Uma série de informações desencontradas tem gerado polêmica em relação às castrações e ao planejamento da prefeitura em relação a causa animal em Caxias do Sul. De acordo com representantes de ONGs, no último dia 27 elas receberam a informação que os procedimentos seriam suspensos. No dia seguinte, pela manhã, a informação foi confirmada e, à tarde, uma nova informação chegou até as entidades, de que o número de castrações seria reduzido.
A prefeitura afirma que o município passa por sérias dificuldades financeiras, com projeção de resultado negativo para este ano: "Desta forma, todas as áreas tiveram redução de despesas e, na Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), não foi diferente. O valor para as castrações nos próximos meses foi reduzido, mas os procedimentos seguem sendo realizados", diz a Semma, por meio de nota.
Pelo edital, segundo a Central de Licitações, não há uma estimativa mensal de procedimentos. Por isso, é autorizada a despesa conforme os recursos disponíveis no município. Isso significa que não há obrigatoriedade de consumir o quantitativo previsto, sendo que o estimado é de 8,4 mil procedimentos. O primeiro montante repassado a clínica veterinária Animali foi de R$ 100 mil. Já o segundo é de R$ 50 mil, para os meses de julho e agosto. No primeiro, o valor garantiu a castração de 700 animais, mas a clínica seguiu os procedimentos e realizou 215 procedimentos a mais do que o previsto. Assim, com o segundo repasse, como há o residual, serão castrados apenas 194 animais
A clínica Animali explica que até 20 de maio o repasse não havia sido feito pela prefeitura para a Semma e, consequentemente, não chegou até a clínica. No entanto, os procedimentos seguiram sendo feitos. A clínica foi, inclusive, advertida porque não deveria ter continuado com tais procedimentos.
O serviço ficou suspenso por uma semana em junho,segundo informações repassadas pela Animali. O novo repasse, de R$ 50 mil, foi encaminhado nos últimos dias de junho. Com esse valor vão ser castrados 194 animais em julho, com base na quantia empenhada, já que é necessário quitar o valor das castrações anteriores. Isso gera críticas por partes das ONGs, que consideram uma quantidade baixa de animais.
Entidades procuraram município
Diante disso, representantes do Instituto Patinhas, da Associação Voluntários Independentes Defendendo os Animais (Vida) e da Associação de Defesa Animal (Ada) estiveram na prefeitura na semana passada para conversar sobre o assunto. Primeiro, elas foram até o gabinete do vereador Rafael Bueno (PDT), onde apresentaram as preocupações referentes ao assunto. No centro administrativo, foram recebidas pela secretária de Governo, Grégora Fortuna dos Passos.
Depois da conversa, emitiram notas nas redes sociais onde questionaram a falta de repasses para castrações e a redução nos procedimentos e cobraram ações mais efetivas do poder público. O município, por sua vez, encaminhou material à imprensa onde rebate as informações. As ONGs, por sua vez, ressaltam que há distorção nessas informações e voltam a cobrar que o número de procedimentos seja maior. As denúncias de maus tratos e pedidos de ajuda referentes a animais machucados ou que vivem nas ruas são diários. Nas redes sociais das ONGs, há vídeos que chocam e provocam revolta, mas também mostram a realidade diária que as voluntárias enfrentam.
— A secretária Grégora nos disse que o valor não havia sido repassado à clínica, que fez castrações por conta própria, sem autorização. E aí a prefeitura, depois que nos manifestamos publicamente, emite nota e usa as castrações que havia suspendido, a favor do próprio município? — questiona a presidente do Instituto Patinha, Natiele Gomes.
Para ela, fica claro que as políticas públicas voltadas à causa animal não são prioridade. A secretária teria dito às ONGs que todas as áreas tiveram redução de repasses devido aos problemas financeiros do município, entre elas, as castrações. Contudo, Natiele frisa que chama a atenção alguns exemplos de para onde as verbas foram direcionadas:
— Ela nos disse que era complicado e que passaram para o produtor que não tinha brita. Eu questionei: mas tiraram verba de castração? Acham que uma cachorra vai esperar um mês para entrar no cio? Eles não tinham valor empenhado? Compromisso com a saúde pública? Nós saímos de lá sem esperança alguma. Estamos esgotadas. Não temos mais onde colocar cães resgatados, estamos com quase 60 animais em lares temporários — desabafa ela.
A reportagem contatou a secretária Gregóra, que pediu que a assessoria de imprensa de prefeitura fosse acionada. Lá, a solicitação foi que os questionamentos fossem encaminhados por e-mail. O vereador Rafael Bueno também afirma que a informação repassada é que as castrações seriam reduzidas devido a questões financeiras, o que gera preocupação:
— O empenho inicial seria de R$ 100 mil e a secretária (Grégora) nos disse que devido a problemas financeiros passou para R$ 25 mil. Isso dificulta o trabalho dos protetores, que buscam as fêmeas, especialmente nas periferias, e levam até a clínica para que sejam castradas. Elas cumprem um papel que é da prefeitura. Essa redução vai aumentar ainda mais o número de animais abandonados e de maus tratos. É importante destinar recursos para outras áreas, mas estamos falando de vidas e de saúde pública. Espero que o município reveja essa posição.
