Único setor da economia caxiense a crescer no último ano, a indústria na maior cidade da Serra vive neste início de ano um período de alta nos indicadores, que mostram mais produção, vendas, compras e com reflexos também na geração de novos empregos. O cenário é diferente do observado nos últimos anos, quando a crise em 2016 resultou em um dos piores momentos da indústria de Caxias do Sul e, quando parecia recuperar a queda, a pandemia do coronavírus ocasionou paralisação nas atividades e levou incertezas para dentro das fábricas. Agora, mesmo otimistas com o bom momento, lideranças e empresários do setor avaliam que a retomada precisa ser vista com cautela porque outros desafios precisam ser analisados e também superados.
No momento, os números são positivos. De acordo com um levantamento da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC), a indústria caxiense cresceu 18,9% em fevereiro de 2022 no acumulado dos últimos 12 meses. O resultado é o maior se comparado com o desempenho no mês de fevereiro desde 2011 (veja o gráfico abaixo). Além disso, o índice supera o desenvolvimento da indústria gaúcha, que apresentou alta de 12,5% entre fevereiro de 2021 e o mesmo período deste ano.
Entretanto, a alta de 18,9% não é a maior dos últimos meses. O pico do crescimento foi registrado em outubro do ano passado, quando a indústria caxiense subiu 22,2%, mas que vem, desde então, apresentando resultados menores a cada levantamento. Esse comportamento é analisado pelos especialistas como normal e que representa uma espécie de platô do segmento após altas consecutivas, o que ocorreu de forma expressiva. Além disso, com os setores do comércio e de serviços negativos desde o início da pandemia, a indústria segue como a protagonista da retomada em Caxias do Sul, onde a economia cresceu 6,6% nos últimos 12 meses.
A alta na indústria encontra explicações nos números e no comportamento dos empresários. Na avaliação do economista Tarciano Mélo Cardoso, membro do Departamento de Economia, Finanças e Estatística da CIC, a diminuição na taxa de ociosidade dos parques fabris e o aumento nas horas trabalhadas pelos funcionários demonstram que as linhas de produção estão mais movimentadas em razão de mais pedidos. Outro índice demonstra o bom momento dos empresários, que estão comprando mais insumos para a produção industrial. O último levantamento do desempenho da indústria aponta que as aquisições de matéria-prima cresceram 52% nos últimos 12 meses.
— A empresa precisa fazer compras para ter estoque, poder fazer o processamento da matéria-prima e vender ela para o mercado. Em 2020 não aparecia, 2021 cresceu e agora vem forte a cada mês. Ou seja, é uma expectativa do empresário em ter vendas futuras. Em qualquer negócio, seja indústria ou comércio, essa é a visão. Ter a expectativa de um mercado comprador para formar o estoque e, assim, conseguir vendê-lo lá na frente. Se tu não tens previsão, tu não vais querer formar um estoque ou antecipar uma compra — explica.
Além desses resultados, a geração de empregos na indústria anima o segmento. Em 12 meses, 4,6 mil novos postos de trabalho foram criados nas fábricas em Caxias do Sul. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o setor emprega atualmente 72.657 pessoas, o maior estoque desde 2015, mas com resultado semelhante ao registrado na cidade em 2006.
Alta no agronegócio e demanda por transporte impulsionam
O que tem permitido a alta expressiva na atividade industrial caxiense que proporciona mais empregos e estímulo à economia local?
Para o vice-presidente de Indústria da CIC Caxias, Ruben Antonio Bisi, dois segmentos econômicos cresceram significativamente no ano passado e mexem diretamente com a produção local: o agronegócio e o setor de transportes de passageiros, que voltou a ficar aquecido com o arrefecimento da pandemia.
Com a produção agrícola aquecida, segundo Bisi, aumentou a demanda por implementos rodoviários para o transporte da mercadoria, como reboques, semirreboques e carrocerias, em modalidades como graneleiro, basculante e canavieiro. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a balança comercial do agronegócio brasileiro cresceu 19,8% em 2021 em comparação a 2020.
— O ano passado foi um dos melhores da história para o setor de transporte de implementos, sendo que Caxias abriga a empresa líder no setor. Há também outras que estão diretamente ligadas na produção de componentes para o transporte agrícola e que comercializam para empresas de fora da cidade. Tínhamos uma expectativa de equilíbrio (nas vendas de implementos) para este ano, mas tivemos alta de 3% no primeiro trimestre. Ou seja, a cautela que tínhamos não se confirmou até o momento, o que permite pensar mais alto — avalia o empresário.
O economista Tarciano Mélo Cardoso também entende que a alta na safra agrícola é um dos fatores que mexeu positivamente na indústria caxiense. Segundo ele, neste ano, a demanda do agronegócio também foi acompanhada de preços mais altos dos produtos devido ao desequilíbrio na cadeia de fornecimento, principalmente da proteína animal, que afetou outros mercados, mas não o brasileiro.
— O Brasil se transformou no principal fornecedor de proteína animal para diversos mercados porque abriu mais o produto para outros países. Quando tu tens uma produção maior, tu precisas de equipamento, que são encontrados na indústria de Caxias. Nós acabamos sendo levados por um conjunto de movimentos desse setor que nos puxou — observa.
