Além da sentença mais conhecida para crimes, que é a prisão, existe em lei a possibilidade das alternativas penais. Nesta política pública, o condenado cumpre a pena servindo à sociedade, geralmente prestando serviços para entidades sociais. Engana-se, inclusive, quem pensa que qualquer pessoa pode recorrer a este tipo de cumprimento penal. Há critérios para isso. E é um processo rigoroso. Em Caxias do Sul, conforme a Central Integrada de Alternativas Penais (Ciap), 300 pessoas cumprem pena neste formato atualmente.
— As alternativas penais no Brasil são uma política. Isso nos dá uma ideia de continuidade. Algo a longo prazo, que não é uma política de governo. É uma política pública instituída no Brasil. Ainda incipiente, mas, a exemplo de outros países em que as alternativas penas estão sendo muito usadas, o Brasil passa exponencialmente a ter mais centrais pela federação — conta Jean Ramos, psicólogo e coordenador da Ciap.
Ao contrário de uma incorreta crença popular, os casos encaminhados pelas alternativas penais são os crimes com sentenças de até quatro anos e que não envolvam violência. As pessoas a cumprir nesta modalidade podem ser condenadas ou que entram em acordo com o Ministério Público (MP).
— Casos que são recebidos em uma Central de Alternativas Penais são, por exemplo, de crime de trânsito, receptação e porte ilegal de arma — exemplifica Ramos.
A exceção são alguns julgamentos de violência doméstica, em que o agressor é encaminhado para grupos específicos que trabalham com a violência de gênero. Em Caxias, além da prestação de serviço, o condenado se apresenta ao Projeto H.O.R.A., gerido pelo Juizado da Violência Doméstica, com a coordenação da psicóloga judiciária Maria Elaene Tubino.
— Consiste em grupos reflexivos com homens acusados de serem agressores ou já condenados pela prática de violência de gênero — explica a juíza da Vara de Execução Criminal (VEC) e diretora do Fórum de Caxias, Joseline Vargas.
Além do benefício social de dar a oportunidade de uma mudança de vida e auxiliar uma entidade, as alternativas penais, instituídas em lei de 1998, buscam reduzir a população carcerária e são mais baratas para a sociedade. Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um apenado custa, em média, R$ 1,8 mil. Na prestação de serviços, o custo é menor. Inclusive, as pessoas encaminhadas para alternativas penais não recebem qualquer tipo de remuneração — o que faz parte do programa.
O titular da 7ª Delegacia Penitenciária Regional, Fernando Demutti, afirma que existe uma expectativa “muito grande” com o sistema de alternativas penais. Para a autoridade, é uma solução que merece ser considerada.
— As alternativas penais é muito isso: conscientizar as pessoas. É procurar soluções diversas do encarceramento. Muitas vezes, o encarceramento parece ser a solução do problema, mas estamos aumentando esse problema. É muito melhor que a gente consiga conscientizar e contornar pequenos delitos do que aumentar mais um número no sistema prisional que, muitas vezes, é mais uma pessoa que está impulsionando o sistema de forma negativa. Sabemos que, dependendo do presídio, ele pode cair em uma galeria, essa galeria pode ser faccionada e isso pode gerar um crédito para essa organização criminosa e até utilizar essa pessoa como ferramenta — destaca o delegado.
O encaminhamento
O Ciap, que existe desde 2018 em Caxias — sendo pioneiro no Estado —, recebe encaminhamentos para esta modalidade de cumprimento de pena via sistema judiciário e do Ministério Público (MP) e, depois, encontra uma entidade social — hoje, são 330 cadastradas em Caxias — para a pessoa. A entidade assina termos de cooperação e adesão, tendo a responsabilidade de registrar o que a pessoa cumpre durante o dia e qual é a sua frequência de comparecimento.
— É uma responsabilização de uma outra forma e de uma forma mais efetiva. É um trabalho que começa devagar e vai crescendo — observa Ramos.
Em entrevistas detalhadas, o Ciap que, além de Ramos, tem uma equipe com mais duas psicólogas e uma assistente social, levanta o perfil e as habilidades da pessoa encaminhada para encontrar a melhor opção de entidade. Este levantamento e o acompanhamento são importantes para que a pessoa em alternativa social não volte para o ciclo da criminalidade quando terminar de cumprir a pena.
— Nós vemos a quebra do paradigma quando a pessoa chega com o rótulo de “bandida” na testa e, quando acaba a pena, ela sai pela porta da frente — lembra o psicólogo.
As entidades podem ser assistenciais ou públicas, como organizações não-governamentais (ONGs) ou unidades básicas de saúde (UBSs).
"Melhor caminho para quem está mudando"
Um dos desafios das alternativas penais, perante à sociedade, é a conscientização, até mesmo entre entidades. Muitas vezes, uma ideia distorcida sobre o modelo de cumprimento de pena faz com que as organizações não aceitem receber a pessoa que tem o acordo para a prestação de serviços.
— Entendo que o maior desafio é a conscientização da sociedade, principalmente das organizações do terceiro setor, a respeito da importância do trabalho social e do envolvimento direto no processo de ressocialização, com a disponibilização de vagas para a prestação de serviços, por exemplo, a fim de atender à demanda de prestadores existentes na Comarca — pontua a juíza Joseline Vargas.
A União das Associações de Bairros (UAB) de Caxias é uma das entidades cadastradas no Ciap. O presidente da UAB, Valdir Walter, reconhece a importância em receber pessoas que cumprem a pena com a prestação de serviços. Além disso, Walter lembra que a entidade também ganha com um reforço na mão de obra.
— É fundamental esse trabalho, por dois pontos. Um é a comunidade, que precisa da mão de obra, e a outra que é para ajudar a pessoa que está passando por, muitas vezes, esse período difícil na vida, e damos essa chance para pagar essa pena. É gratificante poder ajudar as pessoas — afirma Walter.
Uma pessoa que cumpre pena nesta modalidade há dois meses e preferiu não ser identificada, diz que ter a sentença nesse formato “é a melhor coisa que já aconteceu”. O homem, que recomeçou depois de anos na drogadição — o que o levou a cometer estelionato —, conta que, assim, pôde continuar trabalhando e manteve o que conquistou após “mudar de vida”.
— É o melhor caminho para quem está mudando de vida. Mas, funciona para quem realmente quer mudar de vida — observa.