Desde a última segunda-feira (2), a Universidade de Caxias do Sul (UCS) tem um novo reitor. O professor Gelson Leonardo Rech, 51 anos, assumiu a gestão da instituição, que completou 55 anos de fundação em 2022. Caxiense, nascido em Fazenda Souza e com a formação ligada à igreja católica, o novo reitor falou sobre a trajetória e os planos para a instituição.
Rech é o mais novo entre sete irmãos, filhos de Armindo Luiz Rech e Erides Lourdes Rech, 86 anos. A convivência com Armindo foi possível até os 18 anos, quando ele faleceu, enquanto a mãe segue recebendo as visitas do filho na casa onde mora, no bairro Serrano. Sobre o pai, lembra que era um colono muito simples e trabalhador, que plantava e era um bom conhecedor do tempo e do clima. Também falava rotineiramente o talian, idioma perpetuado pela família e que contribuiu para que Rech buscasse aprender novos idiomas. Uma das suas coleções são cerca de 40 bíblias, escritas em polonês, chinês, turco, entre outros.
— São os meus xodós — conta.
Da mãe, veio a vocação pela educação. Rech conta que dona Erides era uma professora voluntária em Fazenda Souza, que ensinava crianças a ler, escrever e calcular. Insistente, driblou até mesmo a contrariedade do seu pai, que preferia que a filha deixasse de estudar e lecionar para que fosse trabalhar na agricultura.
— Minha mãe é uma pessoa que me inspira bastante, por essa história bonita e pela sensatez dela. Ela é uma mulher muito sábia na simplicidade dela. É uma pessoa prudente, tem um grande autocontrole e não tem grandes paixões e desejos de conquistas gigantescas. Ela sabe do tamanho dela. E isso também me inspira, penso dessa maneira. Tenho um certo autocontrole, tenho foco, e esse exemplo familiar me acompanha — afirma.
Ainda sobre a família paterna, o reitor também é tataraneto da Anna Maria Pauletti Rech, imigrante italiana que empresta seu nome a uma das mais importantes localidades de Caxias do Sul. Ela chegou à Serra gaúcha em 1877, aos 46 anos, acompanhada de oito filhos, após a morte do marido. A partir disso, revolucionou a história caxiense, participando ativamente das primeiras décadas de existência e construção da região.
Anna também cultivou a visão de compartilhar com a comunidade os frutos de seus ganhos e, ao longo da vida, doou parcelas de terras para diversas entidades da região, como a igreja.
— Ela me marca muito, pela força de uma mulher que tem filhos para criar, é viúva e teve essa generosidade com a igreja naquela época. Era uma empreendedora. Isso realmente para a história da nossa família é muito marcante e significativo — destaca.
Vinda para a cidade
Quando Gelson Rech tinha três anos, em 1973, a família migrou da zona rural para a urbana e foi morar no bairro São Ciro. Ele estudou na escola rural do bairro, conhecida hoje como Escola Estadual Érico Veríssimo, até a então chamada 8ª série. Após, retornou para Fazenda Souza, aos 13, desta vez para morar e estudar no Seminário Josefino, responsável pela formação de jovens que desejavam ser padres. Durante 11 anos, cursou Filosofia e Teologia e fez votos de pobreza, castidade e obediência.
Para ele, o desejo de se tornar um religioso também veio de família, mas acabou ganhando um novo rumo ao deixar a instituição.
— Minha família sempre foi muito religiosa. Minha mãe foi zeladora de capelinha e ministra da Eucaristia. Também fui coroinha. Era muito tranquilo, sereno, me sentia bem com as questões religiosas. Obviamente, vamos estudando, progredindo, amadurecendo e vamos fazendo o discernimento das coisas. Acho que isso é bonito: vamos nos conhecendo. E o próprio processo educacional faz isso. Faz com que conheçamos as nossas potencialidades, competências e virtudes. E o discernimento faz com que tomemos as melhores decisões. Acredito que tomei uma decisão muito serena e madura, tanto é que continuo com grandes amigos lá (no seminário). Saí pela porta da frente e estou muito realizado com a minha família — explicou.
Após a saída do seminário, Rech foi trabalhar em Porto Alegre, em uma livraria. Também passou a dar aulas no Colégio Bom Jesus Sévigné. Entretanto, o desejo de ficar mais perto da família abreviou a trajetória dele na Capital. Ao retornar para a Serra, soube do processo seletivo para trabalhar no Hospital Geral (HG), onde foi contratado. Em dezembro de 1997, assumiu como o primeiro coordenador de atendimento na unidade que seria inaugurada meses depois. Começava ali a trajetória do novo reitor com a UCS.
