Nesta sexta-feira (30), a Penitenciária Estadual de Caxias do Sul (PECS), na localidade do Apanhador, ganha reforços na rede de oportunidades para que apenados trabalhem e estudem. A maior casa prisional da Serra inaugura a ampliação do projeto de malharia e costura, chamado Tecendo Pontes para Cidadania, e duas novas salas de aula. Além de ser uma forma de orientação e capacitação para tirar os detentos do ciclo da criminalidade, também é um modo de redução de pena - o que pode auxiliar na diminuição da população carcerária.
— É muito importante porque a nossa cadeia sempre foi muito abandonada. A 7ª Região Penitenciária tinha uma fama de ser uma região turbulenta, superlotada, com presídios feios e desarrumados. E, agora, com a nova administração do presídio (penitenciária) e da delegacia, tudo tenta se melhorar. Nós pintamos toda a cadeia, estamos reformando e isso dá um up. A sala de aula é um dos principais projetos que conseguimos colocar em prática. Então, é uma visão de que está melhorando e vai melhorar muito ainda — celebra a vice-diretora da PECS, Nicole Godzienski.
O direito ao trabalho e ao estudo na prisão é garantido pela Lei de Execução Penal. Com a remição pelo estudo, o apenado reduz um dia de pena a cada 12 horas de aula (com o trabalho, se reduz um dia a cada três trabalhados - nesse caso de trabalho interno não há remuneração). Com as duas novas salas de aula na Galeria B, o Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Neeja) Novo Horizonte poderá atender até 40 apenados. Anteriormente, a casa prisional tinha apenas uma sala, com capacidade para apenas cinco detentos. Os novos espaços foram construídos com mão de obra prisional e recursos repassados pelas Varas de Execução Criminal (VEC) de Caxias e São Marcos, e pela Justiça do Trabalho.
Esta sala, inclusive, podia atender apenas os apenados do isolamento ou do alojamento dos detentos do trabalho penal. Com os novos espaços, será a primeira vez que os detentos da Galeria B poderão estudar. Por medidas de segurança, não há como levar os apenados de cada uma das três galerias, que são divididas por facções, para as salas existentes. Até por isso, o planejamento futuro é de ter novas salas em todos os setores da penitenciária do Apanhador.
— Os faccionados não tinham aula. As salas de aula vão permitir que os apenados dessas galerias também tenham acesso. Por hora, temos apenas na B. Mas, dando certo e conseguindo a verba, vamos construir em todas as galerias. Assim, cada galeria terá a sua sala de aula, que esse é o projeto futuro — explica Nicole.
Para observação e experiência, as turmas para as novas salas não terão o número máximo de estudantes. Com o tempo, mais vagas serão abertas. Interessados não faltarão, já que de acordo com a administração da PECS, pelo menos 40 detentos querem estudar.
De acordo com a Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS), cerca de 460 detentos estudam nas penitenciárias da Serra. Com a adição, o número pode chegar a 500. As casas prisionais da região, incluindo a PECS, também contam com a remição pela leitura, em que os apenados leem um livro previamente selecionado e escrevem uma resenha, que é avaliada. Cada obra concluída reduz a pena em quatro dias - os detentos podem ler uma por mês.
Tecendo Pontes para a Cidadania
O projeto de malharia e costura da PECS, com recursos repassados pela VEC de Caxias, adquiriu seis novas máquinas, ampliando para nove os equipamentos do Tecendo Pontes para a Cidadania. É mais um importante passo para a iniciativa, criada em 2017 pela assistente social da penitenciária, Rosa Ferreira, e o Setor de Psicologia, quando a ação contava com apenas uma máquina.
Na época, a assistente social e uma psicóloga identificaram um apenado que tinha conhecimento em todo o processo de confecção. Com uma máquina doada pelo Banco do Vestuário e a identificação da necessidade de roupas de inverno para apenados que não tinham, o projeto seguiu em frente.
— É muito difícil conseguir um agasalho lá fora, principalmente em Caxias. E a maioria das roupas que recebemos de doação são escuras, que não conseguimos usar (por questões de segurança). E assim, surgiu a ideia da confecção de malhas — explica Rosa.
Logo, o projeto conseguiu mais duas máquinas (uma por doação) e 450 kg de fios - a partir de verba da VEC de Caxias. O material serviu para três temporadas de inverno, com peças para apenados da PECS e doações para os de São Francisco de Paula. Hoje, seis detentos fazem parte do projeto. Com as nove máquinas, o número deve passar de dez.
