Amparo, cuidado e ter a quem recorrer. Muitas vezes basta saber que não se está sozinha para encontrar forças para recomeçar e seguir em frente. Foi pensando em mostrar às mulheres que elas tem com quem contar que a rede de proteção de Farroupilha promoveu um evento diferente na tarde dessa quarta-feira (9) no bairro Industrial. Lá no Salão da Comunidade, 50 mulheres tiveram acesso ao Dia da Atenção onde receberam informações, orientações, cortes de cabelo, massagem facial e corporal, reiki e demais serviços, como doação de roupas e sorteio de brindes.
A escolha do bairro não foi por acaso. A região é conhecida pela vulnerabilidade social, pelo alto número de homicídios, e também pelo maior número de demandas de violência doméstica do município, segundo a Coordenadoria da Mulher. Por isso, o município, em conjunto com a Patrulha Maria da Penha da Brigada Militar e a Polícia Civil, decidiu levar a rede de proteção até as mulheres para que saibam a quem recorrer caso precisem . E, também, para que possam orientar e cuidar umas das outras.
Vítima de tentativa de feminicídio em outubro de 2021, Amanda, nome fictício, 43 anos, carrega as marcas da violência no corpo e na alma:
— Nós éramos amigos, conhecidos há muitos anos, e depois de muito tempo começamos a sair juntos. Ele queria morar comigo e eu sempre dizia que não, porque gostava de ter a minha casa. A minha filha estava grávida, e eu teria o meu primeiro neto. Ele começou a ficar com ciúmes, e a ficar controlador. Não queria deixar eu falar com ela, ir no chá de bebê, e quebrou meu celular um dia antes, mas eu fui mesmo assim, e voltei antes com medo dele ir até lá e estragar aquele momento do chá da minha filha, porque ele ficava passando lá na frente.
A mulher conta que quando chegou na casa dele, o agressor, que está preso, saiu. Ela então arrumou as coisas dela para ir embora no dia seguinte, mas acabou adormecendo. Com medo, trancou a porta, quando ele saiu. Acordou quando o homem bateu na porta. No momento em que ela abriu, ele a agrediu com socos:
— Ele me agrediu com socos no rosto, e depois com espetos, pegou uma faca, ele mordeu meu rosto. Quebrou meu nariz. Desfigurou todo o meu rosto. Ele cansou de me bater e me arrastou para a cama, e dormiu, eu me segurei para não pegar no sono e caminhei pé por pé, com as mãos nas paredes, até a rua, sem conseguir abrir os olhos e pedi ajuda para a vizinha. Perdi muito sangue e essa senhora que me ajudou disse que eu desmaiei três vezes, que ela me viu morrer ali.
Para ela, a rede de proteção é essencial para que se mantenha viva.
— Eu não queria denunciar, só queria esquecer, sumir e me esconder. Fiquei na UTI. Não conseguia caminhar, nem comer. Tenho marcas no corpo e na alma que não saem jamais. Elas (equipe da rede de proteção) foram até mim. Foram elas que me ampararam, me estenderam a mão. Tomo oito comprimidos por dia. Não saio de casa sozinha. Hoje eu saí e meu filho ficou me acompanhando de longe. Faço acompanhamento psicológico e com psiquiatra. Se eu não tivesse esse amparo estaria perdida. É muito importante a atenção delas para poder recomeçar.
"Achava normal ele me agredir e me trair", relata vítima de violência doméstica
Michele, nome fictício, 44, também precisou da rede de proteção de Farroupilha. Casada por 19 anos, normalizou a violência e as traições do marido:
— No começo eu achava normal ele me agredir e estar com outras mulheres. Eu dependia dele financeiramente e ele sempre dizia que a culpa de tudo era minha, que eu tinha que servir ele, cuidar e respeitar ele. Sempre fiz tudo o que ele pedia. Ele batia no nosso filho mais filho, tratava ele mal. Meu filho cresceu em meio a violência — lamenta ela.
