Os programas de educação e profissionalização nas penitenciárias e nos presídios da Serra registram um aumento na procura. De acordo com dados da 7ª Delegacia Penitenciária Regional da Susepe, o número de apenados matriculados nos Núcleos Estaduais de Educação de Jovens e Adultos (Neeja), responsáveis pela educação prisional, subiu 49% entre março e dezembro de 2022 — de 308 para 459 alunos. A expectativa é de que esse interesse cresça ainda mais em 2023, movimento que pode favorecer a ressocialização de apenados dentro e fora da prisão.
A 7ª Delegacia Penitenciária Regional da Susepe avalia que os programas de estudo e cursos profissionalizantes também podem ser um dos motivos para uma redução na população carcerária, uma vez que contribuem para a remição de penas. Em janeiro de 2022, 2.631 pessoas estavam recolhidas nas oito prisões da região, número que caiu para 2.557 apenados em dezembro — diferença de -2,81%.
O titular da 7ª Delegacia Penitenciária Regional, Fernando Demutti, explica que a redução da população não era algo comum nos últimos anos e teria relação com os programas que foram colocados em dia nas duas penitenciárias e seis presídios da Serra nos últimos meses.
— O momento de quebra de paradigma está na afirmação de que a educação poderá atuar frente ao sistema prisional, devendo surtir grandes efeitos para a diminuição da população carcerária, quando ao mesmo tempo em que poderá diminuir a reincidência, poderá ser um norte fundamental para a conquista da dignidade humana daqueles que estiverem privados de sua liberdade por um período, resgatando seu pertencimento à sociedade através da garantia de acesso à educação.
Conforme dados da delegacia de 459 alunos do Neeja, 39 concluíram o Ensino Fundamental ou o Ensino Médio no ano passado, e 133 tiveram uma conclusão parcial. Além disso, no Presídio Estadual de São Francisco de Paula, por exemplo, 81% da população prisional está matriculada no Neeja. Na Serra, como um todo, o percentual de alunos subiu de 11% para 18%.
Outro programa que tem registrado grande procura entre a massa carcerária na Serra foi a remição da pena pela leitura. De março a dezembro de 2022, houve aumento de 66% de março a dezembro, passando de 148 apenados para 246 apenados. Neste programa, os apenados leem livros previamente selecionados e escrevem uma resenha, que é avaliada pelos professores. Os participantes podem ler uma obra por mês, reduzindo quatro dias de pena a cada livro concluído — o projeto permite um total de 12 livros por ano.
Já na remição pelo estudo, o apenado reduz um dia de pena a cada 12 horas de aulas. As atividades podem ser de Ensino Fundamental, Médio e Superior, de curso profissionalizante ou de requalificação profissional.
A Susepe não divulgou quantos apenados que deixaram o sistema prisional no ano passado tiveram remição de pena em razão de estudos.
Procura por cursos profissionalizantes também é celebrada
Outro programa que tem destaque na Serra é de formação profissional. De acordo com os números da 7ª Delegacia Penitenciária Regional, são 428 apenados matriculados atualmente em cursos como eletricista predial básico, designer de sobrancelha e horticultor.
O curso com mais apenados matriculados é o de eletricista, oferecido em parceria com o grupo de evangelização Universal nos Presídios, com 372 inscritos. Enquanto isso, o de horticultor foi oferecido na Penitenciária Estadual de Bento Gonçalves, em parceria com o Instituto Federal, com 23 inscritos.
A juíza da Vara de Execução Criminal de Caxias do Sul, Joseline de Vargas, lembra que os cursos dão novas perspectivas para quando os apenados deixarem a prisão, com “alternativas de sustento dignas e mais chances de alcançarem uma oportunidade de trabalho”:
— Somente com esse tipo de ação visando o trabalho e o estudo no âmbito prisional é que temos viabilidade de reduzir a reincidência e a criminalidade.
Para este ano, o planejamento da região envolve abrir mais vagas para o Ensino Médio e Ensino Superior aos apenados. Além disso, haverá o início do projeto de aquaponia, com produção de peixes nas casas penitenciárias. O projeto deve envolver, inicialmente, 210 apenados.
"Resgate da humanidade"
No Presídio Regional de Caxias do Sul (PRCS), os professores do Neeja Novo Horizonte, que atende as penitenciárias da Serra, observam a mudança que o estudo traz na vida dos apenados. Muitos que passam pela sala de aula na prisão afirmam que querem deixar a penitenciária e mudar de vida. Os docentes, inclusive, vivenciaram momentos que demonstram isso.
— Eu fui fazer exame de sangue e encontrei o Mário (nome fictício) na rua. Ele me disse, "Profe, eu saí e vou fazer faculdade". Ele saiu daqui faz pouco tempo e disse que estava indo procurar a faculdade. Concluiu o ensino aqui conosco. É uma continuidade daqui — relata a professora dos anos iniciais Liziane Murialdo Rodrigues.
A própria reportagem se deparou com uma notícia semelhante. Em abril do ano passado, o Pioneiro publicou uma matéria sobre o estudo prisional. Nela, um ajudante do Neeja Novo Horizonte, que era um apenado no Presídio Regional de Caxias, deu o seu relato sobre como o estudo e o trabalho na prisão estavam mudando a sua vida. Na quinta-feira (9), quando a reportagem voltou ao PCRS, a direção do Neeja deu a notícia de que o homem, agora, está entrando em liberdade provisória.
Essas, claro, não são as únicas novidades. Em 2022, a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) voltou a ser aplicada no presídio caxiense, com a adesão de 35 apenados.
— Notamos nos últimos anos que é uma mudança cultural deles mesmos. Essa vontade de vir para escola, em um ambiente diferente. Nós fazemos várias atividades. Temos coisas diferentes para chamar atenção. Não fica só em cima de provas, tem várias práticas voltadas para a ressocialização deles — observa a diretora do presídio, Alexsandra Viecelli.
Uma novidade importante foi a reforma da sala de aula feminina, inaugurada neste ano. Agora, as mulheres que cumprem pena no Presídio Regional possuem espaço próprio para estudo, cursos profissionalizantes e outras atividades. Antes, as apenadas tinham horários reduzidos porque precisavam ocupar a estrutura da ala masculina, sendo necessário um esquema para locomoção. No momento, quase 50 mulheres estão matriculadas nas aulas.
Além das aulas, o projeto de remição de leitura também tem uma procura significativa. Até mesmo com o programa, os professores notam mudança de comportamento nos apenados, como um novo vocabulário e outros assuntos - como recomendações de livros e conversas sobre autores.
— Aqui tentamos fazer um ambiente em que ele não se sinta dentro de uma prisão, mas que se sinta dentro de uma escola. Nós somos professores e eles são alunos, não chamamos eles de apenados. Nós falamos que o que eles tem lá para fora é com a Justiça e com Deus. Eles gostam muito (das aulas). Eles dizem para nós, que preferem vir a aula porque saem daquele ambiente. Eles agradecem que estão em outra realidade — conclui o vice-diretor do Neeja, Clademir Matana.