A polêmica em torno da construção do Parque Municipal da Proteção Animal em São Vigílio da 2ª Légua, na região de Forqueta, em Caxias do Sul, parece estar longe de acabar. Enquanto o Ministério Público (MP) confirma que o município tem até o final deste ano para apresentar um projeto de reformulação para um novo canil, a prefeitura procura áreas que possam receber o empreendimento. Do outro lado estão os moradores da 2ª Légua, que esperavam que o prefeito Adiló Didomenico (PSDB), em encontro no último sábado (6), descartasse a área. No entanto, o chefe do executivo reiterou que mesmo que o terreno não tenha sido comprado, o local é, até o momento, o melhor para receber a instalação. Na comunidade ganha força a possibilidade dos agricultores não fornecerem uvas para a Festa da Uva 2022 em protesto contra o projeto do canil.
A promotora Janaína De Carli explica que Ministério Público (MP) moveu uma ação judicial MP contra o município em 2008. A sentença julga procedente a demanda, ou seja, a prefeitura foi condenada a reformular o canil municipal, em São Vírgilio da 6ª Légua, para que os animais tenham melhores condições de ficar no local. Contudo, o município diz que como o atual canil está em área urbana, não tem como reformar. Por isso, procura outro local.
— Já passaram várias administrações e o acordo nunca é cumprido, então existe um prazo acordado com a Semma, de que vamos aguardar até o final do ano uma definição do que será feito e onde será feito. Se não tiver nada, vou solicitar ao juiz a nomeação de um interventor judicial, que é alguém nomeado pelo Poder Judiciário para fazer a reformulação do espaço. Vamos pedir bloqueio de valores das contas do município para ser aplicado no canil municipal — afirma a promotora.
Ela destaca ainda que aprova o projeto apresentado pelo município e que o MP estará atento aos requisitos ambientais necessários para a instalação do novo canil.
— É a prefeitura que vai definir o local onde será implantado. O projeto terá licenciamento ambiental e será tecnicamente avaliado, isso é óbvio, e o MP também irá verificar isso.
Prefeitura vistoria outras áreas a partir desta terça
Em entrevista ao Gaúcha Hoje na manhã desta terça-feira (9), o secretário do Meio Ambiente, João Osório Martins, reiterou que das seis áreas avaliadas, a da região de Forqueta é a que melhor se enquadra na proposta. Ele explica que o terreno de 26 hectares tem área de mata nativa que será preservada. Martins esclarece que o município pode tentar negociar com o MP, e vai avaliar novas áreas a partir desta terça, mas o terreno em Forqueta não está descartado.
—Essa situação vem se arrastando há vários anos. O canil hoje está em um local inadequado, em área urbana. A área de Forqueta não está descartada. Ela é, até o momento, a mais adequada tecnicamente. Surgiram algumas ofertas de áreas, de pessoas que se sensibilizaram com a situação e temos várias proposições. Já visitamos seis e agora vamos visitar mais as que estiverem disponíveis para a venda. A gente vai faz a vistoria técnica, avalia e vê da possibilidade de compra ou não.
O investimento no novo canil deve girar em torno de R$ 2 milhões, mas o valor depende do imóvel que será adquirido. Sobre os danos ambientais temidos pelos moradores, Martins aponta que além do MP estar atento às questões ambientais, o quadro técnico da pasta é considerado um dos mais qualificados do país:
— Não há motivos para ter temor que o projeto venha causar danos à população. Nós temos legislação a ser seguida. Logo nós, que somos protetores do meio ambiente, que proibimos a derrubada de árvores, a retirada de terra e a poluição, temos que ser exemplo e seremos nesse projeto parque dos animais assim como fomos no aterro sanitário.
Atualmente há 550 cães alojados no abrigo, mas a ideia do município, que provoca certa apreensão em protetores e ONGs, é reduzir o número de alojamentos. O receio é que com o alto número de abandonos e de maus-tratos, os cães resgatados não tenham onde ficar.
Ouça a entrevista com o secretário do Meio Ambiente ao programa Gaúcha Hoje:
Biólogo avalia proposta
O biólogo do Instituto Orbis de Proteção e Conservação da Natureza, Otávio Valente Ruivo, avalia a proposta. Para ele, a construção é necessária desde que todas as medidas de preservação sejam tomadas antes dos animais serem levados para o espaço.
