Conhecido como Abril Laranja, esse mês é voltado a ações para combater os maus-tratos aos animais. É o mês que também registrou o maior número de prisões em Caxias do Sul desde que a nova legislação entrou em vigor no Brasil, em 29 de setembro de 2020. Antes, quem cometia crueldade contra cães e gatos assinava um termo circunstanciado e não ocorria prisão e processo criminal. Hoje, esse agressor é preso. A pena é de quatro a cinco anos e pode chegar a seis anos e meio conforme agravantes, como é o caso da morte do animal.
Ao todo foram seis prisões em flagrante; três desde o dia 1º de abril. O caso mais recente foi registrado por volta das 17h de domingo (10) na Rua das Andorinhas, no Bairro Santa Fé. De acordo com a ocorrência policial, o tutor dos cães, de 83 anos, estava batendo com um cabo de vassoura e um cinto de couro em três animais adultos e em um filhote. A ONG Sem Raça Definida (SRD) acionou a Brigada Militar (BM) e informou que havia vídeos de dias anteriores do homem carregando uma sacola com nove filhotes da mesma ninhada mortos por ele.
Ao chegar ao endereço, os policiais avistaram os três cães visivelmente magros, acorrentados em um local sujo. Um laudo da veterinária que atendeu aos animais foi anexado à ocorrência. Eles foram levados juntos com um filhote para uma clínica, onde estão se recuperando. O homem foi preso. Nos outros dois casos, uma mulher de 40 anos foi presa no bairro Chaqueadas, em 2 de abril. Na moradia foram encontrados três filhotes mortos e dois cães adultos, que foram recolhidos pela ONG SRD. No dia 1º, um jovem de 20 anos foi preso depois de agredir e machucar um cão no bairro De Lazzer.
150 inquéritos em andamento
O cartório especializado da Polícia Civil funciona há quase um ano na cidade. O espaço fica no 3º Distrito Policial e investiga os crimes de maus-tratos e crueldade contra animais. Desde que os casos foram centralizados lá foram instaurados 150 inquéritos para apurar os delitos.
— Com a alteração legislativa, a demanda aumentou. Acredito que as pessoas passaram a denunciar mais a prática de maus tratos porque sabem que há prisão em flagrante. Esse foi o mês que mais teve prisões desde a nova lei — destaca o delegado Edinei Albarello, da 3ª Delegacia de Caxias do Sul, que responde pelo cartório.
Já o município recebeu até o momento 492 denúncias. Em todo o ano passado, foram 824. O coordenador do Departamento de Proteção Animal da Semma, o veterinário Paulo Vinícius Bastiani, ressalta que desde o começo desse ano até o momento, 70 animais foram recolhidos.
— Vimos um acréscimo, sendo que estamos ainda em abril, e temos um pouco mais de 50% do que foi no ano passado. Dessas 492, nove geraram processos que seguem correndo e três finalizaram em autuação, com encaminhamento para a delegacia. Acredito que esse aumento é porque há esse entendimento que é maus-tratos e que existe fiscalização e uma legislação. Acho que se sentem mais confortáveis em denunciar.
Ele explica que a fiscalização é constante e que a Semma pretende retomar palestras sobre os cuidados com animais:
— É comum ocorrerem notificações para que as pessoas possam corrigir as situações. Obviamente que se o animal estiver correndo risco de morte ele é recolhido imediatamente. Também percebemos que há muitos descuidos, e que é uma questão de educação, de descaso. Por isso estamos encaminhados para retomar as palestras e plantar essas sementinhas para reduzir o abandono, que tirem os animais das correntes sempre que possível e que tenham melhores condições de vida.
Trabalho das ONGs
As ONGs também atuam no combate diário de combate aos maus-tratos. A Sem Raça Definida conta com a parceria do Brechó Chicão para resgates e doação de ração, e da Engenharia Solidária para castrações e demais ações. Desde que entrou em funcionamento, em julho de 2021, a SRD, que se dedica a vistoriar essas denúncias, já atuou em 464 casos. Destes, em 212 ocorrências foram constatados maus-tratos.
— Alguns casos eram de negligência em função de problemas financeiros, e tivemos como ajudar, com banho, casinha e cobertores. Nesses, vemos a transformação acontecendo porque o cachorro sai do barro para dentro do sofá e conseguimos ajudar com a ração.
Desses 212 cães, cerca de 40 precisaram ser retirados dos tutores.
