2021 marca os 40 anos dos primeiros casos de Aids registrados no mundo. Desde 1981, aproximadamente 77,5 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV. Desde então, mais de 34 milhões perderam a vida em decorrência do vírus — destes, 349.784 eram brasileiros.
Em Caxias do Sul, de acordo com o Boletim Epidemiológico Anual sobre HIV/Aids, a taxa de detecção da doença em 2020 foi de 14,5 casos por 100 mil habitantes. O número ficou abaixo do período anterior, provavelmente devido à covid-19. Muitas pessoas deixaram de procurar a testagem por conta da pandemia.
Mas, no caso do jovem Rodolfo Paim, 27 anos, foi justamente o coronavírus que o levou a descobrir que era soropositivo. Depois de passar pela covid-19 neste ano, ficou com fortes dores nas costas e resolveu procurar um médico, que solicitou diversos exames, entre eles o de HIV. O resultado foi positivo.
O auxiliar administrativo e estudante de biomedicina conta como foi receber o diagnóstico e como tem sido a nova vida com HIV. Confira:
Quando e como você descobriu que era HIV positivo?
Descobri em exames de rotina, depois da covid-19. Eu peguei covid e fiquei com muita dor nas costas. Procurei meu médico e ele pediu uma série de exames, inclusive de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis). 27 de julho deste ano foi quando descobri. As pessoas me perguntam: “Nossa, Rodolfo, como tu absorveu tão bem?”. Porque eu tive muito apoio dos profissionais da saúde, do pessoal da infectologia de Caxias, do SUS. Tive muitas explicações. A gente ouvia falar em HIV, eu sempre trabalhei na área social, atendia pessoas que tinham, tenho familiar que vive com HIV há mais de 30 anos. Então, para mim foi tranquilo. Mas no primeiro momento, quando tu recebe o diagnóstico, parece que é uma sentença de morte. Num primeiro momento, o HIV me podou de algumas coisas até eu entender que era apenas mais uma informação a respeito do Rodolfo e que não podia mudar nada da minha vida. Isso me encorajou, e o apoio da família, de amigos para quebrar esse estigma. Eu acho que o preconceito é muito mais forte do que o próprio vírus no meu corpo.
Quando você pegou covid-19?
Peguei 40 dias antes do dia 27 de julho. Eu fiquei com uma sequela de dores nas costas e fiquei preocupado, o que me fez procurar um médico. O que me deixou assustado na época foi que minha imunidade estava muito baixa. Peguei covid já estando infectado com HIV. O médico disse que foi um milagre, eu poderia ter morrido. Eu não tinha nenhuma dose de vacina contra a covid, não estava ainda na data de vacinar. Hoje já estou com a terceira dose.
Por já conhecer um pouco do HIV e de trabalhar sempre na área da assistência, resolvi que podia contribuir com as pessoas.
Rodolfo Paim
Você imagina em que momento pode ter sido o contágio?
É difícil dizer porque HIV não tem cara e não tem jeito. Não sei dizer de quem peguei. Tive relações em que me cuidei muito, mas a gente sabe que HIV não pega só no anal, pega na via oral também. Num primeiro momento eu até queria saber, mas meu médico disse: “Rodolfo, não fica matutando de quem tu pegou. O importante é que tu teve um diagnóstico recente, não estava em fase de Aids, com nenhuma doença oportunista”. Claro que ninguém quer ter HIV, ninguém quer ter uma doença crônica, mas hoje tem os antirretrovirais, em 60 dias que eu comecei a tomar eu já estava indetectável, intransmissível. Os remédios me deram essa oportunidade de ficar indetectável, ou seja, a quantidade de vírus que tem no meu corpo não é detectado no exame.
Quem foi a primeira pessoa a saber que você tem HIV? Como foi a reação?
