repudiamos – agora e sempre – quaisquer práticas que afrontem os direitos e a dignidade humana, motivo pelo qual jamais permitimos ou compactuamos com tais situações. É imprescindível banir esse tipo de condução de nossa sociedade – e para exercemos tal papel de forma plena, assertiva e efetiva a partir da lamentável ocorrência desse episódio, estamos revisando as práticas internas para imediatamente:
- Aprimorar a Política de contratação de serviços terceirizados, em questões de integridade (compliance).
- Aperfeiçoar o processo de seleção de prestadores de serviço.
- Incluir cláusula contratual em respeito a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
- Incluir cláusula contratual em atendimento às práticas ilimitadas ao acesso de emprego ou a sua manutenção sem discriminação de opção sexual, origem, raça, cor, condição física, religião, estado civil, situação familiar ou qualquer outra condição.
- Implantar auditorias sistêmicas em prestadores de serviço.
- Incluir link ao acesso do Código de Cultura nos contratos com prestadores de serviço.
- Solicitar declaração de acordo ao Código de Cultura da cooperativa.
- Melhorar as práticas de divulgação em canais internos e externos das políticas de conduta (Código de Cultura e Canal de Denúncia) para os mais diversos públicos.
- Intensificar práticas de ASG (Ambiental, Social e Governança) alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis no Brasil (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), através do atendimento de Excelência na Governança e Gestão, atendendo ao Programa de Desenvolvimento das Cooperativas (PDGC), seguindo diretrizes da Fundação Nacional de Qualidade (FNQ).
Por meio desses movimentos, que se expandirão em outras ações futuras, transformamos nosso repúdio e indignação diante desse ocorrido em medidas concretas.
Queremos que esse episódio nos torne mais conscientes, transparentes e conectados com os desafios do mundo atual.
Cooperativa Vinícola Garibaldi"
O que diz a Fênix
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Bento Gonçalves, 2 de março de 2023.
A Empresa FÊNIX SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVOS* vem, por meio desta, se expressar em virtude dos fatos divulgados pelas mídias, ocorridos nos últimos dias, envolvendo a sua idoneidade, seriedade, respeito pelos seus colaboradores e 10 anos de trabalho sério.
Primeiramente, assim como toda a população, estamos consternados com os acontecimentos, já que somos uma empresa que sempre se posicionou em garantir, a qualquer trabalhador, seja de qualquer lugar do País, todos os direitos preceituados na legislação vigente, reconhecendo e protegendo a dignidade de todos os seus colaboradores através do respeito, seriedade e cumprimento, de forma rigorosa, dos ditames da lei.
Nesse sentido, após os relatos da mídia, estamos averiguando os acontecimentos e apurando qualquer suposta irregularidade a partir dos relatos dos colaboradores, e tomaremos todas as medidas cabíveis que nos competem, pois sabemos e cumprimos à risca todas as nossas responsabilidades como Empresa.
Oportuno salientar que não aceitamos qualquer tipo de trabalho ilegal, o qual não acata o preceito central da Constituição Federal, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana.
Esclarecemos, também, que já enviamos todos os documentos solicitados pelos Ministérios Público do Trabalho e do Trabalho e Emprego, com quem mantemos aberto canal de conversação, assim como outras instituições que quiseram comprovar que não há irregularidades na nossa Empresa, e continuamos sempre abertos para ajudar a sanar qualquer dúvida que eventualmente apareça.
Reafirmamos o nosso compromisso em esclarecer os fatos, e agradecemos aquelas instituições que, antes de qualquer divulgação, se disponibilizaram a nos ouvir, assegurando, desta forma, a garantia constitucional do contraditório e a ampla defesa.
Estamos sempre à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.
Fênix Serviços de Apoio Administrativos
*No CNPJ da empresa, consta que o nome completo é Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda