A decisão tomada pela prefeitura de Caxias do Sul ao permitir que enfermeiros e farmacêuticos assinem um termo, que é equivalente a um atestado, aos pacientes com covid-19 não foi bem aceito pelo Sindicato dos Médicos. Já a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) defende que a medida é necessária no atual cenário enfrentado na cidade. O município reitera que o documento quer agilizar o atendimento à população, sendo que há grande dificuldade de recursos humanos na área médica para atuação na Atenção Primária .
O presidente do Sindicato dos Médicos Marlonei Santos diz que a decisão coloca em risco a saúde dos pacientes. Ele ressalta que é necessário que quem está contaminado receba as orientações necessários para ficar em isolamento, sem contaminar os demais familiares.
— O principal problema é mandar as pessoas para casa, com teste positivo sem procurar um médico. Isso é um absurdo! Dizem que os sintomas da Ômicron são leves, mas são leves até deixar de ser, não quer dizer que não terá problema. Uma enfermeira ou farmacêutica dá esse termo aí que eles inventaram, mas sabem se esse paciente tem comorbidade? No diabético, no hipertenso, em quem tem problemas de coração, quem tem asma... será que não terá complicações? — questiona Santos.
Ele frisa que a pessoa pode ter uma complicação, e é temeroso que o procedimento adotado seja esse:
— Sabemos que a prefeitura está passando por uma situação emergencial, mas dentro dessa situação está prevista a contratação de médicos. Contratem médicos! A lei permite que contratem profissionais.
A justificativa do poder público é que diante da falta de médicos, pacientes que positivaram para a infecção e que precisam de consulta, acabam circulando muito pela cidade positivadas — por vezes sem conseguir o atendimento. O Sindicato dos Médicos alega ainda que ao assinar o documento, os profissionais estarão, em tese, exercendo medicina ilegalmente, uma vez, que cabe aos médicos atestar doenças.
— Só quem pode dar dispensa é o médico. Esse termo não substitui o atestado médico. A lei diz que é privativo ao médico dar atestado, mas volto a dizer que o mais sério é mandar a pessoa para casa sem o atendimento indicado para o caso de cada paciente. Não estou falando mal dos profissionais que são importantíssimos na função que desempenham, mas quem assina atestado é médico.
Conforme o município, o chamado Termo de Imposição de Isolamento tem respaldo em legislação federal e deve ser obrigatoriamente aceito pelos empregadores no lugar do atestado. O presidente alerta:
— Alertamos as empresas que ao aceitarem documento deste tipo estão pondo em risco eventuais demandas trabalhistas usando este “documento” que não tem valor legal. Quem redigiu o “documento” desconhece a legislação. A Lei Federal nº12.842/2013, que Dispõe Sobre o Exercício da Medicina é claríssima, o Artigo 4º, inciso XIII dispõe: "É atividade privativa de médico: atestação médica das condições de saúde, doenças e possíveis sequelas. Se foi o setor jurídico que homologou este “documento”, como fomos informados, deveriam dar mais atenção ao seu trabalho.
O Sindicato dos Médicos solicitará a intervenção do Conselho Regional de Medicina do RS, e está analisando com o Jurídico se irá acionar o Ministério Público e o Ministério Público do Trabalho. Já a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Caxias do Sul se manifestou por meio de nota (leia abaixo).
O que diz o Ministério do Trabalho
O gerente-regional do Ministério do Trabalho, em Caxias do Sul, Vânius Corte, avalia o termo de afastamento, autorizado pela Prefeitura, como positivo.
— É determinado o isolamento da pessoa,e isso não é um ato médico. Não é um benefício, é uma determinação de isolamento. O não cumprimento pode até resultar em consequências civis e penais. Serve também para que o funcionário apresente à empresa, pois essa pessoa deve ficar isolada até que saia o resultado do exame ou passem os sintomas.
Vânius Corte aponta ainda que não vê problemas nem para o empregador, nem para o empregado:
— A pessoa recebe a indicação de se isolar, então não vejo invasão de competência, nem acho que crie problemas. A prefeitura agiu bem porque aumentou a procura, com o número de casos, e esse termo é para tentar barrar o contágio — ressalta ele.
