O trabalho prisional não é a única possibilidade de ressocialização e redução de pena em presídios da Serra gaúcha e do Estado. Pouco divulgada, a educação prisional também é oferecida para apenados a partir de uma colaboração entre a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul (Seduc). Atualmente, 463 detentos das casas prisionais da região estão estudando para começar uma nova vida.
As aulas ocorrem a partir dos Núcleos de Educação de Jovens e Adultos (Neeja), implantados dentro dos presídios. Com a estrutura, os apenados podem realizar o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), que fornece certificados de conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
Na Serra, 75% dos presidiários têm o Ensino Fundamental como escolaridade, com a maioria não concluindo esta etapa na educação. Com estruturas de ensino em oito casas prisionais da Serra gaúcha, os detentos têm a oportunidade de completar o estudo e ganhar um novo futuro, longe do mundo do crime.
— Na realidade, o estudo é essencial para qualquer proposta de ressocialização. A maioria dos apenados têm Ensino Fundamental incompleto. Então, eles não tiveram essa oportunidade na vida. Às vezes, eles estão tendo o primeiro contato com o estudo no ambiente prisional. O estudo, querendo ou não, abre portas, ele faz com que as pessoas consigam ter uma oportunidade de emprego melhor, que eles consigam ter uma perspectiva de quando saírem do cárcere, de não ter que voltar no caminho em que estavam — destaca a juíza da 1ª Vara de Execuções Criminais (VEC) da Serra , Joseline Vargas, 38 anos.
João (nome fictício) possui o Ensino Médio incompleto e estuda na estrutura de educação do Presídio Regional de Caxias do Sul (PRCS). O apenado afirma que ganhar uma nova chance na sociedade o motivou a participar das aulas.
— Além da remição que ganhamos por dias estudados, facilita nosso retorno à sociedade. Não tive a oportunidade de estudar quando jovem, vou aproveitar essa chance de completar o Ensino Médio aqui no presídio — relata João.
Com a remição pelo estudo, o apenado reduz um dia de pena a cada 12 horas de aulas. As atividades podem ser de Ensino Fundamental, Ensino Médio, profissionalizante, Superior ou de requalificação profissional.
Já Mário (nome fictício), que também está recolhido no PRCS e frequenta aulas de Ensino Médio no presídio, destaca que ganha uma nova chance de fazer o certo.
— Nos motivou a querer ser inseridos na sociedade novamente. Porém, agora, com a oportunidade de fazer as coisas certas — afirma Mário.
Para participar da educação prisional, o único pré-requisito é simplesmente o desejo de estudar. Porém, a juíza Joseline Vargas observa que a redução de pena ainda é o grande motivador para que os apenados procurem as aulas.
— O maior motivador, bem ou mal, ainda é a questão da remição. Principalmente os que têm penas longas. Eles veem como uma chance para conseguir reduzir, de unir o útil ao agradável. Eles vão estar estudando, vão estar adquirindo conhecimento e, ao mesmo tempo, estão reduzindo a pena — explica a juíza da VEC.
Além disso, muitos apenados preferem o trabalho na prisão. Um motivo é a remuneração, estabelecida pela Constituição Federal, que pode auxiliar a família dos detentos.
"Mente em constante evolução" ao frequentar aulas no Presídio Regional
Nas casas prisionais da região, não existe um perfil específico de apenados que optam pelo estudo. A faixa de idade dos alunos em penitenciárias é ampla, variando de 20 a 60 anos. De forma geral, pode-se notar três tipos de perfis que escolhem a educação prisional: os detentos que estudavam antes da prisão; aqueles com penas maiores e que buscam a redução da pena; e os presidiários que querem oportunidades melhores quando deixarem a penitenciária.
No caso de João, o apenado sente o efeito do estudo antes de deixar o Presídio Regional. Para ele, "a mente está em constante evolução" e está "em aprimoramento" para a reinclusão na sociedade.
— Vai me ajudar muito porque (vou) sair daqui com outros pensamentos, com meu diploma de Ensino Médio completo e vai facilitar para eu encontrar um trabalho — afirma o apenado.
A diretora do PRCS, Alexsandra Viecelli, 33 anos, destaca que os detentos também podem estar em um "ambiente diferenciado", bem diferente do que eles estão acostumados nas celas.
— É um ambiente diferenciado, em que eles saem das celas, muitas vezes escuras, para um lugar mais colorido, mais diversificado, com diversas atividades — observa a diretora da PRCS.
Mário também descreve que sente estar com "a mente e os pensamentos ampliados" ao participar das aulas. A resposta do apenado é de otimismo em relação ao futuro.
— Sim (vai ajudar a mudar a vida), porque através do estudo pode abrir novas portas e oportunidades na sociedade — conta o detento.
O estudo traz apenas benefícios aos apenados. Mas, o núcleo de ensino prisional tem o desafio de manter os alunos motivados para continuarem com as aulas.
— É a questão da motivação mesmo. Eles ficam nessa realidade entre os presos, sempre dentro da cela, com aquele mesmo convívio, e às vezes vem alguma influência ou alguma coisa que já faz com que desmotive e que não permaneça na aula. Mas, para os que vem, a gente nota que é bem importante e ajuda — conta a juíza.