— O HG foi uma grande benção para Caxias do Sul. Me recordo que as pessoas que vinham ser atendidas eram muito gratas. Como o hospital foi abrindo aos poucos, paulatinamente, ele era menor no início e tínhamos um contato muito direto com as pessoas. As manifestações de avaliação sobre o hospital eram muito dialógicas, muito próximas e conseguimos colher muitas informações — relata.
Rech permaneceu no HG até 2005. Dois anos antes, ingressou na UCS como professor concursado na área de Filosofia e Educação, onde desenvolveu a carreira. Em 2014, assumiu a função de Chefe de Gabinete da reitoria da UCS. Com o cargo de reitor, Rech se despede da docência. Sua última aula foi na quinta-feira (5), na turma de mestrado e doutorado em História.
— O foco agora é a gestão. De corpo e alma, 24 horas, pensar a instituição junto com a minha equipe e com o nosso vice-reitor. Queremos ser a melhor universidade comunitária do Rio Grande do Sul. Para isso, precisamos ter muito foco, determinação, um planejamento estratégico muito claro e atuar fortemente nisso.
A última aula teve uma surpresa. A filha Manuela, de um ano e nove meses, apareceu na transmissão pela internet. Além dela, ele é pai de Arthur, nove anos.
— Ela (Manuela) é um amor de criança, uma bonequinha. Ontem à noite (quinta), quando eu estava dando aula, ela entrou no quarto. Já consegue abrir a porta sozinha. Olhou para mim, sorriu e não tive como não apresentá-la para os alunos na aula. Isso me emocionou porque eu estava cansado de um dia longo. A educação transforma o mundo e também quero deixar um mundo melhor para os meus filhos — afirma.
Nos momentos livres, gosta de música e de leitura.
— Fui professor de violão e gosto de tocar piano. Não sou brilhante, mas gosto. Eu também sou um leitor. Tem um ditado em latim que fiz "Nulla dies sine linea", que é nenhum dia sem ler uma linha. Tenho uma pequena biblioteca, reviso os livros, pesquiso bastante. Gosto da natureza, ir para a colônia, mexer na terra, visitar os parentes, sou muito simples — conclui.
Homenagem do melhor aluno da professora Ione
Um momento especial marcou a posse de Gelson Leonardo Rech como reitor da UCS, na última segunda-feira (2). Ele convidou a primeira professora, Ione Quadros, para acompanhar a cerimônia. Ela foi responsável por alfabetizar o jovem na Escola Érico Veríssimo, no bairro São Ciro, no final da década de 1970.
— Ela (Ione) me marcou muito. A filha dela estudava na mesma série. Ao longo desses 40 anos, via ela (filha) em alguns compromissos. Mas fazia muito tempo que a encontrava. Veio muito espontaneamente dentro de mim a necessidade de convidar. Me emociono porque os professores da educação básica são importantíssimos. Precisam ser valorizados. Tenho filhos sendo educados por professores formados aqui — afirma.
Ione lecionou na escola por 22 anos e conta qual era o perfil do novo reitor em sala de aula. O convite foi feito logo após a eleição dele como reitor, em janeiro deste ano.
— Ele sempre foi um aluno disciplinado, prestativo, educado e muito comunicativo. Sempre foi o melhor da classe, aprendia rapidamente as lições e buscava ajudar os demais. Foi uma honra participar desse momento (posse) da vida dele. Depois de tanto tempo, ser lembrada por ele, é emocionante.
Para ela, a educação é o melhor caminho para atingir os objetivos.
— O novo reitor é um exemplo disso. Amo ele como se fosse meu filho e lhe desejo muito sucesso — afirma.
“Temos que demonstrar a importância do Ensino Superior”
Rech recebeu a reportagem do Pioneiro na manhã desta sexta-feira (6) em seu gabinete, na UCS. Durante a conversa, ele destacou as ações que estão no planejamento da instituição, falou sobre novos cursos de graduação a partir do segundo semestre, da importância de atrair estudantes para o Ensino Superior e também da necessidade da construção de um novo prédio até 2025.
Os investimentos serão por meio de um aporte de R$ 100 milhões, autorizado pelo Conselho Diretor da Fundação Universidade de Caxias do Sul (Fucs), com recursos provenientes da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia
Confira a entrevista.
Pioneiro: Na sua posse como reitor, o senhor afirmou que quer tornar a UCS a melhor universidade comunitária do Estado. Como isso será possível?
Gelson Leonardo Rech: Temos um planejamento estratégico elaborado com 60 pessoas, entre diretores e coordenadores. A equipe que assumiu agora participou desse planejamento. Traçamos sete diretrizes, 24 objetivos estratégicos e mais de 200 ações a serem realizadas entre 2022 e 2026. Nós sabemos para onde vamos. Como diz Sêneca, não há vento favorável para quem não sabe para onde vai. Como nós sabemos, vamos poder aproveitar os ventos. Esse planejamento é dinâmico, considera as conjunturas dos elementos que acontecem ao nosso redor, mas temos clareza de vários elementos que poderão catapultar a instituição nessa elevação de grau, de conceito e de ranqueamento.
