A nova legislação que combate maus-tratos a animais — cães e gatos — completa um ano nesta quarta-feira (29). Em um ano de vigor da nova lei foram registradas três prisões em flagrante pelo crime em Caxias do Sul. Isso porque a Lei 14.064 aumenta a pena para agressores e prevê prisão em flagrante para quem maltrata os bichinhos de estimação. Antes, quem cometia maus tratos assinava um termo circunstanciado porque o agressor ficava sujeito à Lei 9.605, de 1998, que estipulava detenção de três meses a um ano de prisão, além de multa, aumentando a reclusão em até um terço no caso de morte. Não ocorria prisão e processo criminal. Hoje, caso a agressão seja contra cães e gatos, esse agressor é preso. A pena é de quatro a cinco anos e pode chegar a seis anos e meio conforme agravantes, como o caso da morte do animal.
A cidade conta desde 28 de abril deste ano com o cartório especializado da Polícia Civil para investigar crimes de maus-tratos e crueldade contra animais. O espaço fica no 3º Distrito Policial, e assim os casos são centralizados, já que antes as apurações eram divididas no três distritos policiais. As verificações são em conjunto com o Departamento de Proteção Animal da Semma. Os servidores da prefeitura são responsáveis pela fiscalização, enquanto a Polícia Civil fará o inquérito policial quando houver a confirmação de crime. Nesses cinco meses já foram registradas 314 denúncias.
O município também recebe cerca de seis a sete denúncias de maus-tratos por dia. De setembro de 2020 até esta terça-feira (28), a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) já recebeu 1.493 denúncias, sendo que 1.104 foram arquivadas ou encerradas. Também foram recolhidos 31 cães e gatos, sendo que 14 foram abrigados no Canil Municipal e os demais encaminhados a lares temporários por ONGs.
"Um crime contra os animais é também um crime contra a humanidade", aponta delegado regional
O delegado regional de Caxias do Sul, Cleber Lima, lembra que a nova legislação contempla uma demanda da sociedade e protege os animais que sofrem com a crueldade humana:
— Um crime contra animais é também um crime contra a humanidade, contra a civilidade. Todos os dias surgem denúncias e o trabalho tem sido intenso para identificar o que procede e o que não configura maus-tratos. A polícia não pode virar as costas para essas solicitações, mas, sim, dar a causa a importância que ela merece —afirma ele.
O delegado ressalta também que a demanda aumenta a cada dia:
— Todos os dias chegam denúncias. A Polícia Civil, ao confirmar maus-tratos, fará o procedimento policial, remeter o processo ao poder judiciário com indiciamento ou até a prisão da pessoa que cometeu o crime. Por outro lado, nós precisamos ter uma rede de apoio, porque ao retirar o animal daquele tutor ou espaço, ele precisa ser levado para um abrigo.
Com a nova lei quem comete maus tratos é preso
Daniela Cargnino é quem recebe diariamente denúncias de maus-tratos na Polícia Civil. Para ela, a lei é positiva, mas ainda não é a ideal:
— A pena aumentou, o que incentiva a conscientização, porque até a modificação da lei tudo era termo circunstanciado. No caso desses animais domésticos, o crime é inafiançável e a pena é superior a quatro anos. O agressor vai para o presídio, mas, infelizmente, não permanece preso porque não é entendido que essa pessoa é um risco para a sociedade. Essa pessoa também sentirá no bolso, vai dispender de um valor considerável. A lei veio para mudar aquela crença "ah é um animal e não acontece nada". Acontece sim! — aponta ela.
Das 314 denúncias até o momento, 30% a 40% geram inquérito policial e os agressores são indiciados. Daniela ressalta que os maiores casos são de negligência e omissão:
— Nem sempre o tutor não tem a intenção de machucar o animal. Ficar preso a uma corrente curta é cruel. Não castrar, não vacinar, não dar uma alimentação adequada também. É importante a conscientização da sociedade, com programas educativos ou projetos da prefeitura para trabalhar essas questões nos bairros da cidade. Também é preciso ampliar as equipes da Semma e da própria polícia para que possamos ter efetivo para atuar nos casos.
Daniela aponta ainda que na cidade há um sério problema em relação aos caçadores.
— Hoje, só é permitido caçar javali, mas verificamos caça ilegal e estamos trabalhando forte para em conjunto com a Patram para combater essas práticas. Sabemos que existem muitos caçadores que deixam os animais sem comer para que eles estejam famintos para caçar, e também que ficam machucados e não recebem atendimento veterinário — ressalta.
"Há muitos descuidos com os animais", aponta coordenador do Departamento de Proteção Animal
O coordenador do Departamento de Proteção Animal da Semma, o veterinário Paulo Vinícius Bastiani, afirma que em alguns casos os animais são recolhidos na hora e, em outras, os tutores são orientados a modificar e melhorar o espaço onde está o animal.
