Dois dos principais cartões-postais do Rio Grande do Sul, os parques nacionais de Aparados da Serra e da Serra Geral, em Cambará do Sul, completam em abril os primeiros seis meses da gestão privada que explora o potencial turístico dos locais. As unidades abrigam os cânions Fortaleza e Itaimbezinho, que oferecem ao visitante uma paisagem exuberante e desafiadora — além de uma nova estrutura de apoio. Com o início da concessão, em outubro do ano passado, o ingresso e o estacionamento dos locais passaram a ser cobrados, uma prática que, para alguns empreendedores da região, tem afastado o turista da cidade dos Campos de Cima da Serra. Os números mostram que menos pessoas têm acessado os locais, que são os destinos preferidos de quem vai a cidade.
Para amenizar o problema, a Urbia, empresa responsável pela exploração turística dos espaços, reduziu os valores dos ingressos durante os meses de abril e maio. Quem quiser visitar os locais pagará a partir de agora R$ 35, por pessoa, para um único dia e, R$ 55, para dois dias. O ingresso vale para os dois parques. Para pessoas acima de 60 anos, os bilhetes valem R$ 20 para um dia e R$ 30 para dois.
Até o mês passado, o valor de entrada era R$ 50 para um dia por pessoa e R$ 80 para dois dias. Além do acesso, também é cobrado estacionamento, que varia de R$ 5 para motocicletas, R$ 10 para carros e R$ 50 para ônibus. Os bilhetes podem ser adquiridos pela internet e têm validade de seis dias a partir do dia da compra.
A mudança na política de preço anunciada nesta quinta-feira (14), segundo o diretor da Urbia, Samuel Lloyd, é vista como uma “correção de rota”. Ele entende que é normal que um parque que antes era gratuito observe redução na movimentação após passar a ter o acesso pago, mas que, ao longo dos anos, com as melhorias previstas nas estruturas, o público voltará a frequentar o espaço. A Urbia deve investir, nos dois parques, R$ 33 milhões nos primeiros quatros anos da concessão.
— Estamos ouvindo o trade local e não somente o turístico, mas os pequenos negócios também. Por isso, reavaliamos nesse momento a nossa política de preços também para testarmos. Temos seis meses de operação, cada período nos ajuda a entender como podemos melhorar a nossa atuação nos parques e também para a cidade — avalia.
Lloyd afirma ainda que, para avançar nas melhorias no parque, a concessionária aguarda pela aprovação do projeto permanente encaminhado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIo), órgão responsável pelos parques nacionais e que fiscaliza as atividades da concessionária. Ele acredita que o documento seja aprovado até o final do primeiro semestre deste ano e poderá ser implementado em dois meses após a sinalização favorável.
O secretário municipal de Turismo de Cambará do Sul, Marcelo Sartori, entende que muitas cidades estão enfrentando baixa movimentação de turistas nestes primeiros meses do ano. Para ele, a pandemia foi benéfica para a cidade, que se tornou um local frequentado durante os períodos de distanciamento mais rígidos, mas que agora deixou de ser porque existe a sensação de normalidade em outros destinos turísticos e atividades de entretenimento.
— São vários fatores (para a queda na movimentação) e não apenas o ingresso. Estamos em baixa temporada, a gente divide o nosso público com o litoral, que é aqui do lado. Eu diria que é um pacote de acontecimentos que fez, sim, baixar um pouco o movimento. Mas o nosso forte é o inverno — avalia ele, que entende também que o selo da Unesco que reconhece a cidade como Caminhos dos Cânions do Sul auxiliará na promoção do turismo na cidade.
Movimentação de visitantes nos parques da Serra Geral e Aparados da Serra
:: 2020 (sem concessão)
Outubro: 13.140
Novembro: 9.392
Dezembro: 12.468
Total: 35 mil
:: 2021 (com concessão)
Outubro: 5.156
Novembro: 5.170
Dezembro: 5.037
Total: 15.363
:: 2021 (sem concessão)
Janeiro: 12.468
Fevereiro: 11.243
Março: 428
Total: 24.139
:: 2022 (com concessão)
Janeiro: 6.073
Fevereiro: 4.063
Março: 2.587
Total: 12.723
Fontes: Urbia
Menos público agora, mas otimismo com o inverno
A redução no preço dos ingressos pode amenizar o cenário enfrentado por quem vive do turismo na cidade. Mais do que uma pousada em meio ao campo, que se hospeda no empreendimento de Roberto da Luz Trindade é convidado a viver as experiências da vida no interior. Passeios a cavalo, espaço para pequenos rodeios, pesca esportiva e o manejo da lã de ovelha, além de outras atividades típicas do campo são oferecidas como um pacote a mais para quem está visitando Cambará do Sul.
Porém, neste início de ano, há poucos turistas interessados em ir até o local. Trindade afirma que a movimentação na pousada, que inclui 10 apartamentos e quatro chalés, diminuiu 60% nos primeiros três meses de 2022 em relação ao mesmo período do ano passado.