Confira a nota do Sindicato dos Médicos
"Tomamos conhecimento que a Prefeitura de Caxias do Sul instituiu um documento denominado TERMO DE IMPOSIÇÃO DE ISOLAMENTO, esta terminologia, é esdrúxula, disléxica e amorfa. Diz o comunicado que este “documento” tem o objetivo de substituir o ATESTADO MÉDICO, e que foi elaborado com respaldo de lei federal. Não é verdade. Quem redigiu o “documento” desconhece a legislação. A Lei Federal nº12.842/2013, que Dispõe Sobre o Exercício da Medicina é claríssima, o Artigo 4º, inciso XIII dispõe - “É ATIVIDADE PRIVATIVA DE MÉDICO: ATESTAÇÃO MÉDICA DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE, DOENÇAS E POSSÍVEIS SEQUELAS”. Alertamos as empresas que ao aceitarem documento deste tipo estão pondo em risco eventuais demandas trabalhistas usando este “documento” sem valor legal. Alertamos também as enfermeiras e farmacêuticas que assinarem este “documento”, que, em tese, estarão praticando exercício ilegal da Medicina. Se foi o setor jurídico que homologou este “documento”, como fomos informados, deveriam dar mais atenção ao seu trabalho. O jurídico do Sindicato fica à disposição para auxiliar quando necessário. Entregar ao paciente um laudo com teste positivo para Covid-19, para que ele leve a sua empresa, põe em risco a saúde da população, pois somente o médico ao examinar o paciente com teste positivo pode avaliar a sua gravidade e adotar as providências do tratamento. A desculpa dada pela Prefeitura de que há poucos funcionários médicos é verdadeira, mas a culpa é da própria administração municipal, pois hoje em Caxias do Sul somos 2.000 médicos(as), não faltam profissionais, o que falta é o município priorizar a Saúde e contratar mais médicos. "
Contraponto
A prefeitura se manifestou por nota:
A Prefeitura de Caxias do Sul, por meio da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), esclarece que o Termo de Notificação de Imposição de Isolamento é uma medida necessária neste momento da pandemia, em que casos de síndrome gripal e de covid-19 voltam a aumentar exponencialmente, bem como a procura por atendimento nos serviços de saúde do Município. O documento busca agilizar o atendimento à população que sofre com os prejuízos da pandemia há quase dois anos, sendo que há grande dificuldade de recursos humanos na área médica para atuação na Atenção Primária para atender a essa demanda, situação agravada ainda mais pelo afastamento de servidores por covid-19 ou por contato com caso positivo. Logo, o problema enfrentado pela população é vivido também pelos profissionais de saúde, o que aumenta o tempo de espera para atendimento.
Dados dos serviços de saúde do Município mostram que cerca de 90% das pessoas que buscam atendimento o fazem por síndromes gripais não complicadas ou assintomáticos com exames positivos realizados em outros locais, pacientes que, se assim desejarem, podem receber o Termo com a indicação do período de isolamento sem precisar aguardar por uma consulta médica, procedimento que tem demorado horas, uma vez que os casos graves têm sido priorizados, em função do já explicado aumento de casos e diminuição de equipes. Ou seja, o Termo favorece a população que, por ter sintomas gripais leves ou por ser assintomático com teste positivo, peregrinava pelos serviços de saúde em busca de atestado para afastamento. Em nenhum momento o Termo dispensa o paciente de consulta médica nos casos em que este solicitar ou que o quadro de saúde indicar essa necessidade. O documento se presta exclusivamente para fins de isolamento domiciliar, como medida sanitária para evitar a disseminação da covid-19, não se confundindo com atestado médico. Ressalta-se, ainda, que o Termo só é assinado por profissionais das Unidades de Saúde do município autorizados por seus respectivos Conselhos a laudar exames de covid-19 e previstos em Instrução Normativa específica. A regra é válida enquanto durar a emergência pública de saúde relacionada à pandemia de covid-19. Ressalte-se que a ampla oferta de testes e o isolamento social, adotados pelo Município, são importantes estratégias de combate à covid-19, aliadas à vacinação.
O documento adotado em Caxias do Sul, nos termos da Lei Federal nº 605/49, artigo 6º, parágrafos 4º e 5º, incluídos pela Lei nº 14.128/21, consta também no Plano de Ação encaminhado pela Amesne ao Governo do Estado, como sugestão de medida a ser adotada pelos demais municípios para conseguir atender à demanda crescente de atendimentos.
A SMS tem déficit de 17 médicos na Atenção Primária e enfrenta dificuldades históricas de contratação, diante da concorrência com o sistema privado. A SMS respeita o ponto de vista do Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul, mas espera a contribuição deste órgão no sentido de melhorar as condições de atendimento à população."