Motoristas de transporte por aplicativo realizaram uma carreata, em Porto Alegre, no final da manhã desta quarta-feira (29), em protesto a uma questão que tem afetado a categoria em todo o Estado: a exclusão de condutores por parte da Uber em função do cancelamento de corridas pelos motoristas. Uma reunião virtual para tratar do assunto, entre representantes do serviço e a empresa, com intermediação do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), estava marcada para às 14h, mas foi cancelada porque a Uber teria dito que não participaria.
O representante do Sindicato dos Motoristas de Transporte Individual por Aplicativo do Rio Grande do Sul (Simtrapli), Germano Weschenfelder, explica que a situação já vem de algum tempo e existem ações tramitando na Justiça do Trabalho na tentativa de reintegração dos motoristas pela Uber. Ele disse ainda que outras reuniões já foram realizadas, mas que não houve avanço.
— Disseram que não interessa para eles dialogar com a gente, basicamente — declarou Weschenfelder.
Dos cerca de 100 mil condutores que atuam no Estado, segundo o Simtrapli, 500 foram excluídos pela plataforma sob a justificativa de excesso de cancelamentos de corridas. Contudo, o sindicato diz que não há a informação de qual é o teto de cancelamentos que serve como critério para a empresa descredenciar os condutores.
A Associação dos Motoristas de Aplicativo Caxias do Sul (Amacs) confirma que existem ações locais na Justiça pelo mesmo motivo. Por aqui, os frequentes aumentos no preço da gasolina têm gerado dois tipos de reflexo nesse tipo de transporte. Um deles tem efeito direto sobre a prestação do serviço: os motoristas selecionam qual corrida vale mais a pena fazer. Com isso, clientes que estão em pontos mais distantes, mas cujo o trajeto a ser percorrido é curto, estão tendo as corridas canceladas. O cálculo que os condutores fazem é que a tarifa básica cobrada (valor que varia de uma para outra operadora) não cobre o gasto com combustível, o proporcional à manutenção do veículo e a parte que cabe à empresa. Por exemplo, no caso de uma operadora, o passageiro paga R$ 5 em corridas de até três quilômetros. A empresa fica com R$ 0,50. Ou seja, sobrariam R$ 4,50 ao motorista. Valor do qual ele tem que deduzir o combustível e a manutenção.
— Com o aumento nos preços da gasolina e com a tarifa mínima das empresas fica inviável fazer algumas corridas. As mais curtas estamos evitando fazer, porque acabamos não ganhando nada, até pagando para trabalhar — disse um condutor, que prefere ter o nome preservado para não sofrer represálias.
Outro motorista, que também não quer expor o nome, conta que foi descredenciado porque cancelou uma corrida específica, em que um grupo de cinco pessoas queria ser atendido. Elas estavam sem máscara, era de madrugada, em um bar e estariam alteradas. Ele reclama que a empresa não aceita os argumentos dos condutores, que tinha nota 4.98, taxa de aceitação de corridas de 96% e foi expulso arbitrariamente:
— Não é só a questão do valor da corrida. Os motoristas estão sendo punidos por causa da taxa de aceitação. Para preservar a própria segurança e voltar para a nossa família bem, somos punidos. É muito injusto — comenta, referindo que vai ingressar com ação na Justiça comum para ter o direito de ser ouvido pela empresa e reincorporado.
Por enquanto, essas discussões correm à margem da prefeitura de Caxias, que não atua como órgão fiscalizador desde julho de 2019, quando uma liminar do Tribunal de Justiça do Estado considerou inconstitucional alguns artigos da lei que regulamentava o serviço no município. A decisão, segundo a Secretaria de Trânsito, Transporte e Mobilidade, inviabiliza qualquer tipo de controle. Uma equipe da secretaria realiza um estudo de modelos de legislação de outras cidades que possam servir de base para a reformulação da lei local. A secretaria diz ainda que não tem um dado oficial atualizado de quantos motoristas atuam com transporte por aplicativo na cidade e apenas tem conhecimento de que seriam entre 6 mil e 10 mil.
Motoristas estão voltando a procurar vagas com carteira assinada
Um outro efeito causado pelo aumento da gasolina em Caxias, relatado pelos condutores, é o abandono da atividade. Um motorista caxiense conta que integra um grupo que tinha mil profissionais na cidade e que cerca de 300 deixaram a atividade, um percentual estimado de 30%. O principal motivo seria o fato de não conseguirem mais arcar com as despesas e aluguel de carros que usavam para trabalhar. Essa debandada provocou um movimento migratório inverso ao que aconteceu anos atrás, quando os trabalhadores do mercado formal viram no transporte por aplicativo uma maneira de garantir fonte de renda. Agora, muitos dos que deixaram a atividade voltaram às vagas de carteira assinada e outros tantos estão sem trabalho.
— Os que se mantém um pouco são aqueles que têm carro próprio e podem selecionar. O que impacta para o passageiro é que ele tem dificuldade de chamar essas corridas. Eles reclamam com razão porque afeta eles de ir para o trabalho ou para escola, se atrasam até conseguir alguém que faça. Eles vão pagar, mas, para nós, essas corridas mais curtinhas é quase uma boa ação — analisa o motorista.
Um dos condutores que optou por voltar a trabalhar de carteira assinada foi Angelo Adriano Borges, 35 anos. Ele era metalúrgico e, em 2019, viu no transporte por aplicativo uma forma de aumentar a renda. Começou a atuar com carro alugado, depois comprou um veículo. Mas, com a pandemia, a redução no público e os aumentos da gasolina, resolveu retornar a um emprego fixo com remuneração garantida no final do mês.
— Com carro alugado estava complicado. Tinha que trabalhar entre 12 horas a 14 horas por dia para tirar o aluguel e sobrar para me sustentar. Quando comprei o carro sobrava mais, mas tinha gasolina e a manutenção do carro. Agora, assinei carteira como mecânico. É bem menos (menor salário) do que ganhava com o aplicativo, mas o estresse é menor, não tenho que me preocupar com o carro. Sigo fazendo transporte por aplicativo aos finais de semana — conta, referindo que o aumento da gasolina pesou na decisão, já que o lucro foi diminuindo com o passar do tempo.
O que diz a Uber:
Por meio da assessoria de imprensa, a Uber explicou que não tem um teto de cancelamentos para descredenciar motoristas que atuam pela plataforma, mas que analisa caso a caso e que os excluídos envolvem situações extremas. Que os condutores são profissionais autônomos, que têm liberdade para cancelar corridas, mas que, quando aderem à plataforma, são informados que cancelamentos excessivos e injustificados podem gerar banimento. A medida é adotada para que o sistema funcione tanto para outros motoristas que poderiam ter pegado a corrida cancelada quanto para o usuário que conta com o tempo de resposta e serviço de qualidade. Que a conexão, quando nome, modelo e placa do carro são compartilhados e o usuário recebe a confirmação de que o motorista está a caminho, só ocorre depois do motorista ter conferido as informações da solicitação (tempo, distância, destino etc.) e decidido aceitar a realização da viagem. A Uber, ainda, contesta o dado de 500 condutores descredenciados no Estado, mas disse ainda que não divulga dados regionais, apenas nacionais, que são um milhão de motoristas no Brasil e que houve 1,6 mil desativações nas últimas semanas, sem precisar quantas.