Segundo ele, há uma série de fatores que podem ter contribuído para a queda no movimento, um cenário atípico nos últimos anos e que passou ileso, inclusive, pela pandemia. Para Trindade, o início da cobrança de ingressos para acessar os parques ajudou na redução de visitantes na cidade. Outro ponto é que, neste verão, o destino preferido do turista foi a praia. Ele entende também que o cenário econômico, com alta nos combustíveis e passagens aéreas, impacta no movimento.
— A população estava muito acostumada a não pagar nada no parque. A partir do momento que passou a ser obrigatório, mudou um pouco a percepção do local. Eu não acho um valor absurdo, mas que precisa ser acompanhado de investimentos, que estão sendo feitos. Tenho conversado com muita gente que diz que o pessoal estava carente de uma praia e essa temporada foi de areia lotada. Agora, com o inverno, penso que vai ser possível recuperar o período em baixa — explica ele, que é natural do município e dono da pousada há 26 anos.
Trindade é um entusiasta na gestão privada nos parques de Cambará do Sul. Ele entende que as melhorias previstas no local e as obras de infraestrutura nas estradas de acesso aos dois parques permitem o desenvolvimento da cidade. Entretanto, ele sugere que os ingressos para o local tenham uma validade estendida, como de 60 dias, por exemplo. Atualmente, quem compra os bilhetes precisa usá-lo até seis dias após a compra.
— Acho importante uma flexibilização visando aquele turista que quer vir a Cambará, mas que não fique restrito somente aos cânions. Deixa a visita muito limitada. Com o ingresso na mão, ele pode vir um dia e aproveitar a cidade. Se não der para ir aos parques, ele pode retornar em outra data — explica.
"Como está, fica mais difícil fazer um investimento", diz Sônia
O sentimento de cidade mais vazia neste início de ano é compartilhado por Sônia Regina Black, 62, que administra um restaurante localizado na principal avenida de Cambará do Sul. Em outros anos, ela costumava manter o estabelecimento aberto até a noite devido ao movimento de turistas em horários alternativos em busca de alimentação. Agora, nos últimos meses, tem fechado o restaurante por volta das 16h, porque não há circulação suficiente para manter a estrutura aberta.
— Precisei voltar a fazer crochê para ter uma renda extra. Há muito tempo eu não fazia, mas voltei porque estou aproveitando o tempo livre porque não tem mais movimento à tarde. Tenho três funcionários, até precisaria de mais um para reforçar, mas só posso contratar se tiver mais clientes. Como está, fica mais difícil fazer um investimento — conta ela.
Sonia também entende que o início da cobrança dos ingressos para acessar os cânions contribuiu para a baixa na visitação de turistas em Cambará do Sul. Porém, na visão dela, o valor não é caro, mas tem atraído menos um perfil de visitante que não é acostumado a investir muito na hora de passear. O público que é adepto ao turismo de aventura, como é o perfil da cidade, diz, ela continua indo ao município.
A expectativa de maior movimentação na cidade nos feriados da Páscoa e de Tiradentes, além da promessa de dias frios, anima a comerciante.
— Vou começar a fazer umas tortas porque é algo que sempre sai quando tem mais movimento. A gente não pode viver somente de feriado, mas é isso que tem nos animado. Para esse inverno, a expectativa é grande. Acredito que vai melhorar, não podemos ser negativos — afirma.
Excursões deixaram de chegar a Cambará na agência de Luan
Nas agências de turismo, muitas vezes o primeiro contato do turista com a cidade, os grupos de excursão têm frequentado menos Cambará do Sul nos últimos meses. Se, em média, oito a 10 grupos visitavam a cidade por final de semana por meio da agência do gerente Luan Werner, agora eles têm atendido apenas a um único grupo nos sábados e domingos.
Segundo ele, para este mês de abril, haviam três grupos de 40 pessoas programados desde o ano passado, mas que cancelaram o pacote recentemente quando souberam da cobrança na entrada dos cânions.
— Os primeiros meses do ano são de baixa temporada e de muita gente na praia, mas agora foi muito mais baixo que nos anos anteriores. Entendemos que a cobrança do ingresso nos parques afetou bastante. Lutamos com eles (gestão dos parques) para fazer uma redução no valor, o que pode ajudar. Mas as pessoas precisam saber onde o dinheiro está indo, qual é o investimento no local — avalia ele, que também trabalha como guia turístico.
Ainda segundo Werner, para quem vem ao município, outras atrações são oferecidas como lazer, como passeio de balão, quadriciclo e trilhas em cachoeiras. Ele entende que as atrações de Cambará do Sul precisam ser melhor divulgadas. Ele cita o Mátria Parque de Flores, em São Francisco de Paula, que começou a operar no final do ano passado. O ingresso para acessar o local custa R$ 119.
— A divulgação deles é muito forte e a gente tem acompanhado que o movimento por lá é muito bom. Acho que precisamos potencializar o que oferecemos aqui, que é diferente, único, e que pode render um bom passeio — explica.
A cidade possui cerca de 18 estabelecimentos voltados a esse tipo de negócio.
