A sujeira provocada pelo barro em dias de chuva e os problemas respiratórios causados pelo excesso de pó não fazem mais parte da realidade de quem mora na Rua Maria Lucilla Dalla Rosa. A via de pouco mais de 400 metros, localizada no bairro Cidade Nova, em Caxias do Sul, é um exemplo de como uma parceria entre o poder público e a comunidade pode levar mais qualidade de vida aos moradores quando a rua onde eles moram substitui o cascalho e as pedras pelo paralelepípedo.
Dono de um mercado localizado na esquina da Maria Lucilla Dalla Rosa com a Rua Arside Cassino, Evandro Salvador, 49 anos, não gosta nem de lembrar de como era a realidade antes da obra.
— Era uma situação muito ruim porque tínhamos que ficar limpando tudo. As mercadorias estavam sempre cheias de pó e, quando chovia, o chão ficava muito sujo porque acabava trazendo muito barro para dentro. Acabava sendo um transtorno também. Acho que calçamento é básico, precisa ter em mais lugares — defende.
Iniciativas como essa na rua do mercado de Salvador são possíveis por meio do Programa Municipal de Pavimentação Comunitária, uma ação da prefeitura instituída em 2009, em que o poder público assume 80% dos gastos com a obra e o restante é uma contrapartida dos moradores. Na época, a ação foi criada com a justificativa de otimizar os recursos públicos e também para fomentar a iniciativa popular com a fiscalização quanto à execução da obra.
Na prática, a pavimentação comunitária inicia a partir de um pedido dos moradores. Em seguida, o poder público faz a análise de topografia e do projeto — podendo ser aprovado ou não. Não há uma estimativa de quanto tempo leva essa análise, porque varia conforme o tamanho da obra.
A contratação da empresa que vai realizar as melhorias fica à cargo dos moradores beneficiados, que se comprometem também a pagar o pó de brita e a construção da boca de lobo. As pedras e as obras de saneamento e drenagem (importantes para evitar alagamentos, por exemplo), além do nivelamento da via, são de responsabilidade do município.
A engenheira civil Greicy Baldin de Oliveira Segala, da diretoria técnica do sistema viário da Secretaria de Obras e Serviços Públicos (Smosp), explica que alguns critérios são levados em consideração para que os processos tenham sequência, como a presença de serviços públicos, transporte coletivo, se existem pessoas com deficiência, entre outros.
Neste ano, segundo ela, a Smosp autorizou a execução da pavimentação em 11 ruas da cidade. Um exemplo de projeto aprovado e que começou a sair do papel recentemente é a pavimentação da Rua Leocir Gonçalves Sperb, no loteamento Conquista, que fica na região de Galópolis.
— A maioria dos pedidos chegam como uma consulta, em que a população pede se é possível ou não que a rua deles seja pavimentada. Dependendo da resposta da análise é que eles voltam a se mobilizar para contratar a empreiteira, que é uma exigência do programa, e para que o projeto possa dar sequência. Além disso, loteamentos irregulares, vias que não são oficiais, particulares, também chegam, mas que acabam sendo indeferidas — explica a engenheira.
Segundo a engenheira, cerca de 30% das solicitações dos moradores esbarram neste pré-requisito para participação do programa: a necessidade de que a rua seja regularizada.
Para resolver esse impasse, segundo o presidente da União das Associações de Bairro (UAB), Valdir Walter, o programa Esse Terreno é Meu, lançado pela prefeitura em agosto, permitirá que mais obras de pavimentação saiam do papel e beneficiem regiões que são afastadas da área central.
— Ao entrar com o pedido de regularização, já é possível protocolar o projeto para pavimentação e isso faz com que os moradores vejam uma luz para que, finalmente, eles tenham um acesso melhor para as suas moradias. Essa iniciativa da prefeitura, bastante louvável, permitirá que o calçamento, tão básico, mas importante, seja ampliado na nossa cidade.
Mobilização é fundamental para o andamento dos projetos
O envolvimento da comunidade é fundamental para que o projeto de pavimentação comunitária possa ser executado. Se um único morador não concordar com a obra, ela não é realizada. Na maioria dos casos, lideranças comunitárias assumem o protagonismo e se dividem entre a mobilização dos moradores, a contratação da empresa que executará a obra e o alinhamento de informações com o poder público.
