O serviço de castração gratuita está suspenso em Caxias do Sul desde dezembro, quando encerrou o contrato com a empresa que havia vencido a licitação em 2020. Para quem atua na proteção animal, essa demora para licitar uma nova clínica agrava ainda mais o cenário de abandono e maus tratos aos animais na cidade. O município alega que encaminhou a documentação necessário para a Central de Licitações (Cenlic) em 9 de setembro de 2021.
— Imaginem 500 animais sem castrar em cada mês. Com todos os trâmites burocráticos pensamos que levará em torno de 60 dias até a contratação. Isso é inadmissível. É um absurdo ainda mais pensando na quantidade de animais que são abandonados, inclusive ninhadas. Não temos como ajudar e nem amparar e também não podemos levar para o canil. Então o que fazemos? — questiona Bernardete Santini, da Associação de Defesa Animal (A.D.A)
Natiele Gomes, do Instituto Patinhas, ressalta que como no ano passado não tinha transporte para levar os animais, o número de castrações reduziu. A situação agora é ainda pior:
—Nos últimos três meses recolhemos 25 filhotes, e ainda ajudamos indiretamente na doação de outros que são abandonados para morrer. O número de mãezinhas e filhotes abandonados é reflexo da falta de castração. As cachorras são abandonadas e o mesmo ocorre com os filhotes.
Morgana Lisot da S.O.S Peludos aponta que as cachorras e gatas não esperam uma nova licitação para ter uma nova ninhada.
— Para nós, tal ausência só demonstra a desorganização e o descaso do poder público com a causa animal da nossa cidade, o que justifica o aumento absurdo de animais nas ruas, ONGs superlotadas, e a prefeitura de braços cruzados. O reflexo é altamente desesperador, pois diariamente recebemos dezenas de pedidos de ajuda para recolhermos cadelas prenhas, ninhadas de cães e gatos abandonados em locais ermos e o total descontrole do aumento da população animal - desabafa ela.
Alternativas para amenizar o problema
Para Bernardete, o ideal seria a contratação de duas clínicas credenciadas à prefeitura.
— Temos certeza de que, se for feita castração em massa, em torno de três anos, mudaremos drasticamente a situação de abandono e maus tratos em Caxias. Caso contrário daqui uns meses estaremos tropeçando em animais pelas ruas da cidade. A castração é a maior arma que temos para lutar pelo controle populacional dos animais e no momento nos encontramos totalmente desarmados.
Já Natiele ressalta que as informações sobre como funciona o processo de castrações não chega da maneira certa à comunidade:
— As pessoas iam nas UBSs dos bairros e os servidores não sabiam informar sobre o procedimento. Não divulgam massivamente também para chegar ao maior número de pessoas.
Castramóvel pode salvar vidas
Caxias recebeu no ano passado uma emenda de R$ 168.496 para aquisição de um castramóvel, que é uma unidade equipada para ir até os bairros, com uma equipe especializada para realizar os procedimentos. Agora aumenta a expectativa para que o projeto saia do papel em Caxias.
Para uma das fundadoras e voluntária da ONG Amor Vira-Lata, Heloisa Nardino Gazzola, a implantação do Castramóvel pode salvar muitas vidas.
— É a melhor solução porque vai nos bairros com dia marcado. Se a pessoa não está um vizinho pode pegar e levar o bichinho. Castrar é o maior investimento em saúde pública animal que pode ser feito. Precisamos de um política mais rígida de controle populacional, mas, por enquanto, o castramóvel pode ajudar a amenizar. Quem castra um salva 100, 200, salva muitos.
Colônias de gatos
Outra questão que preocupa as protetoras são as colônias de gatos. Nos locais, em vários pontos da cidade, os animais procriam, e como estão na rua, sem cuidados passam doenças uns para os outros. Algumas dessas doenças, como o calicivírus, a imunodeficiência felina, a leucemia felina e a peritonite infecciosa, são muito contagiosas entre gatos e podem levar os felinos a morte.
— Os gatos,por serem na maioria das vezes mais silenciosos e medrosos, não são vistos frequentemente durante o dia, o que dificulta na captura para castração. Como eles são noturnos, poucos gatos são identificados o que facilita a procriação desenfreada - alerta a protetora Elenise Tonin dos Santos.
Ela defende ainda que a população precisa de apoio do poder público com castração e de uma equipe que tenha treinamento e especialização para o caso dos gatos que procriam rapidamente.
— Os gatos em situação de rua, são capturados com o auxílio de arapuca e encaminhados para castração. Quem faz este trabalho atualmente? As protetoras independentes e as ONGs. Trabalho que requer tempo e paciência pois não é simples capturar os felinos, são horas, dias, meses, para conseguir que alguns gatos sejam capturados e encaminhados para a castração. O poder público, deveria disponibilizar arapucas e dar instruções de como proceder para que sejam capturados após providenciar a castração e soltura destes animais. Muitas vezes, não é possível socializar estes animais e o ideal é solta-los no mesmo local em que foram pegos.
Mudanças no edital
O diretor da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), Henrique Koch, explica que o processo de licitação começou ainda em 09 de setembro. Ele ressalta que nesse edital está previsto o retorno do transporte, ou seja, os animais serão levados pela contratada até a clínica.
— Infelizmente, devido à burocracia está demorando bastante para sair o edital. Também houve algumas dúvidas como a questão do valor do transporte. Como não existe um serviço exclusivo de transporte de animais para orçar, tivemos que esclarecer isso, o que aumentou o tempo. Agora o transporte está incluído na licitação. A nossa ideia é que o edital fosse lançado agora. Se tudo estiver alinhado, acredito que não deve passar muito de janeiro.
Na semana passada, a Secretária de Gestão e Finanças solicitou a Cenlic que o modelo de licitação fosse alterado:
— O que a gente estava preparando antes era o valor do total, então temos valor de X castrações, e aí claro quanto mais barata a castração maior o número de atendimentos. Vamos mudar para uma modalidade que se chama registro de preço, a gente não vai fazer no valor total que temos na LDO (lei de Diretrizes Orçamentárias). Vamos ver quanto a clínica irá cobrar por cada castração, quem fizer a mais barata ganha, e ai é por registro.
O valor estimado para as castrações é R$ 535 mil.
Licitação para unidade móvel
De acordo com Koch, a licitação do castramóvel também será iniciada este trimestre, mas antes o município pretende modificar o código de posturas:
— Tem uma lei federal e municipal de proteção. Ela diz que se pegarmos um animal da rua, uma fêmea, não podemos castrar e soltar, porque configura abandono, então o município não pode recolher animal de rua, castrar e soltar, porque estamos sujeito a essa lei. Também não temos estrutura para castrar e ficar ou vamos virar novamente uma favela de animais. Vamos fazer uma modificação no código de proteção para isentar o município do abandono para fazer essas ações de castração nos bairros. Pretendemos que seja uma ação contínua em conjunto com universidades e isso vai reduzir o número de animais de rua.