Caxiense investe em pousada e chef de cozinha impressiona turistas
Mesmo em meio ao cenário de queda na movimentação de turistas, há quem observe boas perspectivas para o futuro. A administradora caxiense Raquel Paduan optou por Cambará do Sul para começar a empreender em um negócio próprio.
Após mais de três anos em construção, ela e o esposo, Gabriel Zancan, inauguraram no mês passado uma pousada com capacidade para 12 apartamentos, além de um café aberto ao público, no centro da cidade. O projeto privilegia a sustentabilidade, com projeto arquitetônico diferenciado e que chama a atenção de quem passa pela cidade.
Segundo ela, o espaço opera atualmente com nove apartamentos e todos eles estarão ocupados nos feriados da Páscoa e de Tiradentes. Quem chega na pousada também é informado sobre outras possibilidades de passeio além dos cânions, uma iniciativa que precisa ser mais explorada, segundo ela.
— Cambará é uma rota de refúgio para quem quer fugir da cidade. É diferente de Gramado, Bento Gonçalves, por exemplo. A maioria das pessoas chega aqui para ir aos cânions, mas existem outras ações de passeio e de lazer. Tenho feito divulgação, passo contatos, tenho ajudado a impulsionar mais outros setores da cidade — conta.
Quem escolheu Cambará do Sul para fixar moradia há seis anos e montar o seu próprio restaurante também tem uma visão otimista para as próximas temporadas. O chef de cozinha Marcos Barbier, responsável por um estabelecimento que tem a truta, um peixe típico de água doce e dos Campos de Cima da Serra como prato principal, não esconde o entusiasmo em promover a cidade.
No restaurante, além de um menu elaborado, também há apresentação de canções entoadas pela família, com direito a harpa e violino. Natural de Canoas, Barbier atua em grupos que buscam fortalecer o turismo na cidade dos Campos de Cima da Serra e esteve envolvido na articulação para o reconhecimento por parte da Unesco do Caminhos dos Cânions do Sul como geoparque global – Cambará é um dos municípios envolvidos.
— Vim pela primeira vez para fazer um evento em um hotel e, após alguns meses, o dono do hotel me convidou para montar um restaurante. Deus nos trouxe até aqui porque muita coisa aconteceu na nossa vida após esse convite. É um lugar fantástico para viver, mas é um local também ainda a ser construído — avalia.
Segundo ele, a cidade precisa avançar em investimentos de infraestrutura, cuidado com as belezas naturais e permitir melhores condições para os visitantes.
Seis meses depois, parques ganham mais estruturas de apoio
A reportagem do Pioneiro visitou o Parque Nacional da Serra Geral, em Cambará do Sul, nesta quinta-feira (14). O local abriga o cânion Fortaleza. Ao longo dos últimos seis meses, são visíveis as melhorias no local, uma vez que as estruturas inexistiam antes do início da concessão e as intervenções ficam mais fáceis de serem observadas.
Agora, há sinalização ao longo das trilhas, alertando para a segurança dos visitantes. Outra medida nestes primeiros seis meses são os sistemas de resgate, primeiros socorros e atendimento pré-hospitalar. Há a presença de bombeiros civis e uma ambulância em tempo integral para turistas e colaboradores. Segundo a empresa, é comum os visitantes escorregarem ao longo das trilhas e também terem mal-estar devido à necessidade de preparo físico para percorrer o caminho.
Há também mais espaço de estacionamento. A capacidade da área reservada para os veículos passou de 20 para 100 veículos fazendo com que os automóveis não precisem ficar estacionados ao longo do trecho.
A Urbia explica que as estruturas instaladas até o momento são temporárias, enquanto as fixas estão sendo construídas à medida que os projetos são aprovados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIo).
Por isso, os banheiros ainda são em formato de contêiner, mas que devem ganhar uma nova estrutura ao longo dos anos. Por se tratar de uma área preservada, qualquer intervenção no espaço precisa ser acompanhada pelo órgão federal.
Quem visita o parque aprova as melhorias. O estudante Gabriel Guerra Guedes, 15, veio de Passo Fundo com a família para se aventurar na região. Ele percorreu sozinho uma das trilhas do parque da Serra Geral de bicicleta. Levou 54 minutos para percorrer o caminho entre o Centro de Cambará e o parque.
— Acho que, em questão de pessoal, melhorou. Tem mais apoio, na entrada, e em outros lugares. Acho certo cobrarem — avalia.
Quem também avaliou a estrutura foi o zootecnista Airon Aires, 42, e a engenheira de produção Jennifer Gerhardt, 29. Eles moram em Lins (SP) e vieram para a região como palestrantes do Fórum Sul Brasileiro de Biogás e Biometano, realizado em Caxias do Sul nesta semana. Já que estavam na Serra, resolveram estender a estadia e visitar os cânions de Cambará pela primeira vez.
— Vale muito a pena. Nós somos corredores, então, gostamos de um turismo de aventura, de se desafiar e conhecer novos lugares. Voltarei mais vezes, com mais tempo, para aproveitar com a família — relata.