— A proposta é interessante no nível do que eles pretendem fazer para mitigar esses problemas de poluição sonora e de poluição de água. São coisas que devem ser feitas sim, fazer a barreira com árvores até para diminuir o som, o tratamento de efluentes. Isso tem custo e tem que ser feito porque o impacto de uma unidade desse tipo é grande. Tem que estar pronto com o tratamento de efluentes no momento da instalação, antes da chegada dos animais. O que eu me pergunto é estará pronto, quando estará pronto e a instalação será quando tudo estiver pronto? _ ressalta o biólogo.
Ruivo afirma que a sociedade também tem responsabilidade pelos animais e que a necessidade de um abrigo vem da ação da comunidade que abandona os cães:
— Não sei quais foram os critérios para a escolha dessa localidade, mas em algum lugar precisa ser feito. Acho que a prefeitura poderia abrir o canil atual para a população ver a situação em que estão os animais. A primeira vez que fui até lá, me apavorei. Era uma favela de cães, uma coisa horrível e impactante. Sem conhecer, as pessoas não se dão conta disso.
Ele finaliza:
— Eu entendo o que a população está sentido. Tenho certeza que terá impacto na vida deles, mas não é diferente da instalação de uma indústria, de uma barragem, sempre tem impacto. São efeitos da urbanização e tem que acontecer porque são obras necessárias para as cidades.
Boicote à Festa da Uva é debatida entre agricultores
A possibilidade do projeto ser instalado na 2ª Légua segue tirando o sono dos moradores da região de Forqueta. Um dos representantes da comissão de moradores, Valdecir Segat, 56 anos, tem produção de uva e mel. Ele mora em São Vigílio, a cerca de 1,5 mil metros de distância do terreno avaliado. Segat frisa que, no encontro de sábado, a comunidade não foi ríspida, conforme considerou o prefeito, mas sim, extravasou a indignação pela maneira como os moradores têm sido tratados. Ele reitera que a comunidade não é contra o canil, e sim contra a instalação naquela área, que não consideram adequada:
— Não combina com a 2ª Légua, que é uma área de produção, verde, bonita, para o turismo. O local que está sendo pleitado pela prefeitura não é adequado. No inverno o sol mal bate lá por duas, três ou quatro horas no máximo. É muito frio e muito úmido, os cães vão sofrer muito. A prefeitura está criando mais um problema ao colocar o canil na 2ª Légua. O prefeito daqui quatro anos não está mais ali e alguém vai ter que tirar o canil dali. Temos que cuidar mais do dinheiro público e não simplesmente atirar as coisas em função que o prefeito tem "uma batata quente na mão", que é a expressão que ele usou sábado na reunião, e que ele tem resolver. Ok, resolva, mas não jogue na 2ª Legua — defende o morador.
A comunidade é reconhecida pela produção de uva e vem sendo ventilado entre os agricultores a possibilidade de não fornecer frutas para a Festa da Uva 2022.
— É um assunto que teremos que tratar em nossas pautas da comissão. Realmente seria uma pena que as pessoas passassem a ver a Festa desta forma, mas a forma como foi conduzido o processo...as pessoas estão revoltadas. Por isso que estes comentários podem ganhar força.
O ex-secretário de Meio Ambiente Ari Dallegrave explica que há produtores que tem selo de qualidade na produção de uva, sendo que há até produção ecológica da fruta:
— Depois do encontro de sábado há forte tendência de alguns produtores boicotem a Festa da Uva. Eles estão revoltados com a possibilidade da produção de uva ser prejudicada com a instalação do canil perto das propriedades. Se dedicam uma vida inteira com zelo e tem qualidade dos produtos e não vão aceitar ser tratadas dessa maneira.
Jair Bampi, 51 anos, é um dos moradores mais apreensivos, já que as terras dele estão no limite com a área prospectada para o canil. Ele teme pelas nascentes que têm água potável desde a época do avó dele.
— Ficou bem claro que já está definido o local e para nós essa vinda até a comunidade não passou de protocolo. Talvez o que resta é contratar um profissional para filmar toda minha área, com as nascentes, matas e os laudos de água. Quem sabe daqui uns anos eu possa ter uma prova na mão do que era e o que se transformou — lamenta Bampi.
O engenheiro Vanderlei Segat, 60, também critica a maneira como a área foi escolhida:
— É uma das últimas reservas da biomassa da Mata Atlântica com alguma preservação. Nascentes intactas, zona íngreme para produção e ainda assim, essas pessoas conseguem ser as maiores produtoras de uvas do município. Há muita história nesta região. Quando a comunidade soube, já havia projeto, a desculpa do MP pela urgência, tomando todos de surpresa. Faltou respeito a essas pessoas (moradores).