Trabalho é fundamental
Entre as oito casas prisionais da Serra com a estrutura de educação, o Presídio Regional de Caxias do Sul e a Penitenciária Estadual de Bento Gonçalves são consideradas referências. Porém, há uma diferença entre elas: a segunda, por ser mais nova, teve a estrutura pensada para auxiliar no estudo e trabalho prisional, o que gera mais oportunidades. No PRCS, a estrutura se torna um desafio, que é superado pelo esforço das equipes que atuam na casa prisional.
— As nossas cadeias mais antigas são como se estivessem em mutação. A gente acaba adaptando aquele espaço da melhor forma para ir aproveitando cada pedaço da construção. Os presídios são construídos para uma capacidade. Com o passar do tempo, vai aumentando a necessidade e vamos adaptando para torná-lo o mais eficiente possível — explica Fernando Demutti, chefe da 7ª Delegacia Penitenciária Regional (7ª DPR).
No PRCS, há uma estrutura, atrás do pátio da penitenciária, em que funciona a escola. O estudo é oportunizado pelo Neeja Novo Horizonte, que atende aos reclusos das duas galerias masculinas e da galeria feminina. Além disso, o núcleo de ensino atende ainda o Presídio do Apanhador, o Presídio Estadual de Canela, Presídio Estadual de São Francisco de Paula e o Presídio Estadual de Vacaria por turmas descentralizadas.
O plano é de que o novo presídio de Caxias do Sul seja construído com essa estrutura que potencialize os projetos de ressocialização.
A organização da estrutura funciona basicamente da mesma forma como uma escola pública. Os professores e o mobiliário são garantidos pela Seduc, bem como a orientação pedagógica e os livros. Além disso, há doações do setor privado, que podem ser destinadas ao núcleo de ensino, bem como verbas da Vara de Execução Penal.
Para 2022, o Presídio Regional de Caxias do Sul também segue com o projeto de revitalização, para melhoria na estrutura física e de materiais, em que recebeu doações da iniciativa privada. Além disso, recebeu um alvará da VEC de Caxias do Sul das verbas de penas alternativas, para pintura das paredes, troca do piso, e compra de equipamentos de informática, som e imagem.
Uma outra novidade pode ser a oferta do Ensino Superior. Demutti informa sobre uma conversa mantida com uma universidade da região para conseguir bolsas de estudo. A previsão é de que a modalidade comece a ser oferecida entre a metade e o fim de 2022.
— A gente vê isso como muito importante porque quando falamos em ressocialização, vemos a educação como um pilar fundamental. Educação, saúde e trabalho, mas eu foco principalmente na educação, porque pelos estudos sabemos que o número de prisões aumenta de acordo com a diminuição da escolaridade. Então, é uma conta inversamente proporcional. A educação é um pilar fundamental, até para devolver esse preso de volta ao convívio com mais valores, com hábitos, culturas, com coisas novas — destaca o delegado penitenciário.
Remição pela leitura
Além da redução de pena pelo estudo, os apenados da Serra possuem a possibilidade da remição pela leitura. Neste programa, os apenados leem livros previamente selecionados e escrevem uma resenha, que é avaliada pelos professores. Os participantes podem ler uma obra por mês, reduzindo quatro dias de pena a cada livro concluído — o projeto permite um total de 12 livros por ano. O PRCS, por exemplo, tem o projeto de remição pela leitura desde novembro de 2021, atendendo 32 detentos (18 homens e 14 mulheres).
A penitenciária dá ainda outras oportunidades aos detentos, como oficinas e cursos profissionalizantes. Um dos projetos em andamento é o Voz e Movimento Feminino, em que 13 detentas formarão um coral no PRCS. As participantes terão aulas de técnica de canto e de movimento corporal, com dois professores. O Coro Prisional Feminino ainda deve ter a oportunidade de se apresentar no dia 12 de outubro, no Dia das Crianças.
— Nós, como mulheres, temos uma energia que precisamos gastar em algum momento, que não pode ser em brigas. A nossa intenção é fazer com que elas trabalhem com a energia que elas têm, como uma coisa boa. E muitas gostam de cantar, mas têm vergonha — conta Mara Basso, 56, vice-diretora do Núcleo Novo Horizonte.
Entre as oficinas, a diretora do Núcleo Novo Horizonte, Eunice Cioato, 51, destaca a do xadrez, em que alunos do Presídio do Apanhador produziram as próprias peças com prendedores. Eunice afirma que a iniciativa partiu dos próprios apenados que participam do projeto.
— Eles fizeram todo o tabuleiro. Gostaram tanto da ideia do xadrez que até desenharam em uma cadeira para jogar — conta a diretora.
O direito ao trabalho e ao estudo na prisão está garantido pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984).
Números da Penitenciária de Caxias do Sul
:: Matriculados*: 105 apenados (69 homens e 36 mulheres)
:: Salas: seis (uma para cada grau de ensino, sala de apoio para oficinas, projetos e cursos profissionalizantes; uma biblioteca; e sala administrativa para direção, secretaria e pedagogia)
:: Professores: nove (além de diretora e vice)
* Apenados também matriculados em turmas descentralizadas