Quais serão essas ações?
Vamos investir em inovação, que é um dos critérios de classificação e ranqueamento, tornar a universidade mais inovadora. Com os investimentos anunciados, vamos ampliar o Parque de Ciência, Tecnologia e Inovação (TecnoUCS). Vamos captar mais projetos, que é um elemento importante. O que eu entendo ser o principal é uma grande reestruturação dos cursos de graduação e pós-graduação. É um dos elementos fortíssimos. Queremos melhorar os conceitos dos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Existe um ranqueamento nesse sentido, uma régua que o MEC (Ministério da Educação) coloca, e conceitos que devemos alcançar. O próprio MEC tem os seus critérios. Vamos pautar também a nossa gestão buscando atender a esses critérios em plenitude. Essas são as três ações mais importantes e claras que temos. Ainda, vamos melhorar a infraestrutura da área de Ciências da Vida, que nós temos muitos cursos. A nossa finalidade é a excelência acadêmica. Não é só estar bem no ranking, mas queremos ser os melhores para darmos as melhores condições e fazer com que os nossos alunos desenvolvam as competências necessárias para serem bons profissionais.
A reestruturação dos cursos envolverá todas as modalidades oferecidas pela UCS?
Eu gosto de chamar a reestruturação de uma re-inovação. Temos que voltar a analisar os currículos dos cursos de graduação. Já tivemos esse movimento na instituição, isso é próprio das instituições revisarem como está o nível pedagógico dos cursos, as propostas, o status da ciência dentro dos cursos e das disciplinas. Dessa vez, a ideia é re inová-los. É renovação com inovação. Fazer uma profunda análise, identificando os pontos fracos e fortes, tornando-os mais atrativos e adequados à contemporaneidade. E também para as gerações que estão entrando. Daqui a pouco vamos começar a receber a geração Alpha, que nasce a partir de 2010, e nós temos que nos adaptar a isso.
Esse movimento prevê que a instituição possa ter menos cursos do que os oferecidos atualmente?
A re-inovação é curricular. É uma análise dos currículos que existem. Quanto à ideia de ter mais ou menos cursos, é outra análise que já começamos a fazer. O que o mundo necessita? Os cursos clássicos que temos ou precisamos criar novos cursos? Nós entendemos que precisamos criar novos cursos. Inclusive, vamos lançar novos cursos no segundo semestre. Estamos aperfeiçoando. Mas temos também a consciência de algumas coisas. Somos uma instituição muito responsável quanto à formação de professores e algumas coisas não abriremos mão, como os cursos de licenciatura. Já formamos mais de 20 mil professores na região. Isso muda o mundo. Nós acreditamos na educação como um todo. Nosso país tem um grande déficit de pessoas com Ensino Superior. Se formos comparar com os Estados Unidos, lá tem 43% da população com Ensino Superior. No Brasil, são 20%, 21%. Acreditamos que devemos continuar oferecendo cursos de qualidade, ampliar as ofertas e acolher o máximo de alunos.
Como é possível atrair mais estudantes para o Ensino Superior?
Acreditamos que temos que demonstrar a importância do Ensino Superior. Entendo que, hoje, há uma relativização dessa importância. No entanto, pesquisas apontam que quem tem Ensino Superior chega a ganhar (salário) 152% a mais em relação a quem não tem. Temos que construir esse argumento da relevância. No Brasil, na faixa dos 18 a 24 anos, temos 17,9% de pessoas que estão matriculadas em uma universidade. A meta do Ministério da Educação é de 33%. Um dos caminhos é tornar os cursos mais atrativos. Por isso, estamos esse movimento de re-inovação curricular. Talvez tenhamos que ter mais oficinas, mais estágios, atividades práticas, ateliê, vivências, mais utilização dos laboratórios. A própria internacionalização que queremos avançar, permitindo que o estudante tenha uma dupla diplomação, possa fazer uma experiência fora da UCS, mas acompanhado pela instituição. Vamos refinar essas ideias.
O que a gestão da UCS aprendeu com a pandemia?
Aprendemos a ser mais solidários. Somos uma instituição comunitária, voltada para o desenvolvimento da região e, durante a pandemia, desenvolvemos mais de 20 ações para auxiliar no combate à pandemia. Aprendemos muito nesse período a lidar com o mundo digital de uma forma mais acelerada do que já estávamos prevendo. Temos um projeto de transformação digital da instituição e a pandemia acelerou. Fomos uma das primeiras universidades do Rio Grande do Sul, se não a primeira, em uma semana (após o início da pandemia, em março de 2020), voltar às atividades, plenamente, de forma remota. Nos ensinou que temos capacidade instalada, que temos professores que se adaptam. Nossa comunidade de professores é maravilhosa. Saliento isso e me emociona. Conseguiram voltar às suas atividades e atender aos nossos estudantes.