Um exemplo vem da presidente do bairro Nossa Senhora do Rosário, Lorete Ana Lenzi Brisotto, que é moradora da Rua Aquilino Ricardo Lenzi. A via fica próxima da Rota do Sol, na região Leste da cidade, que é utilizada muitas vezes como desvio à rodovia.
Ela conta que a mobilização para a obra de pavimentação da via inicou há 10 anos, mas conseguiu o aval dos moradores somente em 2018, quando protocolou o pedido na prefeitura. Também precisou negociar diretamente com as empreiteiras, uma vez que é necessário orçar a obra com três empresas diferentes. Depois que os trabalhos iniciaram e precisaram ser paralisados devido à falta de material na prefeitura, a expectativa é que a rua seja totalmente pavimentada até o final deste ano.
— Fui muito persistente, me virei sozinha muitas vezes. Tem que ter jogo de cintura, paciência e nunca desistir. Não é fácil negociar com todo mundo. Fiz mais de 50 reuniões na prefeitura, indo de porta em porta nas casas, explicando o passo a passo. A rua fica em cima de uma bacia de capitação e a prefeitura jamais iria colocar dinheiro sozinha aqui. Acho que deveria ter uma capacitação porque não é todo mundo que tem força para levar adiante essa mobilização.
Segundo Lorete, em média, a despesa de cada um dos 20 proprietários dos imóveis com a realização da obra será entre R$ 6 e 7 mil. Os valores variam conforme o tamanho do terreno. O pagamento é feito individualmente por cada morador com a empreiteira, que permite ainda o parcelamento para quitar o investimento comunitário. O pagamento só inicia após a conclusão do calçamento em frente à residência do morador. Nessa etapa, não há envolvimento do poder público.
Vereador pede agilidade e quer programa comunitário para asfaltamento
O vereador Zé Dambrós (PSB) tem uma visão mais crítica ao andamento do programa de pavimentação comunitária. Para ele, os projetos deveriam tramitar com mais rapidez na prefeitura. Em um pedido de informações solicitado pelo parlamentar e aprovado pelo Legislativo, o Executivo disse que 70 projetos de pavimentação comunitária aguardam liberação para que as obras possam iniciar.
— Entendo que as pavimentações no município andam de forma muito lenta. Eu visito os bairros e não vejo o trabalho andando. Acho muito injusto quando vejo uma via asfaltada e três ruas pra cima dessa mesma ser estrada de chão. Entendo que deveria haver um equilíbrio.
A insatisfação resultou em uma emenda ao projeto de lei original, de autoria de Dambrós, que obriga a prefeitura a informar em seu site a fase de cada processo administrativo procedente de pedidos de adesão ao programa. O assunto foi aprovado pelo Legislativo e sancionado pelo prefeito Adiló Didomenico (PSDB) no último dia 2 de setembro e tem 30 dias para entrar em vigor. Neste período, segundo a prefeitura, a Secretaria Municipal de Obras estará envolvida no desenvolvimento das ferramentas necessárias para colocar as informações na internet.
Dambrós afirma também que está estudando protocolar um projeto de lei para a criação do asfaltamento comunitário. A iniciativa busca envolver a Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca) em um modelo de trabalho em que a autarquia realize a base no solo e o morador ajude a custear a camada asfáltica.
Segundo ele, o interior do município foi elevado a um novo patamar com o asfaltamento dos acessos realizado nos últimos anos, mas que agora, com menos dinheiro, a prefeitura tem dificuldade de realizar esse tipo de investimento nos bairros.
— Claro que o asfalto é um pouco mais caro, mas qualidade nem se fala, né? É uma opção a mais que vamos dar aos moradores, além de também ajudar a Codeca.
A UAB entende que o alto custo pode afastar o interesse dos moradores.
— Tudo que venha para melhorar a vida de quem mora nos bairros é bem-vindo. Mas a gente sabe que asfaltamento eleva o que as pessoas podem pagar e aí começa a ficar mais complicado — afirma o presidente da entidade, Valdir Walter.
Entenda como funciona
:: Participação do município:
Realização da topografia, projeto, licenciamento ambiental, terraplanagem, drenagem, nivelamento do terreno, rebaixamento, detonação de rochas, deslocamento de postes, fornecimento de paralelepípedos e construção de cancha.
:: Participação dos moradores:
Contratação e pagamento da empresa que executará a pavimentação, além do custeio do pó de brita e da construção da boca de lobo.