Experimente perguntar para alguém o que se entende por filó. No dicionário, o mais comum é encontrar filó como sinônimo de tecido. Mas na Serra Gaúcha, os descendentes de imigrantes italianos chamam de filó uma tradição antiga.
A dona Gema Trevisan, do Grupo de Filó Felice Personne, aprendeu a fazer filó com a nonna. Mas não se engane: filó não tem nada a ver com costura. Até pode haver um grupo fazendo diversas tramas, mas o filó é algo muito maior do que isso. Aliás, pedimos ajuda à dona Gema, que mora no bairro de Forqueta em Caxias do Sul, para explicar o que ela acredita ser a origem da palavra filó.
"Filó vem de filo e filo vem de festa. Eles nos chamavam para ir na casa do vizinho para fazer filó, que é o fio da linhaça. Eles começaram a trazer a comida e fazer festa".
Os primeiros imigrantes italianos que chegaram à Serra, em 1875, não encontraram a propagandeada cucagna, sinônimo de terra da fartura, onde até salame poderia dar em árvore. Encontraram uma Serra para desbravar, poucos recursos e muito trabalho. Até a comida era compartilhada.
E, nas horas de descanso, se reuniam com vizinhos, levavam comida e promoviam o filó, um encontro de troca de experiências de todos os tipos. Para entender o que tem em um filó, nós também pedimos ajuda à dona Natália Copelli, integrante do Grupo Cultural Nei Tempi del Filó de Nova Milano, em Farroupilha. Ela ficou conhecida pela série "Coisas que a Serra Fala", e enumera o que tem em um filó.
"Tem a capelinha, as gaitas, comida, a cesta cheia de comida, doce caseiro, cuca, tudo que precisava, e salame e pão".
A dona Natália esqueceu de citar o prato principal de qualquer filó. Benedita Cecatto, a coordenadora de outro dos grupos mais tradicionais de filó da Serra, o da Casa do Artesão de Vila Flores, pode dar mais detalhes do cardápio de um evento como esse.
"O prato principal é a polenta feita na hora, na vista do turista, acompanhada de dois tipos de molho. Depois vem o grostoli, o pão, o salame frito, a tábua de frios, bolos e assim vai... Muitos sucos naturais, feitos na hora, e três tipos de vinho".
Entendemos que o filó tem bastante comida. Mas, falando assim, parece que é só para comer que se vai em um filó. A nonna Gema revela outras intenções. "As pessoas iam no filó para ficar de olho no filho da vizinha e vice-versa".
E também para compartilhar boas histórias. "Um causo que posso contar é de um filó em que a mulher não queria mais levar o marido, porque ele mentia muito. Então ele disse assim: olha, mulher, tu acha que eu minto muito? Então sentamos perto e, se eu começar a contar mentira, tu dá uma pisada no meu pé. Então ele contou que estava mexendo em um toco velho e saiu um lagarto com oito metros de rabo. E ela deu um pisão. Ele disse que era seis. Levou outro pisão. Quando chegou em um metro, ele disse: escuta mulher, tu vai achar que eu vou dizer agora que ele era pitoco?"
Agora, já conseguimos visualizar melhor um filó. De um lado, tem um grupo de nonnas mexendo a polenta; de outro, os jovens namorando; tem ainda uma parte do grupo ouvindo causos e comendo muito. Tudo isso depois da oração, claro! Até para perdoar os palavrões em dialeto durante os jogos tipicamente italianos.
"Temos gente que joga mora, o quatrilho, três sete, a bisca e também entoam os cantos dos italianos", conta Moisés Michelon, fundador da Rede de Hotéis Dall'Onder. Ele chegou a criar uma casa específica de filó no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, no hotel Villa Michelon. São só duas edições por ano: na vindima e agora, durante o Dia do Vinho. O filó é aberto ao público neste sábado, às 20h, mas os ingressos são disputados.
No domingo, tem outro filó do Dia do Vinho na Cooperativa Vitivinícola Forqueta, em Caxias do Sul, às 18h30min. A entrada é um prato de comida para compartilhar, e o vinho será distribuído gratuitamente. O Filó do grupo Felice Personne, com a dona Gema, marcará os 30 dias para o início da Festa do Vinho Novo, de 1º a 17 de julho.
O filó de Vila Flores e o do Nei Tempi del Filó são realizados com agendamentos. O de Vila Flores recebe muitos turistas e chega a fazer de dois a três filós por semana. Para se ter uma ideia da procura, até o final do ano todos os sábados já estão fechados. O grupo mínimo é de 35 pessoas.
O filó de Nova Milano, da dona Natália e Expedito Copelli, também é itinerante. Seguidamente, eles participam de feiras em outras cidades e popularizam esta tradição trazida pelos imigrantes italianos. O casal estava na hora do almoço quando nos atendeu, mas não se negou a dar uma amostra do que tem um filó. Você pode conferir a cantoria dos dois na matéria que foi ao ar no Supersábado.