O estresse gerado pela compra de um Kadett 1993 - ruim de caixa, motor e suspensão - se transformou na melhor dor de cabeça que Francisco Cechin Junior, 39 anos, já teve na vida. O veículo não estava nos planos do cliente, mas foi "empurrado" pela lábia do vendedor.
— Meu foco era um Monza. Mas o vendedor me disse "Opa! Tudo bom, guri? Pra ti, que tem um espírito jovial, melhor esse Kadett" — relembra.
A aquisição da lata-velha ocorreu em 2001, mas a história se manteve nas rodas de conversa, na memória e, principalmente, no bolso do então técnico em manutenção industrial por mais de 15 anos. Em 2017, um amigo compartilhou links com anúncios duvidosos – entre eles um "Kadettinho em perfeito estado". Chico tripudiou sobre o modelo:
— Era um Kadett amarelo, com aquelas capas de banco que se vendem em estádio de futebol. Tudo desbotado, então lembrei os guris do velho que me vendeu o carro e assim foi se espalhando.
A proposta foi narrada em áudios de WhatsApp replicados centenas de vezes em variados grupos. Começava a nascer "Chico, o vendedor raiz", com imitações carregadas do mesmo sotaque da serra gaúcha que marcava a fala do primeiro comerciante. Corrente e relógio de ouro, anel com uma graúda pedra vermelha e camisa desabotoada complementam o visual do gringo.
Francisco deixou o emprego para virar Chico
Os meses seguintes às primeiras gravações levaram o morador de Bento Gonçalves a repensar sua carreira profissional. O salário na fábrica de máquinas logo foi superado pelos valores cobrados por quem pedia áudio para tirar sarro do pai que havia comprado um carro velho, para a mãe que tinha de lidar com o estoque de calhambeques ou a um parente aniversariante. Sobrecarregado, ele pediu demissão e se dedicou à criação de conteúdo para as redes sociais.
— Eu pegava o celular e tinha mensagem de DDD de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, DDI de outros países... Fazia isso o dia todo — detalha.
Em cinco anos, Chico já representou inúmeras marcas. Mais do que revendas de veículos, passou a anunciar produtos de lojas de roupas e de departamento, fábricas de máquinas pesadas, cooperativas de crédito e sites de apostas. O perfil do Instagram @chicoovendedorraiz bateu 142 mil seguidores na manhã desta quarta-feira (25), durante o programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha (ouça a entrevista no final desta reportagem). Em rádios do Estado, sua voz pode ser ouvida diariamente, com a saudação "Opa! Tudo bom, guri?".
Humor sem palavrão
No início, o rosto do personagem não aparecia nas gravações. A ideia era mexer com a imaginação do público. Mas falsos áudios, atribuídos a ele, passaram a circular recheados de ofensas, o que vai contra seus roteiros, sem palavrões ou grosserias.
— Eu penso na minha filha de 12 anos escutando. Não posso dizer pra ela não falar palavrão em casa e eu depois ficar falando isso nos meus vídeos — justifica.
Atualmente, Chico se dedica integralmente ao humor, com páginas no TikTok, Facebook e YouTube, além dos vídeos do Instagram. Os esquetes ganharam uma pequena venda, o "Bar do Chico", em um cenário montado no escritório de parceiros de Caxias do Sul.
O comércio vende de tudo, mas costuma não ter nada: se a pessoa quer um vinho, acaba sendo convencida a comprar um tênis furado. A brincadeira é acompanhada por quem já o conhece, comprovada enquanto o artista pedia um café ao lado do Sítio do Laçador, na zona norte de Porto Alegre:
— Café? Vou ficar te devendo —repete o lema do Bar do Chico o autônomo Rafael Garibaldi, 31 anos.
O amor e ódio de torcedores da dupla Gre-Nal também ajudaram o personagem a ganhar fama: Chico “vendeu” Luan para o Palmeiras, uma negociação fantasiosa que ganhou ares de verossímil. Procurado por colorados, fez o mesmo com o também atacante William Pottker.
O sonho do humorista é criar um espetáculo permanente em casas de shows do gênero. Já o Kadett 1993 - que custou, na oficina, três vezes mais que o valor de aquisição -, ele gostaria de levar novamente para a garagem.
— Se encontrasse o vendedor também queria agradecer pela inspiração. Só pela inspiração, porque na época que comprei o "auto" eu queria matar ele com uma colher, de tanta raiva que eu tinha — brinca Chico.