Tem que ter comida boa. Tem que ter música e vinho, além, é claro, de gente animada. Estes são os ingredientes principais para um bom filó italiano. A atrativa mistura, que vem de uma antiga tradição, poderá ser conferida (e saboreada!) neste sábado (9), na programação de inverno da La Prima Vendemmia, em Nova Roma do Sul. A expectativa dos organizadores é de reunir mais de 2 mil pessoas no Complexo Municipal de Esporte e Lazer, a partir das 19h.
O festejo, que atualmente ocupa salões comunitários da região, não é recente, remetendo à chegada dos imigrantes italianos à Serra, como lembra o pesquisador Floriano Molon, 73 anos. Diferentemente de hoje em dia, os filós eram mais simples e se estabeleciam, muitas vezes, como única forma de lazer e interação entre as famílias. Era, em sua essência, um encontro entre vizinhos.
— Conforme a região demográfica que os imigrantes se estabeleciam, criavam amizade entre seis, sete famílias. Nos primeiros tempos, eles se reuniam na mata, seguidamente para colocar a conversa em dia, contar as novidades, saber como estava a preparação das roças, se alguma senhora estava grávida — conta Molon.
Com o passar do tempo, os encontros entre os vizinhos foram se aprimorando e acontecendo, a cada vez, na casa de uma das famílias da vizinhança. Molon recorda da própria infância no interior de Flores da Cunha:
— Os homens se reuniam em um grupo, às vezes, para jogar carta, cantar. As mulheres ficavam mais perto do fogão, na cozinha. A senhora dona da casa fazia brodo de galinha, pinhão, amendoim. As crianças ficavam na sala brincando ou na frente da casa.
Como não havia energia elétrica, recorda-se o pesquisador, o lampião era fundamental para as famílias chegarem até o vizinho que seria o anfitrião do filó. Sem nenhuma tecnologia à disposição, obviamente, o próximo encontro era marcado ao fim da última reunião. O vizinho, portanto, já deveria ficar preparado para receber o grupo.
— Eu considero o filó como o principal meio de comunicação que existia na época. Meu pai, que também é historiador, frisava bastante a questão dos namoros. Como não se tinha as festas tradicionais, nem existiam bailes, o filó era um momento de juntar os namorados. E acho, inclusive, que se não existissem os filós grande parte da cultura (italiana) teria sido perdida — reforça o historiador e também secretário de Educação, Cultura e Desporto de Nova Roma do Sul, Cristiano Panozzo.
Da vizinhança para os salões comunitários
O formato dos filós foi mudando ao longo do tempo. Se inicialmente a festa reduzia-se a um encontro entre vizinhos, regado a vinho, conversa e alguns quitutes, hoje, o festejo ocupa principalmente salões comunitários do interior, reunindo centenas e até milhares de pessoas, como é o caso de Nova Roma do Sul.
Molon recorda-se que na comunidade onde morava, em Flores da Cunha, a reunião na casa de vizinhos foi extinta depois que cada família teve acesso à energia elétrica e ao rádio. O aparelho "falante" acabou se tornando o centro das atenções nas casas.
— Foi meio que se apagando esse costume de se visitar — acrescenta o pesquisador.
Já Panozzo acredita que os filós em salões comunitários surgiram justamente para resgatar as tradições trazidas pelos imigrantes. Ele ressalta que os festejos contribuíram com outras comemorações, como as festas de capela e os grandes eventos que comemoram as safras, por exemplo.
— Temos nesse fim de semana a Fenakiwi, no outro teve o Festival do Grostoli... Indiretamente, todos eles resgatam os filós — comenta o secretário de Nova Roma do Sul.
" É uma alegria inexplicável"
Se tem alguém que entende de filó é a dona Gema Fiorese Donida, 70 anos. Criada na comunidade de Castro Alves, no interior de Nova Roma do Sul, ela mantém até hoje a tradição aprendida na infância e garante que já separou o traje para este sábado, no festejo de inverno da La Prima Vendemmia. Ela e o filho Daniel Paulo Donida, 42, vão participar da abertura do evento, em uma apresentação que une música e dança.
Mas nem sempre o filó foi uma festa para milhares de pessoas, segundo a moradora de Nova Roma do Sul. No começo, ela lembra que as famílias se visitavam pela noite, seguindo o roteiro da capelinha. A reunião era iniciada com a reza do terço. Depois, vinham os cantos italianos, e mulheres e homens se dividiam em grupos para conversar.
— As crianças brincavam e entre os mais jovens até saia algum namorico. A gente passava horas juntos, eram contadas muitas histórias — recorda-se.
A confraternização era celebrada com pinhão, batata, pipoca e vinho. Por vezes, se estava frio, o cardápio ainda incluía brodo e sopa de pão.
Questionada sobre o que não pode faltar para um bom filó, dona Gema responde rapidamente:
— Pão, salame, queijo, copa, grostoli e biscoito. Música, vinho e alegria também têm que ter.
Para a moradora de Nova Roma do Sul, o filó é um momento de diversão e de se fazer novas amizades.
— É uma alegria inexplicável — resume.
Gastronomia farta, música e humor
O filó da La Prima Vendemmia é realmente "raiz". Prova disso é que não haverá venda de refrigerante ou cerveja aos visitantes. A intenção é justamente promover uma experiência bem próxima do que eram os antigos filós. Na carta de bebidas, sucos de uva, vinhos e espumantes premiados à disposição. O cardápio é farto, com galeto, polenta frita, mole e brustolada; massas, pizzas, sopa de agnolini, omelete, saladas, queijo, salame, pão, amendoim, pepino, entre outras opções que poderão ser adquiridas junto aos restaurantes e bares do evento. Os preços partem de R$ 2.
A música, item essencial para a dona Gema, ficará por conta do Grupo Girotondo e da Banda Rosa's. O palco do filó ainda receberá o humorista Chico, o vendedor raiz.
— Os moradores vão entrar em procissão, com as soberanas, e nós, do Grupo Girotondo, cantamos. Há um verdadeiro resgate da cultura, é um filó legítimo. São pessoas que se apresentam espontaneamente, gostam de estar ali. São comidas feitas como antigamente, vinhos da região — destaca o vocalista do grupo, Ladir Brandalise, se referindo à apresentação que abre a noite de filó neste sábado.
O festejo também marca o reencontro dos moradores com a La Prima Vedemmia. A festa ocorreria no início deste ano, mas foi remarcada para 2024 em função da pandemia. Por isso, houve a decisão dos organizadores de fazer uma programação especial de inverno, que será o filó da noite deste sábado. Em março, o Hospital Beneficente São Carlos, de Farroupilha, recebeu a entrega de R$ 100 mil, que seriam usados na organização da 15ª edição da festa.
PROGRAME-SE
:: O quê: filó de inverno da La Prima Vendemmia.
:: Quando: neste sábado (9), a partir das 19h.
:: Onde: Complexo Municipal de Esporte e Lazer, em Nova Roma do Sul.
:: Atrações: Grupo Girotondo, "Chico, o vendedor raiz" e Banda Rosa's.
:: Quanto: entrada gratuita.