Eu estava dentro do Serviço de Infectologia e quando recebi o resultado eu tive que chamar um familiar, porque fiquei muito nervoso. Eles ficam com medo que a pessoa receba o diagnóstico, saia sozinha e faça algo que não é o correto. Enfim, tanta coisa passa, eu estava chorando, queria logo sair dali. Naquele momento, me veio a imagem de Cazuza, Freddie Mercury, Betinho, pessoas que morreram do HIV. E eu chamei o meu irmão Robson, meu irmão gêmeo. Ele foi a primeira pessoa a saber. E aí aquela decisão de contar para o restante dos familiares, abrir a sorologia. Eu me vi duas vezes no armário: quando eu abri a minha sexualidade e o HIV. Conto ou não conto? Tive a coragem de abrir a minha sorologia, não viver escondido.
Muitas pessoas soropositivas têm vergonha de contar. Por que você assumiu?
Por já conhecer um pouco do HIV e de trabalhar sempre na área da assistência, resolvi que podia contribuir com as pessoas, com a política do HIV em Caxias, que está muito atrasada no quesito do apoio dos políticos. Eu tenho grupos no WhatsApp com pessoas de vários estados e trocamos experiências. A gente dá apoio para quem está recebendo o diagnóstico.
Esses antirretrovirais me permitiram me tornar indetectável. O tratamento nos dá essa oportunidade, por isso é importante.
Rodolfo Paim
Você está na Pastoral da Aids. Como é o trabalho que desenvolvem e de que forma ajudam quem tem HIV?
Por causa da pandemia, a gente está fazendo só online. Quando passar mais, vamos voltar a fazer grupos de apoio como era antes. As pessoas que recebem diagnóstico são encaminhadas para nós. São grupos de apoio com psicólogos e assistentes sociais voluntários e a gente tenta desfazer o estigma do HIV, que não é o fim, que é uma vida normal. A única diferença é que a gente tem que fazer de nossas doses de vida nossos comprimidos todos os dias. E falar em adesão do tratamento, para mim, é falar em tomar os comprimidos todos os dias, não interromper o tratamento.
Como é o tratamento?
Eu tomo dois comprimidos diários. Tomo à noite, o horário que nós escolhemos. Eu tive alguns efeitos colaterais durante 15 dias, mas depois normalizou. Esses antirretrovirais me permitiram me tornar indetectável, eu não transmito. O tratamento nos dá essa oportunidade, por isso é importante falar em adesão, que as pessoas não parem os seus tratamentos até que venha a tão sonhada cura. A gente sabe que tem tantos estudos promissores acontecendo no mundo inteiro.
Você passou a ter algum outro tipo de cuidado?
Aprendi a cuidar mais da minha alimentação e a fazer exercícios físicos. Falar de tratamento é falar de alimentação e atividade física. Isso me deu qualidade de vida maior. O HIV fez com que eu desse uma pausa e me cuidasse mais e olhasse para mim com outro olhar, mais especial. O HIV me trouxe coisas que eu não fazia antes.
Você fez o teste de HIV por causa da covid-19. Já fazia antes ou foi algo que a pandemia te trouxe?
Antes de ter covid, eu morei em Florianópolis por seis anos. Fazia um ano que tinha retornado a Caxias. Eu estava casado há seis anos. Quem está casado e vai procurar um teste de HIV? Ninguém. O que é errado. Todos devemos fazer os testes de ISTs a cada seis meses. A pandemia me levou a procurar médico e o bom profissional que eu encontrei me solicitou esses exames.
Números
- De 2011 a 2020, foram notificados em Caxias 1.242 casos de Aids e 1.360 casos de infecção pelo HIV, com o maior incremento destes últimos a partir de 2014.
Programação
- A Secretaria da Saúde de Caxias do Sul realiza ação alusiva ao Dia Mundial de Luta Contra a Aids nesta quarta-feira (1º). Das 9h às 16h30min haverá, na Praça da Bandeira, orientação, prevenção e testagem rápida para HIV, sífilis e hepatites B e C. A iniciativa tem a parceria da Universidade de Caxias do Sul por meio do Instituto de Pesquisas em Saúde, do Centro Clínico e curso de Enfermagem, da ONG Construindo a Igualdade e da Pastoral da Aids.