Quais são os desafios à frente da instituição nesse período?
É buscar uma maior conexão com a sociedade, organizações e fazermos pesquisas de impacto. Se nós queremos ser a melhor universidade comunitária do Estado, precisamos dar atenção aos estudantes de graduação, da pós-graduação, as empresas que quiserem se conectar conosco e atenção à inovação e para as pesquisas que respondam questões pontuais. Essas são as nossas preocupações. Espero que não tenha uma outra pandemia.
O senhor atuou na administração do Hospital Geral e tem um vice-reitor que é médico. De que forma a sua gestão à frente da UCS pode representar mais investimento na área da saúde?
A área de Ciências da Vida está em expansão. Hoje, é a nossa maior área em quantidade de alunos. Sempre temos ideia de expansão dessa área. Parte do investimento que tomamos, que não é dinheiro em caixa, e que o Conselho Diretor aprovou, vai ser para melhorarmos toda a área da Vida. Percebemos uma busca maior por essa área ultimamente. Cursos que vamos lançar no próximo semestre tem a ver com essa área.
Existe preocupação do ponto de vista financeiro em relação à universidade?
A sustentabilidade financeira, ambiental e social sempre é uma preocupação e está no nosso planejamento. Somos uma instituição que zela pelos seus recursos. Cerca de 80% da nossa receita vem do pagamento de mensalidade dos alunos. Sempre há uma preocupação na captação e na manutenção dos alunos, na permanência deles. Se formos considerar todos os alunos de graduação, pós-graduação, línguas estrangeiras, Cetec e UCS Sênior, estamos com 22,5 mil alunos.
Há planos para reestruturação da estrutura da UCS?
Na estrutura organizacional, fizemos uma mudança com a implantação de uma pró-reitoria de inovação, que antes não havia. Separamos a pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação e também criamos uma diretoria de Relações Institucionais para cuidar dos Campi e reavaliar a regionalização, que começou em 1993. Dividimos a pró-reitoria de graduação, que vai tratar somente da graduação e a parte de extensão, que antes estava neste guarda-chuva, fica com a vice-reitoria. Quanto à parte estrutural, vamos ter mudanças. Com esse aporte financeiro do Finep, que vamos receber na medida em que consigamos aprovar todos os projetos, vamos ampliar e reformular vários ambientes. Temos que acompanhar o tempo e as necessidades, por isso nosso planejamento prevê adequações. Tomamos decisões para obter excelência acadêmica. Vamos implantar novos laboratórios e alguns prédios vão sofrer mudanças substanciais. Também vamos criar um novo prédio para abrigar as empresas (do TecnoUCS).
Onde será esse novo prédio?
Nossos estudos apontam que, nesse momento, a melhor localização é próxima ao atual prédio do TecnoUCS. A localização é central, temos ali um estacionamento organizado, proximidade com outros laboratórios, o que evita a não multiplicação de estruturas.
Existe uma previsão para início das obras?
Aprovado o recurso junto à Finep, vamos trabalhar no projeto arquitetônico. Temos um prazo de três anos, esse é o nosso escopo, para fazer todas as obras e inaugurá-las. Algumas talvez um pouco antes. Os investimentos na área de Ciência da Vida conseguiremos fazer antes desse prazo. Esse novo bloco, para abrigar as empresas, nós pensamos em um prazo máximo de três anos para ter aprovação e a inauguração.
Quais os investimentos previstos para o setor cultural? A UCS manterá a estrutura da Orquestra Sinfônica?
Sobre a orquestra, nós mantemos um quarteto de músicos fixos e um setor cultural próprio, como sempre tivemos. Mantemos a ideia de uma orquestra UCS e buscando Leis de Incentivo para cada apresentação ou um parceiro que subsidie. Gostamos de ter a orquestra, mas ela custa. Por isso, vamos atrás de parcerias. Temos várias leis de incentivo aprovadas e esse ano conseguiremos fazer, pelo menos, oito apresentações, com parcerias. Isso ocorrerá em vários municípios. Acho que isso é uma questão de inteligência da gestão. O que não precisa ser um custo fixo teu nós transferimos para parceiros e pessoas que gostam da orquestra. Temos o Lions Educ, que faz a captação de projetos para nós e tem funcionado muito bem nos últimos anos.
De que forma o senhor quer que a sua gestão seja lembrada no término do mandato?
Essa gestão que assume agora quer ser bastante profissional. Queremos cumprir o que o nosso planejamento prevê. A melhor forma de sermos lembrados é termos feito aquilo que nos propusemos.