Além de malhas para presídios masculinos e femininos da região, feitas também com material doado, o projeto, hoje, atende outra demanda: a confecção de uniformes para a penitenciária. Conforme a 7ª Delegacia Regional Penitenciária, a penitenciária do Apanhador será atendida primeiro, e depois, o Presídio Estadual de Guaporé. O plano é que todas casas prisionais da Serra tenham os uniformes confeccionados com a mão de obra prisional.
Além do benefício do trabalho para a casa, o envolvimento com o projeto reflete no comportamento dos apenados. Como explica Rosa, o Tecendo Pontes para a Cidadania ganhou espaço próprio e agora terá o ambiente reorganizado, com as novas máquinas, o que também dá ânimo aos presos.
— Nossa intenção é deixar esse espaço com ambiente fabril, em que o apenado levanta de manhã, em que tem o horário dele e do intervalo, por exemplo. Isso ajuda (no comportamento). Eles estão muito tempo no cárcere, então, eles vão recordando como é um ambiente de trabalho, acordar cedo, e ter responsabilidade — observa a assistente social.
"É gratificante"
Os apenados que trabalham no projeto de malharia concordam que o ambiente cada vez mais parece o de uma fábrica. Animados, enquanto mostravam os protótipos de peças de uniforme para confeccionar (como calça, camisa e roupas íntimas), eles se mostram felizes com o resultado do serviço, que será aproveitado por toda a Serra.
— É muito gratificante. Temos o sentimento de estarmos contribuindo mais — diz um dos apenados, que está desde o início no projeto.
Para participar, os detentos precisam apenas ter o interesse. Os mais experientes começam a ensinar os novos colegas. Cada um, inclusive, traz o seu conhecimento. Um outro apenado, que aprendeu a trabalhar com serigrafia com o pai, iniciará este trabalho, para identificação dos uniformes.
— É de família. Passou de geração para geração — afirma.
O trabalho rende, em média, 800 peças por mês, que podem ser de toucas para cozinha até blusões. Os apenados também explicam que a cada 20 kg de fios, retalhos e material, "praticamente tudo é reaproveitado". A empolgação com o projeto reflete no sentimento dos detentos de terem uma profissão quando cumprirem a pena.
A juíza da VEC de Caxias, Joseline Vargas, destaca que o projeto é uma "conquista" para a penitenciária, uma vez que o trabalho prisional é uma das principais formas de ressocialização.
— Da mesma forma, as salas de aula e para cursos, como o de elétrica, que teve altíssima adesão no Apanhador (com mais de 300 matriculados) são muito importantes para que os apenados consigam ter oportunidades no momento em que saírem da casa prisional, evitando a reincidência — lembra Joseline.
O curso de elétrica, ministrado pelo pastor Roger Farias da Luz, inclusive, dá certificado para os apenados que participam dele.
Mais projetos no Apanhador
Além do projeto de malharia e costura, a direção da Penitenciária Estadual continua com outros programas que oportunizam o trabalho prisional. Entre eles está a horta, em que as verduras produzidas são doadas para o Banco de Alimentos de Caxias do Sul (cerca de mil pés de alface a cada 45 dias); o Esquenta Caxias, em que placas térmicas para aquecimento de ambientes são produzidas e doadas para a prefeitura; e o Ambiente Saudável, em que grupos de apenados ficam responsáveis pela reciclagem do lixo em cada uma das galerias da PECS. Cerca de 150 dos 948 apenados do Apanhador participam do trabalho prisional.
O titular da 7ª Delegacia Regional Penitenciária, Fernando Demutti, pontua que outro benefício para os projetos, que reduzem as penas, é a diminuição da população carcerária em toda a Serra.
— Vou falar da redução como uma forma conjunta. De fevereiro para cá, acredito que chegou a 5% de redução do efetivo carcerário na Serra — informa Demutti.
No Presídio do Apanhador, além dos projetos citados, também há o Adote um Cachorro do Apanhador, em que cães abandonados são recolhidos e cuidados pelos agentes, e podem ser adotados pela população. A partir dele, apenados também começaram a produzir casas para os cachorros, forradas com placas térmicas, que são dadas para quem adota um bichinho.