A mãe acredita que viver nesse ambiente tornou o filho violento e fez dele também um agressor quando o marido foi embora:
— Meu marido foi embora e descobri que ele tem outra família. Simplesmente me deixou com nossos filhos, e o mais velho, que foi assassinado, nem teve chance de ser um bom menino porque o pai sempre maltratou o guri. Ele (o filho) me agrediu algumas vezes também. Ele reproduzia o que viu o pai fazer a vida toda. Meu filho precisava de ajuda — lamenta, emocionada
Para Michele, ações como a dessa quarta e toda a rede de apoio são essenciais para que siga em frente:
— Elas me ajudam a me reconstruir todos os dias. Não sei como aguentei. Se eu te contar tudo o que já passei... Conversando com as psicólogas e com a equipe, eu comecei a ver que não é normal ser tratada assim. Não sinto ódio. Não sinto nada por ele, mas eu sei que eu mereço mais. Eu mereço respeito.
Dia da Atenção
O Salão da comunidade, reuniu dezenas de mulheres de diversos bairros da cidade, com diferentes histórias. Felizmente nem todas buscavam ajuda relacionada a casos de violência. Uma das que foram apenas buscar informações e se divertir foi Delma Ravanello, 61, que fez a sobrancelha e as unhas:
— Informação é sempre importante. Precisamos ter acesso a ela para saber como ajudar.
Sandra Larrateia era uma das voluntárias.
— Sou do gabinete da primeira dama. Ações de empoderamento, e informações são importantes.
Ilda Lodi Trentin, 72, concorda:
— Vim para ouvir e aproveitar para cortar o cabelo e me distrair.
Acolhimento
A titular da Coordenadoria da Mulher de Farroupilha, Franciele Rech, explica que ter esse momento dedicado a mulheres vítimas de violência, alguém para as escutar, orientar e ajudar a cuidar de si mesmas é essencial para que elas se sintam acolhidas.
— Essa região de abrangência do CRAS 1 é considerada a região com o maior número de violência doméstica por isso foi escolhido para essa ação. É uma forma das mulheres chegarem à rede de proteção e da rede chegar até elas. Também é um momento de escuta, de cuidado, de atenção e de carinho.
Atualmente, 26 mulheres são acompanhadas pela Patrulha Maria da Penha em Farroupilha.
— Percebemos que as mulheres tem procurado ajuda antes. A divulgação dos serviços tem ajudado porque elas sabem como lidar com a situação antes que aconteçam casos mais graves — avalia a Soldado Cristiane Gugel da Patrulha Maria da Penha.
Outra atividade que integra a programação do Mês da Mulher é uma oficina de capacitação no Senac. Com o tema Marketing Pessoal, a atividade começa às 13h30min desta sexta-feira(11). A Oficina de Marketing Pessoal fará com que as participantes aprendam técnicas e estratégias para valorizar a identidade e marca individual. A programação da Jornada da Mulher terá ainda bate-papos, momento cultural e uma homenagem à inspetora de polícia Liane Pioner Sartori no dia 18 de março.
Me Respeita
As mulheres que vivem situações de violência em Farroupilha também se sentem mais amparadas com o fortalecimento da campanha Me Respeita. A iniciativa, que virou lei em novembro de 2021, capacita profissionais de diversos setores da sociedade para auxiliar as vítimas. O treinamento é para que eles possam amparar as mulheres e passar as orientações necessárias para cada caso. Esses espaços receberam o selo que os identifica como espaços seguros onde elas podem encontrar ajuda. Em Caxias do Sul, uma ação similar foi feita com os presidentes dos bairros, para que estejam prontos para ajudar e orientar mulheres que sofrem violência. Eles também passaram por treinamentos no ano passado.
ONDE BUSCAR AJUDA
Central de Atendimento à Mulher: 180
Brigada Militar (BM) - Patrulha Maria da Penha: 190
Coordenadoria da Mulher de Farroupilha: (54) 99710-5229
Delegacia de Polícia: (54) 3261-6794 onde fica a Sala das Margaridas, que está instalada dentro em um local reservado e confortável. Também há brinquedos para as crianças, caso seja necessário levá-las a delegacia. Além disso, o atendimento é feito por mulheres. O atendimento é de segunda a sexta das 8h às 12h e das 13h30 às 18h. Já a delegacia tem atendimento 24h por dia.
Defensoria Pública: (54) 3261-1603
Fórum: (54) 3268-1079