— Ainda temos alguns à espera de adoção. Outros foram assumidos por algumas dindas. Alguns têm muitos traumas. É um trabalho difícil para quem ama os animais. É uma dor que não tem como explicar, e há casos como o de uma cachorrinha, a Preta, que não conseguimos salvar. A tutora foi indiciada e, pelos relatos e lesões, as agressões quebraram a coluna dela. Para seguir nesse trabalho, precisamos focar nos que estão vivos, como no caso de domingo.
Para ela, a castração é um fator essencial para ajudar:
— As agressões começam quando a cachorrinha ou a gatinha está esperando filhotes. Depois vem a exclusão e o abandono. É preciso ações preventivas.
Mais de um ano à espera de atendimento veterinário
Para a presidente do Instituto Patinhas, Natiele Gomes, todos os casos de maus-tratos e abandono são difíceis, mas há dois emblemáticos. O abandono de uma cachorrinha, deixada na sacada de um apartamento em Caxias do Sul em fevereiro desse ano, e a falta de atendimento à Jujuba, batizada assim pela ONG, é um deles:
— Ela levou um chute no olho e ficou por mais de um ano com ele exposto. Ela foi negligenciada pelos tutores. Levamos para a veterinária, onde passou por cirurgia para retirar o olho, mas infelizmente por ter ficado tanto tempo com o olho dessa maneira virou um tumor. Após a análise, descobrimos que é um tumor maligno.
Ela conta que o sonho dos voluntários é que a cachorrinha, que é idosa, seja adotada:
— Jujuba tem uns 10 anos. Já fez quimioterapia e hoje vive uma vida normal. Não sabemos quantos anos ela tem de vida, mas nosso sonho é que um dia ela seja adotada e possa ganhar amor e carinho de uma família de verdade.
O que dizem as ONGs e protetoras
"É preciso fiscalização e que se façam cumprir as leis, tanto as do município, quanto as federais. As castrações são importantes para longo prazo, para diminuir os animais em nossa cidade e também o número de abandonados em via pública. Porém, não evita 100% dos abandonos e maus-tratos, infelizmente." Catia Giesch, Proteção Animal Caxias.
"Fiscalização efetiva todos os dias da semana, pois maus-tratos não ocorrem só em um dia. É preciso punição (aplicar as leis que já existem) e educação da população. Tem que instruir proprietários/tutores de animais sobre os cuidados básicos e cobrar melhorias no local para que o animal tenha uma vida digna." Elenise Tonin dos Santos - protetora independente
"Penso que poderiam fazer palestras de conscientização para as comunidades (nos clubes de mães, centros comunitários). Também que as leis sejam cumpridas para que os agressores sejam punidos. A castração seria a primeira parte da palestra: falar sobre a importância da castração para evitar ninhadas que serão abandonadas, doadas sem critérios ou exterminadas por pessoas sem noção. O Castramóvel auxiliaria muito: os veterinários iriam aos bairros e as pessoas não precisariam se preocupar com transporte" Jovita Galeão, Brechó Chicão
"Tem que fiscalizar, cumprir a lei, porque as pessoas se mudam e colocam os animais na rua. Os gatos mansos que estão na rua tiveram casa e, nestes casos, todos sabem os dados dessas pessoas, e tem que denunciar. A castração é essencial para evitar o abandono e os consequentes maus- tratos. As pessoas precisam aprender que animais não são objetos" Simone Ferreira, Peludos em Apuros
"Existem três frentes extremamente importantes: a sensibilização das crianças, a castração em massa e a devida punição para quem comete maus-tratos. Muita gente acha que não temos leis suficientes que protejam os animais, mas, na verdade, muitas vezes o que acontece é a má vontade, negligência e despreparo de quem deveria fazer com que as leis sejam cumpridas. Enquanto as pessoas acreditarem na impunidade continuarão abandonando, negligenciando e maltratando os animais. É extremamente importante que maus-tratos é crime federal" Natasha Oselame Valenti, da Soama
Denúncias
Para denunciar maus-tratos a animais em Caxias é necessário entrar no site semma.caxias.rs.gov.br ou ligar para o telefone (54) 3901-1445. Atualmente, não há plantão na secretaria, mas a Semma afirma que está ampliando o quadro de funcionários. As denúncias também podem ser feitas no cartório especializado da Polícia Civil, que fica no 3º Distrito Policial, na Rua Dr. Montaury, no bairro Centro. É possível denunciar ainda no site da Polícia Civil do RS ou na Central de Polícia, na Rua Irmão Miguel Dário, 1.061, no bairro Jardim América.