De acordo com Bisi, o retorno das viagens e o fim das medidas de restrição da circulação com a diminuição dos casos de covid-19 faz com que o setor de transporte de passageiros, seja público ou rodoviário, esteja em alta e ajude a puxar a recuperação da indústria local. Segundo ele, a demanda na região aumentou 30% em 2021 em relação a 2020.
— Tem mais pessoas viajando, e as empresas sentiram necessidade de renovar a sua frota para acompanhar esse momento. É mais um comportamento nesse período em que a pandemia parece estar mais controlada e as pessoas, saindo das suas casas — observa Bisi.
Lideranças elencam os desafios que impediram um crescimento maior
Na visão de Ruben Antonio Bisi, a alta na indústria de Caxias do Sul poderia ser maior se não fossem os obstáculos enfrentados no último anos pelo setor, além de outros que agora impedem uma análise mais segura sobre o futuro do setor protagonista da economia na maior cidade da Serra.
Um dos desafios dos últimos anos é a falta de mão de obra especializada, levando as empresas de Caxias do Sul a contratar pessoas sem experiência, treiná-las e depois inseri-las nas funções prioritárias da atividade industrial. Além desse movimento, Bisi cita um feirão de empregos realizado pela Marcopolo no início de abril e a utilização de carros de som em bairros alertando para a existência de vagas no setor.
— Temos empregos nas empresas, mas não tem candidato. Está se contratando funcionários sem o conhecimento básico para treiná-los para poder ter mão de obra especializada. Esse apagão de mão de obra não permite uma retomada mais forte — analisa.
Outro desafio é a falta de semicondutores, um insumo básico para a produção de chassis. O componente começou a ficar escasso em 2021 e passou a ser direcionado para a indústria do entretenimento, como a produção de computadores, televisores, por exemplo, deixando o setor automotivo sem a matéria-prima.
O conflito entre Rússia e Ucrânia, que mobiliza o planeta desde o fim de fevereiro, também mexe com a economia local. Bisi alerta que, além do aumento dos combustíveis, o aço aumentará em 20% - um dos efeitos do conflito. Além disso, ele afirma que 60% do neônio para a produção de semicondutores é originário da Ucrânia, que, desde o início da guerra, paralisou a exportação do componente, o que pode impactar em mais escassez do produto.
Para o economista Alexandre Messias, também integrante da equipe de análise dos indicadores da CIC Caxias, o país precisa avançar nas reformas administrativas e previdenciárias para que esses ajustes interfiram positivamente no desempenho da economia nacional. A incerteza no cenário eleitoral, com duas candidaturas bem posicionadas nas pesquisas e uma outra alternativa ainda buscando espaço, também é vista com potencial para tornar o cenário mais cauteloso para o restante do ano.
— O Brasil vem perdendo competitividade há muitos anos. Como Caxias do Sul não é isolada, afeta aqui também. A gente precisa de um choque de transformação no Brasil, se dirigir aos problemas estruturais do país, que não são de agora. As reformas mais importantes ainda não se conseguiu avançar, e acho muito difícil que se consiga neste ano — avalia.
Fiergs alerta para “crise inédita” no setor
Mesmo que os indicadores apresentem crescimento com índices que remetem ao início da década passada, outras lideranças da indústria ainda são cautelosas na hora de projetar como será o ano para a atividade industrial em Caxias do Sul e no Rio Grande do Sul.
No entendimento da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), por estimulo de fatores internos e externos, o setor vive agora uma “crise inédita” porque os principais indicadores não conseguem representar a real situação da indústria, que enfrenta neste início de ano diferentes crises ao mesmo tempo.
O alerta foi feito pela entidade em um comunicado na semana passada. Segundo o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry, as estatísticas trabalham por médias, o que, na visão dele, não consegue expressar o que está ocorrendo nas fábricas. Para driblar essa dificuldade, a entidade coletou informações com representantes de 30 atividades instaladas no Estado. O resultado é uma combinação de fatores conjunturais que leva ao quadro de alerta.
A primeira é a desorganização na cadeia de suprimentos, que se soma a uma inflação externa causada pelo conflito entre Rússia e Ucrânia, influenciando, principalmente, o custo da energia, como o preço do petróleo. Também entram na conta os efeitos do câmbio, com oscilações do dólar, e a logística externa, afetada pela falta de contêineres e outros gargalos do transporte marítimo.
Há ainda os fatores internos. A inflação no país é outro complicador para a produção, já que há um sobrepreço em grande parte dos insumos. Além do alto custo do frete, também impactado pelo preço dos combustíveis.
O efeito imediato neste cenário de imprevisibilidade é o alcance negativo na contratação de mão de obra e nas negociações do salário dos trabalhadores da indústria. Os contratos têm como base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que é calculado pelo IBGE.
— O empresário tem que planejar o futuro do seu negócio e não sabe o que vai acontecer. Isso soma ao fato de que começa a época das negociações coletivas. Com índice de INPC elevado, já não sabemos se muitas empresas vão conseguir dar (a reposição salarial), como vão resolver, se vão ter que parcelar — admite o dirigente.