— Percebemos que há muitos descuidos com os animais. As pessoas os mantém em locais inapropriados, sem abrigos, presos em correntes ou cordas muito curtas ou alimentam com polenta, deixam sem água, sem abrigo. Isso é maus-tratos. Negligenciar o animal, não levar para a consulta veterinária ou medicar em casa também são atos de maus-tratos. Nesses casos, eles são notificados para providenciar as alterações e o atendimento.
"Nunca sabemos o que vamos encontrar em uma denúncia", conta presidente de ONG que combate maus-tratos
Andressa Mallmann Bassani é presidente da ONG Sem Raça Definida (SRD). Criada há cerca de dois meses e meio em Caxias do Sul, a entidade conta com a parceria do Brechó Chicão para os casos de resgates de maus-tratos e também de auxílio com ração em trabalhos sociais em bairros da cidade e da Engenharia Solidária para castrações e demais ações. Desde que entrou em funcionamento, a SRD já atuou em 46 casos. Andressa ressalta que todos os casos de crueldade, agressões e retirada de animais resultam em boletins de ocorrência:
— Registro boletim de ocorrência toda semana. O Cartório Pet, a Polícia Civil tem sido muito eficaz nas punições e inquéritos e sempre temos resultados ou busca de soluções dos casos. O trabalho é sempre muito sério e focado. Se formos avaliar, de cinco anos para cá podemos dizer que a mudança é imensa. Creio que com multas, prisões e a instrução de respeito e dignidade com animais vai mudar a cada dia esse contexto da triste realidade que animais de todas as espécies vivem.
Andressa conta ainda que a cada denúncia encara o desconhecido. Há negligência, omissão, mas também crueldade:
— Nunca sei o que realmente vai ter por trás da porta. Recebi a denúncia de que um filhote estava morto na calçada de uma casa mas, ao chegar lá, eu encontrei uma mamãe dentro de um buraco no porão. Ela escondeu os filhotes e se alimentou deles porque ela não tinha o que comer. Estava presa lá dentro. O tutor se mudou, levou ela junto e, quando viu que ela esperava filhotes, levou de volta. A cena e o cheiro são inesquecíveis.
Outro casos que chocaram a protetora são da filhote Ravena e de Luzía:
— A Ravena é uma pitbull de nove meses que pesa três quilos. Ela estava presa em um porão de uma casa com cadeado na porta. Ficava dias sem ser alimentada. Foi um dos casos mais comoventes. É como se ela tivesse sido mantida em cárcere privado. A Luzía foi encontrada por um motoboy numa noite de sábado sentada no meio da rua. Ela estava paralisada. Parte dos olhos dela foram arrancados possivelmente com uma faca de serra. Ela tinha sinais de estrangulamento também.
Nessas horas, ela tenta entender o que leva a tanta brutalidade, mesmo sabendo que não há motivos que justifiquem a crueldade.
— É muito chocante, ainda mais quando a gente começou a perceber a evolução da Luzía na clínica. Ela ficou completamente cega. É uma cadela jovem, e da noite para o dia o mundo dela ficou escuro. Mesmo assim, ela seguiu sendo uma cachorrinha dócil, balançando o rabo, alegre, ela não tinha nenhum traço de agressividade. A gente procura uma motivação e não encontra, é maldade. A Luzía foi adotada e os outros estão lutando pela vida.
Para ajudar a ONG, as pessoas podem atuar como voluntários, doar rações, medicações, roupas pet, casinhas e dinheiro para ajudar nos custos das clínicas veterinárias e lares temporários. A doação pode ser pelo Pix (ongsrdoficial@gmail.com).
O que diz o MP sobre a nova lei
Para a promotora Janaína De Carli dos Santos, é necessário que a lei avance para incluir cavalos, galos e aves silvestres, por exemplo.
— A lei é boa porque tem uma punição maior. Temos feito acordos, o inquérito vem da delegacia e chamamos o indiciado na promotoria, e se ele não tem antecedentes criminais e está dentro do que prevê a legislação propomos esse acordo para evitar que ele seja denunciado criminalmente.
Nesse acordo, o infrator tem que pagar um valor, doar para um órgão ambiental ou prestar serviços comunitários. Até o momento foram feitos 10 acordos e em todos eles, o tutor perdeu a guarda do animal.
— Um dos maiores problemas na nossa cidade e que a lei poderia avançar é prever abrigos para animais retirados de maus-tratos. Tem que determinar que o município tenha um local para abrigar eles. Acredito que talvez com o Parque Municipal da Proteção Animal isso seja previsto.
Denúncias
:: Formulário online no site da prefeitura de Caxias
:: Telefone da Semma: (54) 3901.1445
:: Polícia Civil: por meio de ocorrência no site ou presencialmente na Central de Polícia, na Rua Irmão Miguel Dário, no bairro Jardim América. Informações no (54) 3220-9266.