915 castrações, segundo o município
O município emitiu nota onde afirma que desde a metade de abril deste ano já foram realizadas 915 castrações, sendo 105 em abril, 402 em maio e 408 em junho. O diretor da Secretaria do Meio Ambiente (Semma), Henrique Koch, explica que, diferentemente de informações divulgadas nas redes sociais, não houve interrupção nas castrações em junho.
— O que não tivemos em junho foi o empenho, mas foram feitas mais de 400 castrações no mês. Já temos novo empenho para os meses de julho e agosto, de R$ 25 mil para cada um.
Em resposta a reportagem, o município diz ainda que, uma vez que as 700 castrações previstas em empenho foram realizadas, o serviço seguiu normalmente: "Para os meses de julho e agosto, já está confirmado novo empenho de R$ 25 mil para cada um. Importante observar que o empenho não é necessariamente mensal, ele ocorre conforme necessidade.", diz a nota. "Todas as áreas são importantes e a castração, sem dúvida, é um tema muito importante para o Governo. Ocorre que o Município passa por uma situação financeira delicada e foi necessário suprimir verbas em todas as secretarias. Nesse sentido, a fim de fazer frente as demandas da comunidade o importante é não desassistir nenhuma área.", segue a publicação.
Referente a queixas de maus-tratos ao longo de 2020, foram encaminhadas ao município 667 denúncias. Em 2021, foram 1.645 denúncias e, em 2022, até o momento, 994, sendo 146 em janeiro, 122 em fevereiro, 184 em março, 149 em abril, 200 em maio, 178 em junho e 15 em julho.
O que dizem as ONGs
"A situação em Caxias do Sul é mais do que crítica e, parte significativa do problema, é a descontinuidade no programa de castrações da prefeitura. Alguns meses sem castrações ou sem transporte significam um problema futuro a curto prazo. Nossa ONG tem trabalhado fortemente em castrações há muitos anos, mas ainda é insuficiente para uma cidade do porte de Caxias do Sul"
Silvana Mara Procedi - Presidente do Brecho ChiCão.
"O município divulgar que castrou 915 animais chega a ser vergonhoso. A ONG lançou o projeto Amar é Castrar e pagava os transportes quando não estava previsto no edital e ai agora não repassam o empenho. Nesse semestre, o GAP recolheu 59 animais. São quase 10 animais por mês. E isso tudo é reflexo da falta de castrações"
Aline Rech De Camillis - Presidente do Grupo de Apoio Pet (GAP)
"A questão é que não estão dando a devida atenção a essa situação. As castrações terem parado reflete diretamente não só no trabalho das ONGs, mas também na saúde pública. Como foi levantado, os casos de cães com cinomose e gatos com FIV/FeLV, tem aumentado drasticamente e sem as castrações, os números aumentam, já que a cada animal não castrado, pode vir uma grande ninhada. E nesses casos a população tem recorrido às Ongs que já não conseguem mais abrigar nenhum animal porque estão todas lotadas"
Natália Michel Bonato - Associação Voluntários Independentes Defendendo os Animais (Vida)
"Estamos com 58 animais em lar temporário pago e oito em lares solidários e temos alguns em outras cidades por falta de LT em Caxias. Ainda temos dois filhotes internados e uma cachorra. Somos uma das ONGs aqui de Caxias que mais resgata e doa animais, mas temos um limite também. Em 11 meses doamos 178 cães sendo que tivemos 56 cadastros que não passaram para adoção"
Natiele Gomes - Presidente do Instituto Patinhas
"Nós temos visto aumento significativo de abandonos de animais, incluindo abandono de ninhadas de cães e gatos. Famílias que anteriormente podiam arcar com os custos de alimentação de seus animais, hoje pedem ajuda seja pela diminuição da renda familiar ou pelo acolhimento de mais animais"
Rejane Rech - Engenharia Solidária
"Recebo cerca de 80 mensagens para verificar maus-tratos por dia. Estamos com 12 filhotes em clínicas e pagando diária. Em um ano de ONG averiguamos cerca de 500 denúncias, sendo que metade configura omissão, negligência. Foram 68 animais retirados até o momento, sendo que 16 estão em lares temporários pagos e já perdemos nove animais que morreram em virtude de maus tratos"
Andressa Mallmann Bassani, presidente Sem Raça Definida (SRD)
"Precisamos que se restabeleça normalmente as castrações porque não temos mais como acolher tantos animais em situações de vulnerabilidade. Outro fator muito importante é que o Canil Municipal conseguiu diminuir o número de animais desde 2021 , mas se não tiver um plano emergencial para esse setor , logo estará novamente lotado"
Daniela Gomes, presidente da Associação de Defesa Animal (ADA)